Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Fides Intrepida - II

 

 

 

 

 

“O Legionário”, N° 83, 12 de julho de 1931

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Em janeiro de 1930, escrevi, com este título, no “Legionário”, um longo artigo em que defendia a luminosa política do Santo Padre contra as acusações que os inimigos da Igreja faziam ao tratado de Latrão, que selara a reconciliação entre o Vaticano e o Quirinal.

Punha então em relevo a notável profecia em que São Malaquias indicava para cada Papa uma divisa que haveria de sintetizar e resumir a História da Igreja sob seu pontificado.

Para Pio XI, o dístico é: Fides intrépida. E eu justificava este título, enumerando todos os triunfos que cercavam então a Igreja de um ambiente de vitória. E meu artigo interpretava os sentimentos de todos os congregados (da Congregação Mariana) de Santa Cecília.

Estávamos então no alto do Tabor. De toda a parte subiam aos pés do Santo Padre as manifestações de admiração e alegria pelas assinaladas vitórias da Igreja em todo o orbe terrestre. A solução da questão mexicana, os progressos da Igreja nos países protestantes, o desenvolvimento promissor das missões católicas na Ásia e na África, a crescente invasão da filosofia católica em todos os meios científicos europeus e norte-americanos, cingiam o Santo Padre com um diadema de glórias, entre as quais refulgia, com brilho inconfundível, a reconciliação entre a Igreja e a Itália.

Do Tabor passamos, agora, para o Gólgota. O diadema de glórias transformou-se em coroa de espinhos. Os murmúrios de admiração se converteram em gemidos, e irromperam perseguições em diversas partes da Terra. Quase simultaneamente, surge um conflito com a Lituânia, explode o anticlericalismo comunista da Espanha, reabrem-se novamente as crateras de impiedade do México e a estas torturas vem acrescentar-se, com uma amargura penosíssima, a luta do fascismo contra a Igreja.

Mas os companheiros do Tabor souberam seguir o Santo Padre ao Gólgota. E do mesmo modo por que misturamos nossas vozes às que se elevavam ao Trono de São Pedro para felicitar o Santo Padre, queremos que nosso protesto se erga no meio da confusão atual para hipotecar a Sua Santidade a solidariedade respeitosa e filial de todos os congregados de Santa Cecília.

Mais do que nunca se justifica a divisa atribuída a São Malaquias. Na tortura, nas amarguras, na luta, Pio XI tem sabido manter o baluarte da Fé com uma intrepidez digna dos mártires do Coliseu. Não nos abatem nem nos espantam os acontecimentos que fazem sofrer a Igreja, simultaneamente perseguida em tantos lugares.

Efetivamente, nunca as idéias e as instituições meramente humanas estão tão próximas da decadência do que quando atingem seu apogeu. Nunca se aproxima tanto a fruta do apodrecimento do que quando atinge a plena maturidade. A impiedade está chegando a seu auge. O comunismo, que é a nota mais aguda no concerto de blasfêmias que se tem erguido contra a Igreja desde o século XVI, representa exatamente o paroxismo da incredulidade. E nós, católicos, gememos hoje ao peso da opressão de nossos adversários, que nos lançam à face a exclamação de Breno: “Ai dos vencidos!”. Mas a Igreja, que é imortal porque não é humana, lhes devolve a frase, invertendo-lhe o sentido: “Ai dos vencedores!”.

Na realidade, para todas as coisas que não participam da indestrutível durabilidade da Igreja, o apogeu nada mais é senão uma etapa brilhante no caminho para a morte. Cada vitória de Napoleão representava, para este, um passo que o aproximava de Waterloo. O Waterloo da impiedade está próximo. Deixemos, portanto, passar estes Wagram e estes Austerlitz da descrença. Seu triunfo não há de durar.

Quando é muito longo o trajeto a seguir por um trem, quando são muito escarpadas as montanhas que ele deve subir, quando são muito longas as voltas a que o obriga a ondulação do terreno, os engenheiros escavam um túnel que, embora sujeite os passageiros a alguns minutos de inteira escuridão, lhes encurta, todavia, as fadigas da viagem e lhes poupa longas horas de trajeto.

