Será difícil avaliar toda a oportunidade de um
livro que, sob o título de “Heroes”, o Seminarista
Pio Ottoni Jr. acaba de publicar em São Paulo. Em uma
época em que pululam os maus romances e em que todos os enredos giram
necessariamente em torno de contos de amor, o livro de Pio Ottoni
Jr. vem constituir uma feliz exceção, apresentando-nos uma série de contos,
cujos enredos, sempre muito interessantes e às vezes até empolgantes, se afastam
invariavelmente do lugar comum em que se debate quase toda a literatura
contemporânea.
Poucas pessoas terão, talvez, sentido tão
profundamente quanto eu, a inexorável monotonia da maior parte dos romances que
nossas livrarias despejam diariamente às centenas sobre o público. Como todo o
mundo, ou quase todo o mundo, tive uma época em que o romance gozou para mim de
muito prestígio: foi no período áureo dos meus já distantes quinze anos, em que
devorara horas a fio as tortuosas aventuras de Posson
du Terrail. Depois disto,
porém, uma saciedade crônica me invadiu de que, felizmente, até hoje não me
curei. Lembro-me que, certa vez, procurei ler um romance, aliás de excelente
autor. Não consegui fazê-lo. A banalidade dos personagens e do enredo,
parecidos com todos os personagens e todos os enredos sobre que já me havia
debruçado, me enchia de tédio e, quando menos esperava, meu pensamento estava
distante, a cogitar de assuntos inteiramente alheios ao pobre livro que tinha
nas mãos.
Pois a despeito disto, li com interesse todos os
contos de “Heroes”, e nenhuma vez minha imaginação
sentiu a tentação de vagabundear em assuntos que me salvassem do tédio...
É que o autor de “Heroes”
possui um raro talento para compor enredos. E este talento se manifestou
principalmente na perícia com que soube extrair temas realmente atraentes e de
ambientes até agora quase inexplorados.
Mas além de ótimo arquiteto de enredos, o Clérigo
Pio Ottoni é psicólogo de grande valor. E foi esta
qualidade que fez, ao meu ver, do “Celito” o melhor
dos seus contos.
“Celito” é um menino
educado em casa com carinhos e hábitos quase femininos, na moleza de uma
família rica e excessivamente afetuosa, e que cai, de repente, em toda a
realidade brutal e dolorosa da vida de colégio.
Só para os inconscientes, a vida de colégio pode
ser considerada como uma sucessão ininterrupta de prazeres inofensivos e
inocentes folguedos. Um colégio é um mundo em miniatura, e todas as paixões e
perfídias humanas bem como toda a nobreza de que um coração formado é capaz, apontoam lá com uma sinceridade desabrida, que a vida se
encarregará de polir futuramente.
Naquele turbilhão de vida, o gênio de Celito se manifesta de modo doloroso. “Gaté” [mimado] em casa,
revolta-se contra as injunções dos regulamentos colegiais, contra os colegas,
contra os mestres. Um temperamento excessivamente vivo o leva para atitudes de
revolta que freqüentemente deplora sem saber conter. E, no albor
de sua vida, Celito já é um pária
da sociedade, colocado no Colégio “fora da lei”, e tratado com dureza pelos
Mestres, que não compreendem o molejo secreto que causa na sua pequena alma de
criança tantas desgraças.
Um professor mais psicólogo, vindo de fora,
descobre a situação real em que Celito está prestes a
naufragar. E, à custa de muita bondade, vence suas desconfianças e se
transforma em seu confidente. E, em uma dessas confidências, ouve do pequeno
esta dolorosa afirmação: “Padre, eu não dou para nada!”
Santo Agostinho, nas suas Confissões, tratando do
período de sua infância, chama a atenção dos leitores para o erro muito comum
de se consideram como insignificantes os acontecimentos que pontilham a
existência das crianças. Elas nos fazem sorrir, a nós adultos. Mas para uma
criança, têm a importância de acontecimentos sensacionais.
Essa mania sentimental de se considerar a alma de
uma criança como um mar tranqüilo, conduz freqüentemente aos mais funestos
resultados. Realmente, a superfície do mar parece, às vezes, tranqüila. Mas
sabe Deus os maremotos que se agitam no fundo, as correntes que o atravessam
nas suas camadas mais profundas, os abismos que a superfície tranqüila encobre!
Quantas vezes é assim a alma de uma criança!
* * *
Com todas estas qualidades, o Sem. Pio Ottoni aparece, logo de início, como uma grande esperança.
Na Messe do Senhor, será o pastor das ovelhas
incompreendidas, será o ceifador que não se limitará
em colher espigas, mas em apanhar no chão o grão esquecido que outros deixaram
cair sem perceber, e que alguns pisam pelo caminho.
Desses operários, precisa-os muitos a Messe do
Senhor.
Que Nossa Senhora ajude o Pastor que o Senhor
prepara para trabalhar na sua Messe, auxiliando-o a arcar com as terríveis
responsabilidades de tantos talentos, que lhe são dados para que os faça render
cem por um!