Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Os Padres e o casamento

 

 

 

 

 

 

“O Legionário”, N.º 72, 11 de janeiro de 1931

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Entre os inúmeros e eternamente infrutíferos ataques dirigidos à Igreja Católica, os mais violentos, os mais arrebatados e mais declaradamente contrários ao Cristianismo nem sempre são os mais maldosos, nem os mais perniciosos.

Quanto mais o mundo desliza pela rampa terrível da sensualidade e do desregramento total das paixões, quanto mais os homens se libertam das leis santas da moral, para se escravizarem ao jugo pesadíssimo dos vícios, tanto mais fascina o olhar humano, desiludido por tantas desgraças e tantas esperanças desenganadas, o brilho inconfundível da imaculada pureza da Igreja.

Em vão o jato lodoso dos sofismas se tem arremessado contra Ela, em vão têm investido contra sua estrutura o furor cego de todos os ódios criminosos, de todos os caprichos insensatos. Sempre altiva, sempre invencível, a Igreja vai assistindo à morte de todos os adversários que pretendiam matá-la, a Ela!

Como ocultar, então, ao olhar humano, esta luz que aponta aos homens os males em que se debatem, com a mesma nitidez com que o farol aponta ao nauta o escolho em que poderá naufragar? Como privar a humanidade deste último e supremo recurso para sua salvação temporal e espiritual? Verificada a inutilidade do esforço das ondas que se quebram contra a impassibilidade e solidez do farol; verificada a inutilidade dos esforços dos ventos, que se conjuram para extinguir o foco luminoso que sempre continua a brilhar, a neblina, a traiçoeira neblina, aparentemente tão inofensiva, se insinua lentamente na atmosfera, e consegue em silêncio, quase imperceptivelmente, o que nem o embate das ondas encapeladas, nem o furor dos ventos, que gemem por não prostrar a torre, conseguiram: interpõe-se entre o foco e o nauta, ao qual corta quase por completo a possibilidade de se utilizar da luz.

Os efeitos do insulto que não se diz, mas que se insinua, da calúnia que [não] se arremessa ao contendor, mas que se embebe silenciosamente no espírito público de uma tolerância aparente, que é a caricatura da justiça, são como a neblina que vence imperceptível e brandamente onde os elementos revoltados, em luta declarada, fracassaram deploravelmente.

Isto tudo nos veio ao espírito quando vimos, publicado no “Estado de S. Paulo”, um artigo assinado por “Pierre Mille” e intitulado Os Padres e o Casamento.

Tanto para nós quanto para o público em geral, o Sr. Pierre Mille não é conhecido senão através dos artigos que habitualmente publica no “Estado”.

Ao ler seu último artigo, veio-me ao espírito uma questão: quem será o Sr. Mille? Algum moralista pundonoroso que, escandalizado pelos desmandos de alguns sacerdotes, parece advogar a abolição do celibato eclesiástico? Alguma vestal da literatura moderna, a manter com suas mãos puríssimas sempre aceso o fogo sagrado da moralidade pública?

Não, informa-nos cruelmente um pequeno dicionário bibliográfico. Não, trata-se apenas de um autor de diversos romances reputados imorais, sobre cujo valor literário, aliás, o dicionário mantém muitas reservas...

Não quero entrar na discussão dos fatos citados pelo Sr. Mille. Não disponho, para isto, dos elementos necessários, porquanto não tenho fontes seguras junto às quais me informar com absoluta certeza. Alguns sacerdotes franceses aqui residentes disseram-me que conheceram de nome os padres Gratry e Pereyve. Do primeiro, disseram-me que, salvo engano, havia até um processo de beatificação no Vaticano, o que faz supor, é claro, que os fatos apontados pelo Sr. Mille são inexatos. Quanto ao segundo, trata-se de um sacerdote de grande valor intelectual, sobre cuja moralidade os padres com que me informei nada sabiam de mau.

São, no entanto, informações pouco seguras, porque nenhum dos informantes deu-me certeza a respeito do que declarava.

Quanto aos outros dois padres mencionados pelo Sr. Mille, nem de nome os conheceram meus informantes.

Repito, portanto, que não discuto os fatos, não porque os tenha como provados e indiscutíveis, mas sim porque me faltam elementos para uma discussão.

