Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Prece que salva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“O Legionário”, N.º 166, 3 de março de 1935

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Enquanto a imprensa diária consagra longas colunas ao noticiário dos festejos carnavalescos, com grande abundância de detalhes sobre os mais insignificantes bailes de várzea, que se desenrolarão neste São Paulo oficialmente enlouquecido por três dias, todas as referências ao retiro promovido pela Federação Mariana são cuidadosamente relegadas para pequenas notícias nas “seções religiosas”.

Por que? Dos dois fatos, nos tristes dias que vivemos, qual o mais digno de atenção e de louvor: que uma população, oficialmente estimulada para isto, se entregue aos prazeres fáceis do carnaval, ou que uma numerosa mocidade, vencendo a resistência do ambiente, renuncie a todos estes prazeres, tão atraentes quando se é jovem, para se entregar voluntariamente à austeridade de um retiro espiritual?

Para poder julgar, transporte-se o leitor, em espírito, ao pedestal da estátua de Momo, erguida na praça Antônio Prado. Daí, examine durante alguns minutos, um por um, os automóveis que passam.

A primeira a passar é uma mãe de família que já passou os cinqüenta anos e que procura comprimir a exuberância de sua carne em uma fantasia de pierrot. Sua pele fanada, atapetada por um pó de arroz barato, ostenta uma palidez artificial, muito diversa do colorido apopléctico e suarento tão conhecido de seus familiares. Seu olhar amortecido procura encontrar em uma falsa vivacidade os relâmpagos, já há muito extintos, de seus remotos vinte anos. No delírio do corso, perdeu a noção de tudo, e chegou a supor-se bela. Atira serpentinas com grande profusão para as calçadas. O pobre populacho recebe com satisfação a serpentina.

Ela confunde este prazer que causa e os sorrisos que provoca com uma suposta admiração. Tudo lhe corre bem, até que um moleque desabusado a chama à realidade, exclamando bem alto: “Olhe a gorducha”. E um punhado de confete sujo, apanhado na sarjeta, lhe acompanha a exclamação. A agredida, enquanto se limpa, responde com um olhar iracundo e desiludido. Segue o corso.

Outros carros passam. É uma Cleópatra (...) que economizou seus ordenados de um ano para comprar na casa Sl. um diadema de latão e alguma pedraria feita pela fábrica de garrafas “SM”. Agitando freneticamente seu cetro de papelão, faz acenos desabridos para a direita e para esquerda, e, com seu movimento desordenado, a coroa quase lhe cai da cabeça. Mas a iluminação “feérica” do Sr. Prefeito é inclemente. É em vão que procuramos o famoso nariz que seduziu Antônio e mudou a geografia política da Ásia.

(...) Outro carro ainda. Desta vez, é uma família realmente virtuosa que passa. Por isto mesmo, não tem “queda” para o carnaval. Dez filhos superlotam o pobre automóvel familiar. Como são todos bons, não têm “ares” carnavalescos. Nada mais sem graça do que aquela mãe de família que, com um desajeitado xale de cigana passado pela cabeça e com as bochechas exageradamente rubras, distribui gravemente sanduíches à prole, controlando a fome de Joãozinho, forçando a dispéptica Eugeninha a se alimentar, e segurando com uma das mãos o pé do caçula de 4 anos que, sentado no toldo, só veio ao corso por não ter com quem ficar em casa. Eles não percebem que são uma aberração para o ambiente. Que seu lugar seria no lar. Que não foram feitos para a folia. Que, por isto, são ridículos e sem graça. E que é exatamente por isto que o povo vê passar com indiferença aquele colossal stock de mascarados.

Enfim, um a outro, os carros se sucedem. Em todos eles a vaidade acende chamas nos olhos. Todos se julgam belos ou interessantes. Triunfa por isto mesmo o mau gosto.

Alguns usam máscaras de pano ou papelão. Mas a grande maioria usa a máscara de carne do seu próprio rosto. Todas estas máscaras riem. E não poderiam deixar de rir, uma vez que é preciso rir no carnaval.

Atrás destas máscaras, porém, algumas almas choram, muitas bocejam entediadas, outras se contraem ansiosas, e outras mantêm a impassibilidade das irremediáveis desilusões. Poucas riem de verdade. E, quando riem, não sabem os prantos que estão acumulando para amanhã...

No seu pedestal, o Rei Momo ri sempre; poucos, porém, percebem porque ri. Ele, porém, o sabe. Ele ri da cegueira humana.

Passemos subitamente, para o Liceu Coração de Jesus. Centenas de moços. No silêncio da noite, terminam-se as últimas orações.

“Perdoai, Senhor, os pecados do mundo. Aceitai o sacrifício que Vos oferecemos na manhã de nossa vida. É o sacrifício dos divertimentos que poderíamos fazer sem Vos ofender, mas de que não nos aproveitamos para resgatar os pecados dos que Vos ofendem. É o sacrifício, também, dos divertimentos que Vos ofenderiam, e que, por isto mesmo, nós queremos afastar para muito longe. Aceitai, ó Pai de misericórdia, a reparação que depositamos sobre vosso altar. Muitos riem, outros choram, quase todos, rindo ou chorando, pecam porque sofrem ou se divertem longe de Vós. Quando suportamos no silêncio o riso dos que não compreenderam nossa piedade, perdoai Senhor, as gargalhadas dos que Vos insultam no deboche e na imoralidade.

“Quando choramos com lágrimas amargas nossos pecados, aliviai, Senhor, as dores dos que sofrem longe de Vós.

“Quando ouvirmos as palavras do sacerdote que nos prega o retiro, fazei, Senhor, que seus ecos penetrem, sobre forma de íntimas inspirações, até o âmago de tantos corações que não Vos querem ouvir.

“Quando, enfim, descansarmos no sono das consciências tranqüilas, dai um pouco de nossa paz àquelas almas que se agitam longe de Vós, procurando no pecado uma felicidade que só em Vós se pode encontrar.

“Perdoai, Senhor, perdoai nossa Pátria. Para vô-Lo pedir, não Vos trazemos, nós, corpos gastos pela vida ou almas maculadas pelo pecado.

“É a manhã de nossa vida, que oferecemos, é o nosso “sacrificium vespertinum”.

“Senhor! É o Brasil de amanhã que Vos fala. Perdoai o Brasil de hoje!”


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