Um golpe

“O Legionário", N.º 177, 4 de agosto de 1935

 

A Constituição Federal estabelece que se elaborará, para todo o Brasil, um plano uniforme de educação. Preocupado em dar cumprimento ao preceito de tamanha monta, o Governo Federal solicitou a todos os Governos Estaduais que organizassem comissões incumbidas de, nos seus respectivos Estados, colaborar na grande obra, enviando ao Governo Federal planos, sugestões, etc.

Evidentemente, o assunto interessa muito de perto à Igreja, cuja missão tão de perto se relaciona com todos os assuntos educacionais. Seria, pois, de se esperar que o Governo do Estado procurasse consultar as altas autoridades Eclesiásticas para incluir, na comissão que deveria organizar, alguns elementos representativos do pensamento católico.

Aliás, não seria apenas um gesto de simpatia do Governo, este que acima indicamos, mas uma atitude inspirada na estrita justiça, pois que a Igreja colabora eficientissimamente com o Estado, no Brasil, para a educação nacional, mantendo uma imponente rede de estabelecimentos de ensino, com os quais o Governo não poderia sequer pensar em enfrentar com êxito a hidra do analfabetismo.

Efetivamente, imagine-se que, de um momento para outro, fossem fechados todos os estabelecimentos de ensino católicos e que o Brasil tivesse, para neles estudar, os pouquíssimos ginásios oficiais e alguns poucos estabelecimentos de ensino privados, de inspiração católica, que por aí andam. Em que situação se acharia a cultura nacional?

Seria, pois, de estrita justiça que, recebendo o Estado, da Igreja, uma tão valiosa colaboração, procurasse ouvi-la no momento de elaborar planos para o desenvolvimento da obra em que um e outro colaboram, e em que ambos estão interessados em alto grau.

Pelo contrário, o Governo do Estado constituiu uma comissão de educadores apaixonados pelas doutrinas pedagógicas mais radicalmente anticatólicas e, tendo de juntar-lhes um professor estrangeiro da Universidade, em lugar de procurar a colaboração de algum professor católico - e poderíamos citar diversos dentre eles que fazem profissão de fé católica - não encontrou melhor nome do que o do Sr. Arbousse Bastide, o único professor protestante, contratado na França para a Universidade.

Existe em São Paulo uma Confederação de Colégios Católicos, organizada graças aos esforços infatigáveis e beneméritos de Dom Xavier de Mattos. Compreende todos os colégios católicos do Estado, e já tem prestado os mais assinalados serviços à causa católica em diversas emergências, como por exemplo no Congresso de Educação de Fortaleza.

A Confederação Católica é uma verdadeira pepineira de excelentes professores que poderiam, com o maior brilho e eficiência, representar, na comissão, o pensamento católico.

Mas não é apenas no ensino secundário que podemos apontar nomes. Também no ensino superior, têm os católicos expressões autênticas de seu pensamento, e também aí poderia facilmente o governo encontrar representantes autorizados e competentes do esforço educacional da Igreja. Por que, por exemplo, não recorrer à Escola de Filosofia de São Bento?

Mais do que estranheza, este gesto do governo nos causa pesar. Sempre dispostos a respeitar a autoridade constituída e prontos a aplaudir sem menor preocupação partidária todas as iniciativas governamentais acertadas, nosso dever nos impele, no momento, a formular uma categórica censura.

Aliás, ainda é tempo de remediar o mal. E estamos certos de que mais de uma vez terá chegado ao Sr. Secretário da Educação, a lhe indicar a injustiça talvez involuntária, de seu pecado por omissão contra os direitos da consciência católica.

E se o erro for corrigido, aqui estaremos nós a aplaudir com a mesma imparcialidade, a mesma preocupação exclusiva dos interesses da Igreja, o gesto nobre e reparador que a consciência católica espera do governo.