Plinio Corrêa de Oliveira
O crime de Sancho Pança
Legionário, 8 de dezembro de 1935, N. 186, 1a. página |
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O encontro de Sancho Pança com seu asno ruço. Detalhe da pintura de Moreno Carbonero. Esse personagem de Cervantes em sua obra “Dom Quixote de la Mancha” tornou-se o homem-símbolo do comodismo, do imediatismo mesquinho, da imprevidência e da poltronice Escrevendo a história de Dom Quixote, Cervantes lhe associou um personagem secundário, que nunca abandonou o herói da Mancha. Este homem se chamava Sancho Pança. Que surpresa sentiria Cervantes, se um telescópio profético lhe pudesse desvendar os acontecimentos futuros, e lhe mostrasse que, enquanto o valente Dom Quixote entraria definitivamente para a galeria dos dementes inofensivos, com sua lança, sua couraça e seu esquelético Rocinante, Sancho Pança, o tímido Sancho Pança, o medíocre Sancho Pança, o desprezível Sancho Pança, haveria de acometer dentro de alguns séculos uma grande nação, e atirá-la, ele sozinho, às beiras do mais negro precipício? Foi, no entanto, o que se deu com o Brasil. Se nosso País não estivesse sob uma proteção especial da Virgem Aparecida, não duvidaríamos muito que, dentro de algum tempo, se lhe pudesse cavar sepultura em sua terra fecunda. E, como justo epitáfio, poder-se-iam escrever no túmulo estes tristes dizeres: “Aqui jaz uma Nação fundada por heróis, civilizada por Santos, e destruída pelo comodismo imprevidente de alguns de seus filhos”. Sancho Pança? perguntarão alguns leitores, mas Sancho Pança não morreu? Que tem ele a ver, pois, com a crise brasileira? Não, Sancho Pança não morreu. Sancho Pança revive em espírito, e inspirando milhares de mentalidades, dita as atitudes de seus filhos espirituais nos Parlamentos, nas Cátedras, nos Bancos, na alta administração. Sancho Pança revive no comodismo dos imprevidentes que fecham os olhos às nuvens de hoje, que serão tempestades amanhã. Ele fecha os olhos, não por que confie na Providência, não porque tenha qualquer motivo sério para negar o perigo, mas simplesmente para gozar em paz o momento que passa. Não morando no Rio, em Pernambuco ou no Rio Grande do Norte, julga que o perigo não existe simplesmente porque não lhe atacou o pelo. Sancho Pança revive no snobismo míope dos jovens plutocratas inscritos na ANL [Aliança Nacional Libertadora], que atiçam o incêndio que ameaça sua classe, esquecidos de que o destino de Judas ou de Philippe Égalité será o fruto de sua vaidosa mania de originalidade. Sancho Pança revive no imediatismo mesquinho e cúpido de certos políticos de oposição, ou de certos literatos vaidosos que não se incomodam de proteger com um liberalismo de mau gosto, os petroleiros [terroristas] que atacam as bases da Nação. Na imprevidência de sua ambição só pensam em gozar de momentânea popularidade e... quem sabe, assenhorear-se, por alguns minutos, do poder. Por alguns minutos, dizemos, porque a onda imprudentemente levantada seguirá seu rumo. E ela tragará num futuro bem próximo àqueles mesmos que lhe abriram caminho. Sancho Pança revive na incúria comodista de muitos cidadãos a quem o Brasil havia confiado a missão sagrada de defender a Religião, a Família, a Propriedade, e que não se pejavam em designar para cargos de máxima responsabilidade os mais encarniçados inimigos dos princípios cuja custódia lhes incumbia como dever sagrado. Sancho Pança revive no terror dos poltrões que, assustados pelas primeiras chamas do incêndio já dominado, exageram as proporções do perigo, alarmando a população laboriosa, e espalhando em torno de si um terror que, longe de conduzir à reação, conduz ao abatimento e à inércia, paralisando todas as iniciativas boas e inutilizando todas as resistências. Ah! Sancho Pança! Tu que, vestindo farda, beca, toga ou casaca, brincas com o fogo ou foges diante do adversário, tu que simbolizas a imprevidência, a incúria, o comodismo, a cupidez imediatista, o medo, tu infeccionaste profundamente o Brasil. As chagas que se abriram no Rio Grande do Norte, em Pernambuco, no Rio de Janeiro, foi teu sangue morno e impuro que as rasgou. Tu brincas hoje, tu chorarás amanhã. Mas ouve: aqueles mesmos revolucionários cujo caminho preparas porque és imediatista ou porque és poltrão, eles mesmos te dirão agora, pela boca de um grande anarquista, o futuro que te aguarda se te não emendares. Tu não nos queres ouvir, dizes que cheiramos sacristia e que não entendemos de política. Quando apontamos o perigo tu te ris, dizendo que somos medrosos. E quando o perigo ruge tu foges, e tachas de quiméricos nosso esforço para organizar a reação. Mas se te não impressiona a voz dos que lutam por Deus, ouve a voz de alguém que lutou pelo mal, ouve Proudhon: - "Quando a primeira colheita tiver sido pilhada, a primeira casa forçada, a primeira igreja profanada, a primeira tocha incendiada, a primeira mulher violada; - quando o primeiro sangue tiver sido derramado; - quando a primeira cabeça tiver caído; - quando a abominação da desolação reinar em toda a França; - Oh então sabereis o que é uma revolução social: uma multidão desencadeada, armada, ébria de vingança e de furor; espetos, machados; espadas nuas, martelos; a polícia no seio dos lares, as opiniões suspeitas, as palavras delatadas, as lágrimas observadas, os suspiros contados, o silêncio espionado, as denúncias, as requisições inexoráveis, os empréstimos forçados e progressivos, o papel moeda depreciado, a guerra civil e o estrangeiro nas fronteiras, os pro-consulados implacáveis, um "comitê de salut public", um comitê com o coração de aço: - eis aí os frutos da revolução dita democrática e social". E, eis aí, Sancho Pança, o futuro que nos preparas. Mas tu não vencerás o Brasil. Não é possível que uma corte de míopes destroce uma grande nação. Não, Sancho Pança, não! Teus dias estão contados. Não vês essas falanges de moços, que por toda a parte se levantam, trazendo uma cruz na lapela e nos lábios o nome de Maria? Eles são a alma do Brasil que luta, que crê, que espera. Eles são a bênção de Maria, na Terra de Santa Cruz. Por intermédio deles, Maria te esmagará como esmagou a cabeça da serpente! |