Previsões
“O
Legionário”, N.º 127, 3 de setembro de 1933
A ebulição política verificada a propósito das
diretrizes que adotarão na futura Constituinte as bancadas mineiras, veio pôr
em foco o estado das diversas correntes de opinião na Constituinte. Dizia
Mirabeau que uma assembléia legislativa que interpretasse fielmente o
pensamento do eleitorado deveria ser uma miniatura da nação, em que se
representassem todas as suas correntes de opinião, na proporção exata do número
de seus adeptos.
A próxima Constituinte, fruto de um pleito livre, em
que todos os grupos eleitorais puderam manifestar sem constrangimento as suas
preferências, parece aproximar-se do ideal do famoso demagogo francês.
Ao que parece, a maioria vai ser liberal, daquele
liberalismo convencional, cristalizado em um certo número de axiomas e frases
feitas que - com ou sem vantagem para o País - estão ainda profundamente
embebidos no espírito público.
Mas se alguma coisa impressiona o espectador, é
justamente o contraste entre a força numérica da corrente liberal e a timidez
com que se apresta para defender sua ideologia. Poucos, pouquíssimos até, serão
os liberais ortodoxos, dispostos a sustentar em todas as suas conseqüências os
princípios de 1789. Deles, um grande número se inclinará para o socialismo, que
oferece às suas tendências igualitárias um derivativo cômodo. Outros,
impressionados pela argumentação cerrada que se tem feito ultimamente contra as
teses liberais, farão concessões às correntes da direita, dispostos a pactuar
com algumas reformas moderadas, contanto que continue intacto o tríptico da liberdade, igualdade e fraternidade, diante do
qual o mundo viveu genuflexo desde 1789.
Ao lado desta grande corrente, que chamaríamos
“central”, e que, ao que nos parece, será mais uma massa do que uma corrente,
estão os dois extremos ardorosos e combativos do “espírito revolucionário” e do
“espírito reacionário”.
Por grupo do espírito revolucionário entendemos as
correntes da extrema-esquerda, que terão certamente sua representação ao lado
dos demolidores de todos os matizes, enviados pelas minorias de alguns Estados,
inclusive os dois deputados socialistas eleitos em São Paulo.
Não sabemos ao certo no que consistirá a atuação deste
grupo. Como de costume, procurará perturbar os trabalhos, criar casos e forjar
incidentes, impressionando pelo barulho, uma vez que não pode impressionar pela
força do número ou dos argumentos. Tudo indica que, se a Constituinte levar a
cabo sua tarefa, a influência deste grupo apenas se tornará ponderável se, em algumas
de suas exigências, encontrar a indefectível benevolência dos liberais lato sensu.
O outro grupo, finalmente, será o do espírito
“reacionário”, que assim chamamos para acentuar sua oposição ao famigerado
“espírito revolucionário”. Consta principalmente de elementos eleitos pelo
norte, e que encontram sua expressão mais característica nos monarquistas
integrais, desejosos de opor ao comunismo (que é o espírito de revolução levado
até os seus últimos desdobramentos) o patrianovismo,
isto é, o princípio da autoridade adotado em todos os terrenos.
Onde o Catolicismo? É o que já terá perguntado mais de
um leitor, impaciente pela longa enumeração que fizemos. Fiel ao programa
traçado por Leão XIII, a Liga Eleitoral Católica não se pode reduzir a nenhum
dos grupos enumerados. Apoiando ora os liberais (entendida a palavra com as
restrições impostas pelo espírito católico), ora os “reacionários”, desde que
uns e outros prometam seu apoio aos postulados católicos, a Liga soube manter
aquela linha de superior neutralidade, em matéria temporal, que lhe foi imposta
pela autoridade da própria Igreja.
Com esta sábia tática, ela evitou que os católicos se
desunissem por questões temporais, com prejuízo dos supremos interesses
espirituais de que a Igreja é guardiã. E a futura [Assembléia] mostrará
claramente o imenso triunfo do elemento católico que, acorrendo ao Rio através
das bancadas de todo o Brasil, se reunirá na Constituinte para vitoriar o programa da Liga.
A despeito das perfídias de alguns e da incompreensão
de muitos, a Liga mostrará então, nesse dia, que, se os católicos se
arregimentaram, foi com finalidades exclusivamente apolíticas para, “fora e
acima dos partidos”, realizar o grandioso programa com que entrou em liça no
“momento decisivo” em que tudo parecia conspirar para derribar a Igreja
Católica que, segundo o Sr. Plinio Barreto, ainda é a
única coisa organizada que existe no Brasil.