Julgamos extremamente melindroso o assunto sobre o
qual tratam de legislar no momento nossas altas autoridades educacionais: o
ensino particular.
Certamente há, nessa matéria, abusos numerosos e
deploráveis a registrar, e ninguém, mais que os católicos, desejaria a cessação
de tais erros.
Isto não obstante, é preciso a todo o custo evitar
que, para reprimir abusos do ensino particular, se chegue ao monopólio
educativo do Estado. Porque esse monopólio é, em matéria educacional, o maior e
o mais insuportável dos abusos.
Esperamos, pois, que nada tenham as escolas
católicas, quase todas elas de propriedade particular e não do Estado, a sofrer
com essa projetada legislação.
* * *
Que nossas apreensões são legítimas, di-lo
eloqüentemente a realidade.
Desde o 10 de novembro, há alguns elementos que não
cessam de intrigar o governo com 99% dos brasileiros, que são católicos,
propondo a aprovação de leis condenadas pela Igreja: divórcio, exame
pré-nupcial obrigatório, combate ao celibato etc. Agora, como se tudo isso não
bastasse, há quem deseje que a lei qualifique como crime o fato de uma pessoa
não trabalhar.
Pela doutrina católica, toda e qualquer pessoa deve
exercer uma atividade justa, e não tem o direito de viver no ócio. Mas essa
atividade pode não ser uma profissão, isto é, pode não ser remunerada. É o caso
de uma mãe de família, de uma parente solteira que se dedica a educar a prole
numerosa de alguma prima, embora sem remuneração, é o artista rico que não vive
de sua arte, e contudo vive para ela etc. Evidentemente, toda essa gente não
merece a menor punição.
Aliás, o próprio ócio, nos ricos, por mais
condenável que seja, não deve ser reprimido por lei, pois essa repressão produziria
inconvenientes maiores do que os que visa corrigir.
É o que se dá com inúmeros deveres morais que não
devem ser convertidos em obrigação jurídica.
Todo o mundo deve, por exemplo, dar esmolas. Ai do
país, entretanto, em que a lei fixe o quanto de esmola cada indivíduo deve dar!
Dentro em breve, ele seria teatro dos mais deploráveis abusos.
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A questão tcheca, que
teve na semana passada uma tão drástica e inesperada solução, preocupa o
“Legionário” sob dois pontos de vista. O primeiro se refere aos interesses
espirituais das regiões conquistadas, e o segundo à moral internacional. Como
se vê, ambos esses aspectos têm íntima conexão com a doutrina católica. E é
preciso, e exclusivamente por isso que o “Legionário” deles se ocupa.
Não nos pronunciamos sobre o lado meramente
temporal. O Sr. Hitler afirmou ter sido
levado a conquistar as províncias tchecas, por ser
essa a melhor solução possível para o problema do equilíbrio étnico e político
da bacia danubiana centro-européia.
Terá razão? É possível, conquanto pareça absolutamente improvável. Em todo o
caso, essa questão, em si mesma, nada tem a ver com a Igreja, e, por isso, não
nos pronunciamos sobre ela.
Não somos contrários, em tese, à dilatação da
influência alemã na Europa central, porque, como católicos, não podemos ser
contrários ao aumento da influência ou de poder de nenhum povo da terra.
* * *
Entretanto, se, tomada em si mesma, essa dilatação
de poder não pode contrariar a um jornal católico, esse não deve dar sua
aprovação às injustiças, às custas das quais ela se faz.
Ora, ainda que as mais graves razões tornassem
moralmente admissível para o Reich a conquista da Tchecoslováquia (e ninguém ignora
quão raras e difíceis de se darem na prática tais razões são), ainda assim o
Sr. Hitler estava ligado pelo soleníssimo Tratado de Munich, que ele não poderia violar sem maior desonra.
Essa violação, feita com uma indiferença e uma
displicência para cuja classificação o vocabulário não tem termos
suficientemente fortes, não pode deixar de encontrar na consciência católica a
mais absoluta e formal repulsa.
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Além dessa questão de honra, há outra. E a
gravidade dessa outra é inexcedível.
Ninguém ignora o regime de violência, de opressão
brutal, da propaganda cínica e metódica da apostasia em que a Alemanha se
encontra.
Qual o católico digno desse nome que possa não
lamentar que centenas de milhares de seus irmãos na Fé, residentes nos
territórios ora conquistados, vão sofrer idêntica perseguição?
Quem ama acima de todas as coisas Deus, e sua Santa
Igreja, poderá encontrar consolação para tal catástrofe na satisfação de alguma
vaidade nacionalista? Descerá a tanto algum católico? Queira Deus que não!
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Não comentaremos a atitude de Daladier
e Chamberlain.
Todo o mundo se lembra ainda da famosa sessão da
Câmara dos Comuns, em que o Sr. Chamberlain chorou de comoção
porque recebera naquele instante uma missiva do Sr. Hitler, aceitando novas
negociações. Tinha-se a impressão de que a guerra iria estourar, caso a
mensagem não chegasse, anunciando algumas concessões. Porque, sem estas, o Sr. Chamberlain preferiria uma conflagração mundial.
Hoje, quando se vê que o Sr. Chamberlain
não opôs resistência a nada, e que não há nenhum progresso alemão na Europa
capaz de o levar à guerra, quem será bastante tolo para acreditar que, em 1938,
Chamberlain pensou em declarar guerra, caso o acordo
de Munich não fosse aceito?
Despistamento, despistamento
e só despistamento!
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No meio de tudo isso, não podemos deixar de nos
lembrar da recente Pastoral de S. Ema o Cardeal Kaspar, Arcebispo de Praga, afirmando que Pio XI, para salvar a Tchecoslováquia,
fez inauditos esforços, que um dia a História conhecerá.
O depoimento daquele Príncipe da Igreja, cuja
púrpura traz consigo as mais sagradas garantias de veracidade e sinceridade, é
uma prova eloqüente de que está certa a orientação do “Legionário”.
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No meio de tudo isto, há uma nota cômica.
Em 1935, falava-se muito no poderio do comunismo
russo, e na eficiência maravilhosa dos exércitos soviéticos.
Onde está agora essa eficiência? Onde esse poderio?
É saborosamente hilariante a
impotência militar dos sovietes, em tão vivo contraste com seu apregoado
poderio!
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Finalmente, uma pergunta: que fazem os membros do
governo húngaro, que fizeram tão belos discursos no Congresso Eucarístico de
Budapeste? Que medidas tomam para evitar a invasão neopagã na Europa central? As palavras foram belas. E os
atos? Onde estão?
Por isso é que o “Legionário” sempre foi muito
céptico em relação a discursos muito chibantemente
católicos da Europa... e de outros lugares.