Julgamos que a fase de dores cada vez mais acentuadas por que o Catolicismo virá a passar são como que o túnel que, embora nos mergulhe por algum tempo nas mais densas trevas, no negrume da mais absoluta dor, abreviará nosso caminho à vitória final, cortando montanhas e transpondo obstáculos que, sem esse túnel de dores, levaríamos muitos decênios - séculos, talvez - a percorrer. Entra a Igreja, e com Ela a civilização ocidental, em um dos túneis da História por que a Divina Providência nos faz passar, para encurtar os padecimentos do Catolicismo. E cada vez, portanto, que sentirmos mais cerrado o ataque, mais terríveis as provações, tenhamos a convicção tranqüilizadora de que estamos progredindo no túnel, e nos aproximamos cada vez mais do momento feliz em que nos acharemos novamente na claridade radiosa de uma civilização plenamente cristã.

A que se cifra, em suma, a luta entre a Igreja e o governo italiano?

O Estado fascista, dotado de um corpo de doutrinas absolutamente novas no campo do direito moderno, atacou o liberalismo político e econômico com uma virulência e uma energia que mereceram elogios calorosos, não somente dos fiéis, como do próprio Clero católico. As agitações socialistas e comunistas, a irreligiosidade, a imoralidade pública foram extintas no seu foco principal. (...)

Não se limitando a esta magnífica série de providências, Mussolini restaurou de certa forma as antigas corporações, tão desejadas e apregoadas pelo imortal Pontífice Leão XIII. E, para coroar este conjunto de tão sábias providências e reformas, realizou ele a aliança com o Vaticano, que veio colocar no ápice da organização social italiana a Igreja Católica, que voltou a informar, com seus santos e eternos princípios, toda a vida de família, as escolas, a instrução e a própria vida pública da Itália.

Contra este estado de coisas, levantou-se um alarido intenso nos arraiais dos incréus e dos agitadores profissionais. Enquanto alguns procuravam ferir o patriotismo italiano, insinuando que Mussolini sacrificara, no Tratado de Latrão, os próprios interesses da Itália, procuravam outros espicaçar o orgulho dos católicos, sustentando que o Santo Padre vendera a Mussolini sua própria independência e liberdade de ação, a troco da soberania territorial do Estado do Vaticano.

Com a luta de hoje, vemos a que ficou reduzida a segunda versão. Quando a hipertrofia cada vez mais intolerável do Estado italiano quis invadir a esfera de ação da Igreja, Mussolini encontrou, a barrar-lhe o caminho, a figura austera e majestosa de Pio XI. Foi sem esforço que Mussolini destruiu o socialismo e todas as doutrinas esquerdistas, que ameaçavam dominar a Itália. E, no entanto, a Igreja Católica, que não dispõe de petroleiros [terroristas] nem de dinamites, lhe faz frente, com uma audácia e uma coragem que a História há de perpetuar, como já perpetuou o feito glorioso do Pontífice que, séculos atrás, com a Cruz na mão, barrou o caminho a Átila, salvando assim a civilização.

Quem estuda lealmente a situação italiana não pode deixar de dar inteira razão ao Papa.

A Igreja tem o direito inalienável de doutrinar a respeito de Fé e de moral, de modo absoluto e soberano. E contra este direito nenhuma pretensão é legítima, nenhum controle se pode erguer. Efetivamente, que seria da doutrina de Deus se sua pregação ficasse sujeita aos caprichos de chefes de Estado, e se sua esfera de ação pudesse ser delimitada pelas intrigas políticas das chancelarias, a serviço de tiranos ou de massas ignaras? Depressa teria sido corrompida a doutrina ensinada por Deus e caído em completo olvido a verdade que Ele revelou. Desta constatação resulta que: 1) a pregação da Fé e da moral pertencem exclusivamente à Igreja; 2) consequentemente, os limites desta pregação só por Ela podem ser traçados.