O que critico principalmente no artigo do Sr. Mille é que: 1º) tratando de um assunto como “os padres e o amor”, e reproduzindo um escritor que ele qualifica de respeitoso, só trata dos delitos de amor dos padres, e não faz a menor referência ao número imenso de padres que não cometem semelhante delito e antes, pelo contrário, edificam o mundo com sua virtude; 2º) tratando dos delitos de amor dos padres, fá-lo de tal modo que quase os justifica; 3º) cita a respeito do celibato eclesiástico na América Latina fatos inverídicos, e a respeito do Oriente fatos confusamente relatados que, por isto mesmo, podem originar opiniões desfavoráveis à Igreja.

Nada de mais justo do que a primeira de minhas queixas. Efetivamente, uma pessoa que, ao se referir a um dever de uma classe numerosa como a classe sacerdotal, cita somente as infrações cometidas a esse dever, sem fazer uma única ressalva em abono dos inúmeros indivíduos que o desempenham magistralmente, pratica uma deslealdade.

Que diriam os leitores se, referindo-se alguém ao segredo profissional que os médicos são obrigados a guardar, mencionasse somente os lastimáveis e poucos casos que há de violação do segredo?

Dir-me-iam que era uma deslealdade iníqua.

Pois bem, o mesmo digo eu do Sr. Mille.

Não menos procedente é a segunda queixa. Efetivamente, dos quatro sacerdotes, aquele a quem ele mais justifica foi exatamente quem levou mais longe sua aberração. É o que se casou civilmente, fazendo questão de que constasse do registro civil sua qualidade de sacerdote católico. É o escândalo voluntário, depois do crime; é a prova da inexistência de qualquer remorso, do inteiro naufrágio das virtudes sacerdotais. É o insulto ao sacerdócio que abraçara, a ruptura brutal com o passado santo. É Satanás, depois de Deus.

Os outros, apresentados apenas como vítimas do draconianismo da Igreja, não são colocados na qualidade de infelizes renegados, dignos de compaixão e de desprezo, mas sim de homens de bem que satisfizeram aspirações inocentes.

Vem, por fim, a última de minhas críticas. O Sr. Mille afirma que, na América Latina, é permitido aos padres o casamento. Não hesito em responder categoricamente: É FALSO. Desafio o Sr. Mille a citar com exatidão o decreto de 1900 que autorizou tal situação para os sacerdotes na América Latina, e em que termos está contida tal autorização.

Quanto ao Oriente, o que se deu foi o seguinte: efetivamente, alguns padres de certos ritos orientais, que regressaram à unidade católica reconhecendo todos os pontos da Fé e sujeitando-se à autoridade papal, impuseram a condição de conservar seus ritos, isto é, de celebrar suas cerimônias religiosas com solenidades e ritual diferente, bem como o de se ordenarem depois de casados.

Note-se a restrição: o sacerdote solteiro, uma vez ordenado, não pode mais contrair matrimônio. Mas uma pessoa casada pode ordenar-se depois de ter fundado família. Como nota o próprio Sr. Mille, há aí uma questão de disciplina, em que a Igreja transigiu com alguns orientais para evitar uma ruptura, como transigem todos os bons pais nas questões onde a tolerância justa e não contrária à moral lhes pode conservar o afeto dos filhos. Mas esta autorização não é “para os sacerdotes do Oriente”, em geral, mas só para os sacerdotes de alguns ritos orientais, pouco numerosos, e dos quais só podem fazer parte os que já nasceram na região onde o rito é permitido.

Finalmente, mais uma circunstância: estranho que o “Estado de S. Paulo” - jornal que se mostra tão curioso de assuntos religiosos (...), jornal portanto que não é indiferente ao problema religioso, e que seria de se supor que tivesse pelo Catolicismo um interesse ainda maior que pelo hebraísmo, ao qual tanto se dedica - permita que, através de suas colunas, se procure atestar um fato tão notória e escandalosamente [falso].

Não quero supor que o “Estado” ignore que nossos sacerdotes católicos estão, na América Latina, proibidos de se casar... (...).

Finalmente, uma observação: por que buscar na calúnia e na maldade armas com que combater a Igreja?

É porque não podendo, apoiados na ciência, quebrar este brilhante fulgurantíssimo, que é a Igreja Católica, o bafo quente e destruidor da calúnia tenta, com perversidade, soprar sobre Ela, para lhe empanar o brilho.

Nota: Depois de concluído nosso artigo, soubemos que devem chegar em breve, da França, pedidos por um sacerdote, esclarecimentos relativos aos quatro padres de que falou o Sr. Mille. Segundo tudo indica, de dois deles, “ao menos”, só constam atos de virtude, sendo que oportunamente daremos aos leitores as provas do que afirmamos.


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