Legionário, N.º 803, 28 de dezembro de 1947

Notas e comentários à Encíclica “Mediator Dei

Continuando nossos esforços no sentido de divulgar a Encíclica Mediator Dei, iniciamos hoje a publicação de comentários e notas sobre o texto pontifício.

Além de procurarmos pôr ao alcance dos leitores o pensamento do soberano Pontífice, vazado em elevada linguagem teológica, focalizaremos o nexo existente entre as Encíclicas Mediator Dei e  Mystici Corporis Christi que constituem uma só e importante obra de doutrinação.

1. Texto da Encíclica:

A Igreja, portanto, fiel ao mandato recebido do seu Fundador, continua o ofício sacerdotal de Jesus Cristo sobretudo com a Sagrada Liturgia.

Comentário da redação:

O ofício sacerdotal de Jesus Cristo é continuado sobretudo, portanto não só, pela Sagrada Liturgia.

2. Texto da Encíclica:

Isto, ela o faz em primeiro lugar no altar, onde o Sacrifício da Cruz é perpetuamente representado (5) renovado e com a única diferença no modo de oferecer; depois com os Sacramentos que são instrumentos particulares por meio dos quais os homens participam da vida sobrenatural; enfim com o quotidiano tributo de louvor oferecido a Deus Otimo Maximo.

Comentário da Redação:

Na Liturgia não é só na Missa que a Igreja continua o ofício sacerdotal de Jesus Cristo mas também nos Sacramentos e no Ofício Divino.

3. Texto da Encíclica:

Certamente é de vosso conhecimento Veneráveis irmãos que, nos fins do século passado e no início do presente houve um fervor singular de estudo litúrgico, seja por louvável iniciativa de alguns particulares, seja especialmente pela zelosa e assídua diligência de vários mosteiros da ínclita Ordem Beneditina, de maneira que não somente em muitas regiões da Europa, mas também nas terras do outro lado do oceano, se desenvolveu neste propósito uma elogiável e útil emulação, cujas benéficas conseqüências foram visíveis, seja no campo das disciplinas sagradas, onde os ritos litúrgicos da Igreja Oriental e Ocidental foram mais ampla e profundamente estudados e conhecidos, seja na vida espiritual e privada de muitos cristãos.

As augustas cerimonias do Sacrifício do altar tornaram-se mais conhecidas, compreendidas e estimadas: a participação aos Sacramentos, mais ampla e freqüente, as orações litúrgicas mais suavemente saboreadas e o culto eucarístico considerado - como é verdadeiramente - o centro e a fonte da verdadeira piedade cristã. Foi, ainda, colocado mais claramente em evidência o fato que todos os fiéis constituem um só e muito compacto corpo do qual Cristo é a cabeça, sendo disto conseqüência o dever para o povo cristão de participar segundo as próprias condições nos ritos litúrgicos.

Comentário da Redação:

O Papa mostra que a doutrina do Corpo Místico, que tem um nexo natural com a Sagrada Liturgia, foi estudada pela mesma corrente que promoveu o Movimento Litúrgico. Este vasto e rico conjunto de doutrinas, posto em relevo por esta forma foi sadio de início, e mais tarde começou a ser tratado de modo heterodoxo. Daí o nexo entre a encíclica Mistici Corporis Cristi e a encíclica Mediator Dei, a primeira destinada a combater os erros sobre o Corpo Místico, e a segunda os erros sobre o Liturgismo. Uns e outros erros se fundem assim em uma raiz de heterodoxia comun o que faz deles um sistema heterodoxo homogêneo.

4. Texto da Encíclica:

Vós sem dúvida, sabeis muito bem que esta Sé Apostólica cuidou sempre que o povo a ela confiado fosse educado num verdadeiro e operoso sentido litúrgico e que, com não menos zelo, se tem preocupado com que os sagrados ritos tivessem um esplendor também externo, de uma conveniente dignidade. Nesta mesma ordem de idéias, Nós, falando segundo o costume aos pregadores quaresmais desta nossa nobre Cidade em 1943, os exortamos calorosamente a orientar os seus ouvintes no sentido de participar sempre com maior empenho no Sacrifício Eucarístico; e recentemente fizemos traduzir de novo para o latim, do texto original, os livros dos Salmos a fim de que as orações litúrgicas, das quais constitui ela uma parte tão grande na Igreja Católica, fossem mais exatamente entendidas e sua verdade e suavidade mais facilmente percebidas.

Comentário da Redação:

A razão da tradução, segundo o Papa, é que eles fossem melhor entendidos e compreendidos. Daí se conclui que o principal proveito dos fiéis na recitação do ofício não consiste em nebulosos efeitos trans-psicológicos, mas em um efeito psicológico. A verdadeira formação litúrgica está em entender e saborear o sentido dos salmos.

5. Texto da Encíclica:

Todavia, enquanto pelos salutares frutos que dele derivam, o apostolado litúrgico nos é de não pequena consolação. Nosso dever Nos impõe acompanhar com atenção esta "renovação" na maneira pela qual é ela concebida por alguns, e cuidar diligentemente que as iniciativas não se tornem nem excessivas nem defeituosas.

