As emendas católicas
“O
Legionário”, N.º 135, 24 de dezembro de 1933
Continuam a decorrer auspiciosamente os trabalhos da
Liga Eleitoral Católica do Rio de Janeiro, para o efeito de coordenar os
esforços dos elementos católicos na Constituinte. A figura central nesse
delicado trabalho é Tristão de Athayde.
Sua privilegiada capacidade de ação parece encontrar,
em face das exigências de sua melindrosa missão, recursos inesgotáveis.
São Francisco de Sales conta-nos uma antiga lenda de
certo lago italiano, que jamais transbordava a despeito das mais violentas
tempestades, porque os rochedos que o marginavam cresciam com as ondas
levantadas pelo vento.
É assim também Tristão de Athayde,
que cresce em atividade à medida que as dificuldades se avolumam, conseguindo,
hoje em dia, acumular as múltiplas funções de diretor de uma importante
sociedade de fiação, do homem de estudos constantemente a par das últimas
novidades bibliográficas, de crítico e jornalista, de diretor da “Ordem”, de
Presidente do Centro Dom Vital e, atualmente, de líder católico da
Constituinte.
Se sua autoridade de líder provém de seu cargo na
Junta Nacional, ela existiria, no entanto, da mesma forma e com o mesmo
ascendente, independentemente deste cargo, pelo prestígio que tem junto a todos
os representantes católicos do povo brasileiro.
É junto a essa autoridade que se reúnem todos os
representantes católicos, firmemente
dispostos a defender os direitos espirituais do povo brasileiro contra qualquer
investida dos dois imperialismos que ameaçam o Brasil: o de Nova York e o de
Moscou.
Aliás, ambos os imperialismos têm na Constituinte seus
defensores tenazes, dos quais os mais ostensivos e inofensivos são os Srs. Guaracy da Silveira e Zoroastro de Gouveia.
Eleitos ambos graças ao molejo da boîte à surprise (1) que o Governo deu ao
Brasil sob forma de Código Eleitoral, encontram-se atualmente em grande
atividade, para a defesa de suas respectivas crenças ou descrenças.
Nada temos a dizer quanto à atitude do Sr. Zoroastro
de Gouveia. S. Ex.a parece absolutamente resolvido a
constituir eleitorado em São Paulo e procura, para isto, servir aos seus amigos
e eleitores alguns quitutes parlamentares ao sabor de 1789 ou 1918.
Provoca então, intencionalmente, os grandes incidentes
parlamentares, atirando aos seus adversários insultos grosseiros, dominando com
sua voz possante e desalinhada os próprios tímpanos com que a Presidência da
Constituinte procura manter a ordem.
Não há, para S. Ex.a, troca
de apartes que não sirva de pretexto para tais “touradas”, em que procura ferir
grosseiramente, ora através do Sr. Cardoso de Mello, ora através do Sr. Morais
de Andrade, os deputados da Chapa Única.
E, com isto, procura constituir eleitorado... Ainda
bem que, pelo sabor dos pratos, se pode imaginar o valor dos clientes, e pelo
seu modo de propaganda se pode imaginar as “virtudes” do eleitorado que S. Ex.a espera conquistar.
No Sr. Zoroastro, nada disso nos espanta.
O que nos causa, porém, profundo desprazer é a
simpatia com que o Sr. Guaracy da Silveira, que se
presume “Ministro de Deus”, se liga a todos os adversários de qualquer
religião, para tentar com maiores probabilidades de êxito a demolição de nossas
tradições religiosas.
Em todos os países em que o protestantismo ocupa
situação privilegiada, a Igreja Católica se tem sempre recusado a apoiar os
apóstolos do laicismo e da incredulidade, contra a seita dominante.
É bem frisante o caso do famoso Cardeal inglês que,
solicitado a dar seu apoio a um projeto de “desoficialização” da igreja
anglicana, negou-se terminantemente, declarando que preferia que na Inglaterra
se formassem bons anglicanos, a que o laicismo escolar do Estado viesse
produzir gerações inteiras de incréus e de céticos
(2).
O protestantismo, que só tem de invariável a
mutabilidade essencial de suas doutrinas, sempre condicionadas às
circunstâncias no tempo e no espaço, vem defender na América do Sul uma tese
inteiramente oposta.
E como fruto desse absurdo genuinamente protestante,
vemos a coligação monstruosa de um soi-disant (3) sacerdote com ateus socialistas e demolidores
de todos os matizes, para atacar o alvo comum de seus ódios: a Igreja.
É bom que o Brasil assista a esse espetáculo,
instrutivo na tristeza dos aspectos que oferece. É bom que, mais uma vez, essa
coligação impotente e inofensiva venha estraçalhar-se, na derrota final, aos
pés da Igreja Católica. É bom que, mais uma vez, fique bem documentado, ad perpetuam rei memoriam
(4), que nem a coligação de todos os erros, nem a conspiração de todos os
ódios, nem a urdidura de todos os sofismas conseguirá destruir a inabalável
fidelidade do Brasil à verdadeira Igreja de Jesus Cristo.
Nada temamos do rancor impotente da minoria. Do fundo
dos séculos, uma voz se faz ouvir a nossas almas de crentes, majestosa na
serenidade de sua afirmação: ...portae inferi non praevalebunt adversus eam (5).
Notas:
(1)
Caixa de surpresa.
(2)
Cfr. A ciência e o indiferentismo religioso, “O
Legionário”, no 61, 13-7-30.
(3)
Pretenso.
(4)
Para a perpétua lembrança do fato.
(5)
“As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt. 16, 18).