Era a mim que a Providência reservava a triste
tarefa de dizer, sobre o grande amigo que a terra acaba de acolher em seu seio,
as palavras de homenagem do “Legionário”. Era a mim que incumbiria o doloroso
dever de traçar o elogio póstumo do primeiro presidente da Liga Eleitoral
Católica, que a morte surpreendeu em plena atividade a serviço da
Igreja, como morriam seus maiores “a
serviço de Deus, e d'El Rey
Nosso Senhor”.
Conhecia-o há pouco tempo, mas uma admiração
sincera já me prendia a ele, quando a Providência nos reuniu na luta comum pela
Liga Eleitoral Católica.
Havia já muito tempo que me impressionara a figura,
para mim então desconhecida, de um perfeito cavalheiro que se aproximava
assiduamente da Sagrada Eucaristia, em Santa Cecília.
A elegância sóbria, impecável com que se trajava, a
distinção natural do seu porte e a transparência cristalina do seu olhar, indicavam
nele uma admirável fusão da nobreza da alma com a do sangue, que atraía o
respeito e a simpatia de quantos dele se aproximassem.
Costumava entrar na igreja pela porta da sacristia,
dirigindo-se imediatamente à capela do Santíssimo Sacramento, onde se
mergulhava em profunda oração.
Só uma vez eu o vi interromper sua oração. Descia a
escada da capela uma velha muito achacada, pertencente à ínfima camada social.
A dificuldade com que se movia encheu-o de dó. Levantou-se e ofereceu-lhe o
braço, para auxiliá-la a descer a escada, com a mesma elegância fidalga com que
auxiliaria a uma senhora. Sorriu depois bondosamente e retomou o fio de suas
orações interrompidas.
Chamados por nosso Arcebispo para colaborarmos na
Liga Eleitoral Católica, nosso convívio tornou-se cada vez mais constante,
formando uma amizade sincera e profunda, de que recebi provas tocantes.
Nos nove meses em que lutamos
juntos, cada vez mais crescia em meu afeto e em minha admiração a sua figura de
fidalgo, enquanto me cativava profundamente a beleza de suas virtudes morais. E
hoje, quando já não ouço mais a sua voz de amigo, e não sinto mais o conforto
de seu apoio e de sua amizade, voltando-me cheio de saudades para o tempo em
que lutamos juntos, posso resumir minhas impressões nestas curtas palavras: lutou como um fidalgo, viveu como um santo.
Lutou
como um fidalgo - Chamado a orientar a
atuação eleitoral dos católicos em um período extraordinariamente melindroso da
vida de São Paulo, teve em suas mãos todos os elementos para exercer, sobre
nossa política, uma influência decisiva.
Pode-se mesmo afirmar que esteve em suas mãos o
destino da Chapa Única, que se iria constituir.
Outros, fazendo do Catolicismo um palco para a
exibição de suas vaidades pessoais, teriam aproveitado a circunstância para dar
entrevistas ruidosas, noticiar aos jornais démarches misteriosas,
“despistar” repórteres, intrigar a todo o mundo, fascinando, pelo prestígio do
cargo e importância da atuação, a todos os seus conterrâneos.
Ele, pelo contrário, apagou-se. Sua ação, sempre
criteriosa e prudente, nem um minuto sequer refletiu vaidade de quem se quer
exibir. Trabalhou com afinco. Lutou. Defendeu dedicadamente as reivindicações
dos católicos. Levou a termo sua tarefa espinhosa, dificultada por entraves que
o público não conhece. E quando se aproximou a hora em que as 22 vagas da Chapa
sorriam como recompensa, ele se afastou com desprendimento, voltando para a
sombra e pondo na evidência, que poderia ter cobiçado para si, um dos seus mais
obscuros e mais sinceros amigos, em quem a generosidade de seus sentimentos
depositara sincero afeto e grande confiança.
São Paulo há de registrar, futuramente, esta página
de desprendimento e de abnegação. E a História ainda contará a beleza do
desinteresse de quem soube lutar e vencer como um fidalgo, quem de fidalgo
tinha o sangue e o nome.
Viveu como um santo - Conta-se que, certa vez, São Francisco de Assis convidou um de seus
irmãos de hábito a saírem juntos, a pregar um sermão. Passearam pela cidade e
regressaram ao convento no máximo silêncio. E tendo o irmão perguntado ao Santo
o que fizera do sermão que pretendia pregar, este lhe respondeu: “Nossa passagem pelas ruas da cidade,
a humildade de nosso burel, e o recolhimento de nosso
olhar, são um sermão eloqüente, que convence sem argumentar”.
Assim foi a sua vida. Passou. Mas
em todos os círculos em que vivia, em todas as rodas que freqüentava, sua
austeridade impecável e a coerência inflexível com que ostentava sua Fé faziam
dele um sermão vivo, pregado até nos ambientes os mais refratários a qualquer
influência religiosa.
Freqüentava assiduamente o Automóvel Clube, onde gozava de grande estima. No entanto, ele o
freqüentava com o espírito mortificado de um monge. Contou-me um seu amigo que,
antes de se converter ao Catolicismo, ele tinha verdadeiro horror aos “sapos”
que, aproximando-se das mesas de jogo, perturbavam a serenidade dos jogadores
com seus conselhos ou perguntas importunas.
Mais tarde, quando integrado no espírito da Igreja,
por mortificação, não só ele não repelia os
“sapos”, mas atraía-os e os prendia, pela amabilidade de suas explicações e
pela gentileza com que os recebia...
Parece-me suficiente mencionar este ato de virtude
para ver até que ponto soube praticar as mais belas virtudes cristãs,
fazendo-as florescer, não sob o manto austero de um monge, mas sob o traje
elegante e correto de um gentleman.
Viveu como um santo, porque teve
em alto grau as virtudes fundamentais do espírito católico, e porque seu exemplo
teve a eloqüência suave, mas arrebatadora, que só uma profunda vida interior
sabe dar.
No dia 14 de julho, a eternidade se abriu para sua
bela alma de fidalgo e de santo.
Seu corpo, tragou-o a terra. Sua alma, recolheu-a o
Céu, mas de sua memória uma coisa nos resta: um grande exemplo.