Não se compreende que o Estado não adote a moral dos cidadãos. Seria, efetivamente, um absurdo imaginar uma multidão de indivíduos moralizados, mas que, coletivamente, agiriam imoralmente. Não se compreende um Estado de população católica que não seja católico. E isto porque é intuitivo que o Estado, que é um conjunto de indivíduos politicamente organizados, não pode ter atributos e caracteres diferentes das parcelas que o compõem.

Vemos, portanto, quanto é descabida a pretensão fascista de impor à mocidade uma educação acatólica, e portanto anticatólica. Exorbita primeiramente da esfera de um governo, imiscuindo-se em assuntos de ordem meramente espiritual. Em segundo lugar, insulta sentimentos profundamente enraigados no coração da catolicíssima Itália.

Dizer que a Igreja faz “política”, como sustenta Mussolini, é uma afirmação dúbia. Se por “política” se deve entender qualquer atividade que diz respeito à vida pública na nação, a Igreja faz política, quando obriga o cidadão a prestar obediência a seu governo, quando obriga cada católico a agir com a máxima honestidade e elevação de sentimentos, quando moraliza as massas e quando combate o crime. E desta política, que tem sido triunfante num longo magistério de vinte séculos, Ela nunca abdicará, por mais forte que seja a pressão dos esbirros do regime fascista.

Mas se por “política” se quer entender um conjunto de atividades que se exercem na vida pública, em uma esfera que escapa à fiscalização da Igreja, por não ter a menor relação com a Fé ou com a moral, afirmo claramente que o governo fascista calunia indignamente o Santo Padre quando afirma que a Igreja se envolve na política italiana.

De fato, qual a razão pela qual o violentíssimo Mussolini não reduz a prisioneiro o Santo Padre? É simplesmente o receio da pressão da opinião católica no mundo inteiro. Ora, Mussolini tem atualmente em suas mãos os arquivos de todas as sociedades católicas; dispõe, no momento, das mais reservadas informações relativas à ação católica. Por que não publica ele os documentos comprometedores de que se diz possuidor? Por que não atende ele a um desafio que, neste sentido, lhe lançou o Santo Padre? Não se diga que é o receio que lhe peia os movimentos. Efetivamente, de nenhuma força moral disporia um Pontífice que fosse colhido em flagrante delito de mentira. A publicação de tais documentos seria um golpe mortal desferido pelo Sr. Mussolini na própria cabeça da Igreja, a Santa Sé. Desmentido, desmoralizado, nada poderia Pio XI contra as violências do fascismo.

No entanto, o mundo civilizado não viu um só documento, não contemplou uma única prova, não recebeu sequer uma satisfação. Por enquanto, o fascismo só lhe forneceu meras afirmações destituídas de qualquer credibilidade. E neste silêncio vemos uma circunstância providencial que inocenta o acusado e acusa o próprio acusador!

Vamos agora ao segundo ponto: a educação da mocidade. O Sr. Mussolini pretende monopolizar a educação da juventude. Quem poderá sustentar a liceidade desta pretensão?

Privar a Igreja do direito de educar os povos é privá-la de sua missão. E sem se contradizer a si própria, não poderia ela concordar com semelhante violação.

Vemos, portanto, que são infundados os golpes que o fascismo pretende desferir contra a Igreja, e que são falazes as afirmações que ele lança ao mundo.

E o que faz a Igreja? Defende-se com mansidão e indulgência. Enérgica e inflexível contra o erro, Ela levou a cordura até os limites que não poderiam ser ultrapassados sem se transformar imediatamente em cumplicidade e fraqueza. E agora, quando um respeito elementar a si própria a levou a campo, não prega Ela a insurreição contra o fascismo, nem pede a restrição dos direitos legítimos do governo italiano. Pede apenas que lhe seja dado o que é seu, e que a seus próprios adversários sejam conservados os poderes legítimos de que podem dispor.

Tomem cuidado, porém, os inimigos da Igreja! Berryer, o imortal defensor de Ney, dizia: “A Igreja não retribui os golpes que recebe; tome cuidado, porém, porque ela é uma bigorna que tem desgastado muitos martelos!


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