De vitória em vitória
“O Legionário”,
N.º 146, 29 de maio de 1934
Embora seja ainda relativamente cedo para julgar as
conseqüências da Grande Guerra no campo espiritual, vai-se consolidando a idéia
de que ela representa o termo do século XX, com todas as suas ilusões de
estabilidade perpétua e progresso indefinido. Com mais dificuldade, talvez, do
que a vencida pelos obuses dos 420 para romper as calotas de concreto e aço dos
fortes de Liège, ruiu a mentalidade alicerçada nos
erros do filosofismo. E os tempos atuais se
caracterizam por esta fase de transição, onde novos e velhos repudiam o
passado, e nem sempre sabem onde buscar o ideal do futuro.
Na luta que se estabeleceu em torno das novas idéias,
das novas ideologias e das novas doutrinas, o que caracteriza os seus arautos é
a intolerância recíproca. Todos os meios de propaganda da palavra sofrem
contra-ataques violentos, científicos ou bárbaros. A uma tribuna, a um rádio e
a uma imprensa direitista que surge, replica-se com uma tribuna, com um rádio ou
com uma imprensa esquerdista ou, quando não, com um tumulto, com um ataque ou
com um empastelamento. Milícias com camisas de todas as tonalidades, o mais das
vezes só são utilizadas para a garantia do uso da palavra e da pregação
doutrinária. Capitais européias há em que os jornaleiros anunciam os seus
periódicos garantidos por duas ou três dezenas de “soi-disant
chômeurs” [pretensos desempregados], armados de
grossas e pesadas bengalas. A guerra das ondas hertzianas, que empolga os
ouvintes de rádio da Europa, é outra manifestação da luta implacável pelos
novos ideais. Munique e Viena, Paris e Roma, Berlim e Varsóvia, Moscou e
Vaticano se empenham em combates que só cessam com os esforços das chancelarias
e sob a pressão dos tratados.
Entre nós, a acanhada e anacrônica mentalidade do
século passado ainda tem seus adeptos. Quando falam, parecem vozes de sessão
espírita - disse um dos [nossos]. Têm [eles] sofrido terrivelmente com a
Constituinte, que lhes alterou o tabu de 91. Cada reforma é um espinho que provoca
um azedume. Derrama-se logo o desgosto incontido, pelas colunas dos jornais,
principalmente nos relatórios das sessões da Assembléia, fazendo crer que as
forças se equivaliam, e que os deputados das reivindicações católicas eram
inertes e incapazes, que foram levados à parede, que agem sob pressão estranha,
etc., etc., e quando se examina o resultado da votação verifica-se que, na
realidade, só havia um pequeno grupo contrário que fazia uma grande algazarra!
O azedume dos adversários da cristianização da Constituição ainda se manifesta
nos artigos de fundo, nos telegramas, nos tópicos, nos sueltos e nas manchetes. Há dias,
um dos nossos vespertinos publicou com grande açodamento, em manchete e com
letras enormes, que todas as emendas religiosas haviam caído, após longa
discussão! Vontade de as ver por terra!...
E, no entretanto, as coisas são inteiramente diversas.
De vitória em vitória, os representantes da Liga Eleitoral Católica e demais
deputados que defendem as reivindicações mínimas dos católicos vão conquistando
os seus ideais, que são os nossos ideais. Mas eles vão sair da liça, após o
triunfo final, diminuídos, por assim dizer, aos olhos do grande público, porque
não houve uma grande imprensa radicalmente católica que amortecesse o mau
efeito que pouco a pouco a outra foi instilando no espírito daqueles que melhor
deveriam apreciar os fatos.
Frente à tribuna liberal ou socialista erguem-se o
púlpito do ministro de Deus, o estrado e a cátedra dos leigos da ação católica.
Ao rádio, que em nossa terra já injuriou as nossas mais sagradas autoridades,
antepor-se-á o rádio católico.
E à imprensa neutra, nem sempre hostil, é verdade, mas
também com a qual nem sempre poderemos contar, o que oporemos nós, católicos?