Au dessus
de la melée...
“O Legionário”, N.º 144, 29 de abril de 1934
Seria quase de espantar, se não estivesse muito dentro
dos nossos hábitos, o contraste entre o modo pelo qual se vêm acompanhando os
debates da Constituinte referentes às teses constitucionais e às questões
políticas. Reunida a Assembléia para fazer uma Constituição, era natural que
todas as atenções estivessem voltadas para os problemas da organização do
Estado, de tão magna importância, que lhe cabia resolver. Era todo um edifício,
derribado pela revolução, que se devia reconstruir com os mesmos tijolos,
velhos e gastos, segundo uns, ou com material inteiramente novo, segundo
outros. Tratava-se, além do mais, de debater questões de uma relevância
extraordinária para a sociedade, que haviam sido desprezadas pelos
constituintes de 91 e que eram anunciadas nos programas de quase todos os
candidatos. Assim, os problemas referentes à organização da família, da vida
econômica ou do ensino.
A discussão de tais assuntos, porém, pode-se dizer que
passou em branca nuvem aos olhos disso a que se chama... opinião pública. Os
meios católicos esclarecidos, isto é, o das associações religiosas e de ação
católica, foram os únicos a levar a sério essas discussões, compreendendo a sua
gravidade e a importância fundamental do programa levantado pelos numerosos
deputados da LEC.
O grande público e a grande imprensa mantiveram-se
alheios a tudo. Pouco se lhes dava se a Constituição saísse fascista, liberal
ou até comunista! A indiferença de sempre em relação a questões de regime, de
idéias, de doutrinas.
Bastou, porém, que surgisse no cenáculo do Palácio
Tiradentes um “caso” puramente político, o da eleição do presidente da
República, para que, como por um milagre, ressuscitasse a famosa “opinião
pública”! Até comícios agitados foram promovidos pelos desordeiros e
exploradores de sempre, naturalmente para depois afirmar que eram manifestações
populares! E quando a polícia sabiamente os proibia ou dissolvia, recomeçava a
cantilena dos telegramas líricos aos deputados, protestando energicamente em
nome da “soberania” do povo!
Aliás, desde as primeiras sessões da Constituinte, a
despreocupação pelos problemas constitucionais e o interesse passional pelas
“moções” políticas foi o que caracterizou a atitude do público em relação à
Assembléia. Mais ainda confirma esse estado de espírito, em São Paulo, a
renovação da luta entre os partidos políticos do nosso Estado, como no tempo em
que dominava o PRP, com a diferença de se terem trocado as posições. Os
discursos dos próceres perrepistas, nas suas
concentrações, os artigos dos jornalistas do PC, nas sessões livres dos
modernos “Correios Paulistanos”, tudo isso gira sempre em torno de fatos e
pessoas. Fatos que se revolvem para disputar as glórias passadas e pessoais,
cujo inventário de malandragens é feito com ardor... Isso tudo tem o condão de
despertar o interesse público!
Não nos procuramos envolver na meada da política
partidária brasileira ou paulista. Todo o mundo conhece a nossa atitude: “fora
e acima dos partidos”. Defendendo sempre a ordem e a legalidade, devemos, isso
sim, combater as oposições que apelam para meios revolucionários. E sempre por
questão de princípio. Mas quanto aos partidos, nada nos interessa. Nunca
terçaremos armas por este ou aquele, nem os combateremos, salvo quando os seus
princípios sejam hostis à Igreja. No momento das eleições, aguardaremos o
pronunciamento da Liga Eleitoral Católica, prontos a votar no candidato que ela
indicar, pois esta indicação significará a adesão plena e sincera aos
princípios católicos, do candidato apresentado aos nossos sufrágios.
Como católicos, estamos sempre au dessus de la melée [acima da
refrega], segundo a feliz fórmula de um semanário católico francês, para
indicar a sua posição diante dos acontecimentos políticos provocados pelo affaire Stavinsky
[nota: cfr. “Bastidores à mostra”, “O Legionário”, no
149, 8-7-34].
É, portanto, com absoluta isenção de ânimo que podemos
julgar o que se passa dans la melée [na refrega]. E isso o devemos fazer, não por nos
interessarmos pelos “casos” da nossa política de taba, mas apenas com o fito de
contribuir para a elevação política do nosso povo.
Nós, católicos, abrimos uma exceção nas preocupações imediatistas do público em face dos problemas políticos.
Sem dúvida alguma, conseguimos formar uma corrente de opinião que deverá ser
respeitada e acatada.
Em torno das reivindicações da LEC, despertamos, em
certas classes, um interesse bem superior ao provocado pelo terra-a-terra da
politicagem.
Foi, efetivamente, uma exceção confortadora aberta na
rotina política brasileira. O que é preciso agora é desenvolver esse trabalho
de elevação e de reabilitação da política. Pois se o grande mal dos nossos
católicos fora até aqui o abstencionismo, vencido este, não será, por certo,
para nos arrastar às competições personalistas e partidárias, mas para nos
levar a desenvolver uma campanha de idéias e de princípios.
Para isso é preciso, em primeiro lugar, lutar pelas
reivindicações religiosas, em defesa da família, da educação e da Igreja. E, em
segundo lugar, destruir os falsos ídolos e os dogmas do democratismo liberal,
como sejam a soberania absoluta do povo e o sufrágio universal, a autonomia do
indivíduo e o abuso das liberdades, as prevenções contra um Estado forte
realmente capaz de assegurar a ordem social, etc.
Eis a grande tarefa reservada ao trabalho dos nossos
deputados, jornalistas, escritores e, sobretudo, às nossas orações, com o fim
de conquistarmos e mantermos as reivindicações que legitimamente pleiteamos.