Ratos e ídolos

“O Legionário”, N.º 187, 22 de dezembro de 1935

 

Francamente, ou o Governo começa por exercer energia contra os chefes comunistas apatacados ou então ele deve desistir de qualquer obra saneadora. É preciso, em primeiro lugar, que a lei pese com todo rigor sobre os habitantes do serpentário que é atualmente o navio “Pedro I” ou o Presídio do Paraíso. E só depois terão as autoridades direito de ferir os elementos mais obscuros do Partido Comunista brasileiro.

Dir-se-á que a veemência de nossa linguagem destoa da caridade evangélica; que em lugar de aplaudir entusiasticamente as medidas coercitivas e repressivas de Governo, ficariam melhor em nossos lábios preces caridosas, para conversão dos culpados.

Entre uma coisa e outra, não há incompatibilidade. Só Deus sabe o ardor com que desejamos sinceramente a conversão e salvação de qualquer dos presidiários do Paraíso ou do Pedro I. Enquanto a justiça divina não tiver chamado a contas as suas almas, estão abertas para eles, de par em par, as portas da misericórdia. E nunca haverá em nosso coração outro desejo que não o de encaminhar por essas portas largas e luminosas quantos se acham extraviados nas sendas do erro.

Isto posto, tratemos da repressão.

Dentre os agitadores comunistas, os mais culpados e mais perigosos são os plutocratas e os altos burocratas.

O que dizer-se de um homem que, colocado pela Providencia no pináculo da organização social, armado de prestígio, de influência, de cultura, para amparar as classes menos favorecidas e proteger as instituições e a sociedade, investe contra a Igreja de que deveria ser ao mesmo tempo filho e defensor; contra a Pátria, de que deveria ser firmíssimo protetor; contra a civilização, à cuja guarda foi colocado pelo próprio Deus? Se vier de cima o exemplo da indisciplina, da revolta, do crime, o que se dirá do pobre operariado?

Que juízo merece um professor público, munido pela Providência de inteligência e preparo, para ser um luzeiro das gerações novas, e que se serve das armas que Deus lhe deu, para guiar para o crime, para a anarquia, para a depravação completa e inexorável aquelas almas preciosas, pelas quais deveria zelar como por tesouros inestimáveis?

 O que dizer-se de brasileiros que usam nomes ilustres e tradicionais, ufania de nossa História, e que arrastam pela lama dos presídios, lado a lado com malfeitores comuns, uma glória que não lhes pertence, mas à própria Nação?

Não! Enquanto houver um desses operários do mal a trabalhar contra a sociedade, a perturbar as famílias, a ameaçar a Igreja, nossa língua não calará. Pois que, se não é contra eles, contra quem, então, é que Nosso Senhor veio trazer a guerra e não a paz?

Faz muito bem, portanto, o Governo, em prender e punir severamente os plutocratas que gostam de “brincar” de comunistas trajando camisa de seda, e as “camaradas” que gostam de preparar dinamite com luvas de pelica. Contra estes, toda a energia será pouca.

Muitos, é certo, procurarão servir-se exatamente de seu nome, de sua fortuna, de sua posição, para escapar à pena.

Lembram-nos eles uma anedota chinesa. Conta-se que, certa vez, a China sofreu uma invasão de ratos vindos da Índia e trazendo consigo os mais virulentos germens de peste.

Fez-se, em todo o Celeste Império, uma virulenta perseguição. Morreram todos os ratos exceto uma meia dúzia deles, que conseguiu penetrar pela boca de uns ídolos do templo imperial que, no seu interior, eram ocos. Não lhes era possível atingir os ratos com uma vara. E um dilema angustioso passou a assombrá-los: ou quebrariam os ídolos, ou deixariam incólumes os ratos.

Prevaleceu a segunda opinião que, sob pretexto de tradicionalismo, combatia a ruptura dos ídolos. Ficaram os ratos incólumes. E, dentro em pouco, uma peste tremenda assolava o Celeste Império.

O mesmo vai dar-se agora no Brasil. As ratazanas apanhadas pela polícia procurarão acolher-se à sombra de ídolos. Esses ídolos serão, como dissemos, a fortuna da parentela influente, as relações de amizade com algum cientista ilustre, e assim por diante.

A nosso ver, porém, ai dos ídolos que refugiarem ratos! Deverão sem tardança ser destruídos com o respectivo conteúdo. Porque, do contrário, ai do Brasil, ai dos povos que não sabem quebrar seus ídolos!