Com as últimas notícias publicadas a respeito da
alta direção das atividades católicas no Brasil, podemos dizer que toda uma
etapa de nossa vida religiosa se encerra, para ceder o lugar a outra que se
anuncia promissora e brilhante. A recente promulgação dos estatutos da Ação
Católica Brasileira, a fixação da data em que se realizará o Congresso
Eucarístico de Belo Horizonte, e sobretudo a notícia de que se reunirá em Concílio,
brevemente, o Episcopado Nacional, constituem os marcos iniciais de uma inteira
renovação de toda a nossa vida religiosa.
Parece-nos, portanto, da mais estrita justiça que
no limiar de uma nova série de esforços e de lutas detenhamos por instantes
nossa marcha, a fim de examinar o caminho percorrido.
Em 1915 - há vinte anos apenas - qual era a
situação religiosa do Brasil? Como se apresenta ela em nossos dias? Quais as
modificações operadas? É o que vamos examinar.
Em 1915, era desoladora nossa situação. O povo era
católico. Mas nas mais altas camadas sociais as tradições católicas iam se
diluindo cada vez mais, cedendo o passo aos costumes e à mentalidade do neopaganismo europeu e norte-americano, largamente
importado através dos romances e do cinema. Nas elites intelectuais, o
catolicismo deixara de existir, ou
existia na situação de mero sentimentalismo, sem a menor ligação com as
convicções filosóficas, políticas ou científicas. Fortemente infeccionadas as
elites intelectuais e sociais, o corpo social inteiro padecia, e, vindo do
alto, o escândalo da incredulidade e do sibaritismo ganhava toda a massa da população.
Qual a situação em que enfrentava a Igreja a
multiplicidade de tamanhos perigos?
Um Episcopado enérgico e um Clero altamente
moralizado tentava em vão reagir à onda que se avolumava. Ainda não estava
liquidada a pesada herança do Império, e a desorganização ainda afetava alguns
dos pontos mais centrais de nossa vida religiosa: as Ordens religiosas apenas renascentes
dos escombros; as irmandades leigas ainda insubmissas; e acima de tudo o Clero
ainda muito pouco numeroso a absorver quase toda a sua atividade em ministrar
os Sacramentos e distribuir a palavra de Deus, sem o tempo necessário para
organizar associações, dirigir iniciativas, arregimentar elementos.
Aliás, a simples expressão
“arregimentar elementos” faria sorrir naquela época, porque, a dizer a verdade,
não havia elementos a arregimentar. Com a exceção de algumas irmandades
insubmissas, e de uma ou outra raríssima associação religiosa realmente
prestante, o laicato se desinteressava da ação católica, que não compreendia ou
até nem mesmo conhecia. E precisamente por este motivo a mesa eucarística
estava quase sempre deserta, freqüentada apenas por raras senhoras, ou por
algum homem já idoso.
Muito escasso o Clero e quase nula a vida
eucarística de nosso povo, pequeníssima sua cultura religiosa, diminutíssimo o laicato católico, que recrutava raros
elementos no sexo piedoso, e quase não tinha representantes entre os homens, o
que fazer?
Deus, no entanto, escreve direito por linhas
tortas. Ou, como diz nosso venerado Arcebispo, “nós vemos tortas as linhas direitas em que escreve Deus”. E, em
1935, decorridos apenas 20 anos, o panorama se apresenta inteiramente mudado.
Atacado o gravíssimo perigo da escassez do Clero,
pela ação perseverante da Obra das Vocações, a Santa Sé acaba de dar impulso
decisivo à solução do problema pela fundação dos Seminários Centrais que, além
de comportarem estudantes numerosos, dispõem de todos os elementos para formar
Sacerdotes modelares.
A vida eucarística floresce em todas as camadas
sociais, e atrai pelo seu esplendor a alma de velhos como de moços, de homens
como de mulheres, de sábios como ignorantes. As estatísticas oficiais sobre o
número de Comunhões distribuídas na Arquidiocese e nas Dioceses de Campinas e de Jaboticabal, as únicas cujo Anuário conheço, indicam o mais
entusiástico “renouveau” eucarístico.
A vida intelectual dos católicos tem outro aspecto.
Não só o catolicismo vai reconquistando a posição de orientador de todo o pensamento filosófico, científico e
político dos intelectuais católicos, mas vai sendo defendido com denodo cada
vez maior por uma plêiade de leigos, que vão conquistando gradualmente as
Escolas Superiores, quer ocupando as cátedras, quer militando entre os alunos.
O laicato católico é cada vez mais numeroso. E o
magnífico movimento da Federação Mariana é bem o índice mais expressivo da pujança
do espirito religioso entre os leigos.
As instituições caminham para uma cabal recristianização. E a constituição de 1934 é um índice bem
significativo do vigor da ofensiva católica neste terreno.
A esta altura, o Episcopado Nacional resolve
enfeixar na organização da Ação Católica todas as atividades religiosas do
laicato. Convoca, também, um Congresso Eucarístico em Belo Horizonte, no
coração do País, para ser eco eloqüente do da Bahia. E um Concílio nacional se
anuncia, em que se tratará de ordenar todo este progresso, e dar estímulo ainda
maior a tantas dedicações que, de todos os lados, vêm oferecer à Igreja saber,
talento, energia e atividade.
Uma figura se destaca, no meio de tantas
iniciativas e de tantos triunfos. É a do Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro,
que tem sido o marechal ardoroso e infatigável de todas estas vitórias.
Ainda em 1916, na pastoral dirigida aos fiéis de
Olinda, seu olhar como que antevia o triunfo de hoje, no realismo são com que
pôs a descoberto todas as chagas de nossa insuficiência religiosa.
Em todos os setores em que se operaram progressos,
a figura do Cardeal aparece ligada às mais gloriosas realizações. Que triunfo
mais esplêndido para a nossa vida eucarística do que a grandiosa procissão de
1922 ou o Congresso Eucarístico de 1932? E quem mais do que o Cardeal trabalhou
para a realização destes dois grandiosos empreendimentos? Que afirmação mais
vigorosa do pensamento católico do que o Instituto católico de Estudos
Superiores, ora dirigido por Tristão de
Ataíde, e que nasceu sob os auspícios e o patrocínio amoroso, de
todos os instantes, de Dom Sebastião Leme? Se por toda a parte floresce a ação do laicato católico,
de onde lhe vieram estímulos mais vigorosos, simpatia mais eficiente, proteção
mais constante, do que do Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro? E se atualmente
a ação católica se organiza, a quem se deve a obra ingente da conciliação dos
pontos de vista contrários, da eliminação dos obstáculos, do triunfo sobre
todas as dificuldades que toda a iniciativa como a Ação Católica tem de
encontrar, até conciliar todos os entusiasmos, como acaba de acontecer?
O nome do segundo Cardeal da América Latina há de
ficar nos fastos da História do Brasil.
Modesto, ele se oculta, em todos os grandes
movimentos que empreende, faz brilhar sempre os ideais que o animam, apagando
sua pessoa, colocando-se voluntariamente na sombra.
Um dia, porém, a “justiça de Deus falará pela voz da História”. E, neste dia, se verificará que a figura providencial de Dom
Sebastião Leme se sobreporá à de todos os brasileiros de sua época, do ponto de
vista da grandeza da obra realizada.
Chamam-no o Cardeal
da Eucaristia, outros o Cardeal de
Nossa Senhora, outros o Cardeal da
mocidade. Ele, porém, será coroado pela História com um título ainda mais
glorioso, que a todos os anteriores excederá: será o Cardeal da Providência.