Comentário da Redação:

Este tópico torna manifesto que os erros nasceram, não de um outro Movimento Litúrgico, mas daquele mesmo que se iniciou tão felizmente na Europa sob os auspícios da Ordem de S. Bento, transpôs os mares, e se estendeu por toda a Igreja do Ocidente. Manifesta outrossim que o Papa julga necessária uma vigilância sobre esse movimento, exercida por toda a parte, de modo a tolher os gravíssimos erros que nele se declararam, ou os prevenir.

6. Texto da Encíclica:

Ora, se de um lado constatamos com pesar que em algumas regiões o senso, o conhecimento e o estudo da Liturgia são por vezes escassos ou quase nulos, por outra parte notamos com muita apreensão que alguns são por demais ávidos de novidades e se afastam do caminho da doutrina sã e da prudência.

Comentário da Redação:

Ao contrário de um boato que insidiosamente se espalhou, o Papa não censura as pessoas que, antes da encíclica, atacaram os erros do Movimento Litúrgico. Ele censura apenas o descaso de alguns povos, ("em certas regiões") a respeito da Sagrada Liturgia. O Papa aponta a razão psicológica desses erros: avidez de novidades, e seus dois efeitos, que são a ruptura com a Doutrina sã e a imprudência no procedimento.

7. Texto da Encíclica:

A razão disto está em que, com a intenção e o desejo de promover uma renovação litúrgica eles sobrepõem muitas vezes princípios que, ou na teoria ou na prática comprometem esta causa santíssima, e muitas vezes também a contaminam com erros que dizem respeito a Fé católica e a doutrina ascética.

Comentário da Redação:

O Papa denuncia a existência de um sistema ("princípios") a que se ligam os erros do Movimento Litúrgico. Cabe aos estudiosos analisar diligentemente a Mystici Corporis Christi e a Mediator Dei para, com os elementos por ela fornecidos definir estes princípios.

O Papa mostra a gravidade destas atitudes que "muitas vezes afetam a Fé Católica e a doutrina ascética". - Os piores inimigos do Movimento Litúrgico são os que o contaminam com esses erros contra a Fé e a Moral. Por outro lado, seus melhores amigos são os que atacam energicamente esses erros, para difundir um bom Movimento Litúrgico.

8. Texto da Encíclica:

A pureza da Fé e da Moral deve ser a norma característica  desta disciplina sagrada, que deve absolutamente se conformar com o sapientíssimo ensinamento da Igreja. É portanto Nosso dever louvar e aprovar tudo o que é bem feito, e conter ou reprovar tudo aquilo que se desvia do verdadeiro e justo caminho.

Comentário da Redação:

Houve, entre nós, quem achasse que atacar os erros do Movimento Litúrgico era pôr em risco o próprio Movimento Litúrgico no que tinha de são. Prudência humana e carnal que os levava a preferir que o Movimento Litúrgico se expandisse contaminado de erros, a que fosse prudentemente refreado.  – O Papa não podia deixar de ver que, divulgando esta encíclica, tornaria pública a existência de erros gravíssimos entre os próprios católicos. Ele julgou que este perigo era menor do que permitir que o Movimento Litúrgico prosseguisse em seus erros. Entre nós, houve quem achasse que era desedificante atacar os erros do Liturgicismo, o que revelava a existência de uma divisão entre os católicos. Suspeita e estranha terapêutica que consistia em deixar livre curso ao erro para que não se percebesse que ele existe. Depois da Mediator Dei não é mais lícito preconizar esta praxe.

9. Texto da Encíclica:

Não julguem, porém, os inertes e os tíbios que têm Nossa aprovação por repreendermos os que erram e pormos freios aos temerários: nem os imprudentes se julguem louvados quando corrigimos os negligentes e os preguiçosos.

Comentário da Redação:

Como no tópico no. 6 o Papa fala em duas posições erradas. A dos inertes e tíbios, que se desinteressam do assunto, e a dos temerários e inovadores. Não há a menor referência àqueles que interessando-se pelo assunto, atacaram os erros do liturgicismo. Importante de se notar, para desfazer insidiosos rumores.

10. Texto da Encíclica:

Embora nesta Nossa Carta Encíclica tratemos especialmente da Liturgia latina não é isto devido a uma menor estima pelas venerandas Liturgias da Igreja Oriental, cujos ritos transmitidos por nobre e antigos documentos Nos são igualmente caríssimos mas é antes conseqüência das condições particulares da Igreja Ocidental, que são tais que reclamam a intervenção de Nossa autoridade.

Comentário da Redação:

Estas palavras do Papa mostram a extrema premência da situação a que chegamos: as condições particulares da Igreja Ocidental RECLAMAM A INTERVENÇÃO DE NOSSA AUTORIDADE. Poderoso incitamento a todos fiéis zelosos a que lutem em favor de um são movimento litúrgico, por meio de um expurgo radical e imediato dos erros que o infestam.

11. Texto da Encíclica:

Ouçam, portanto, todos os cristãos com docilidade, a voz do Pai comum, o qual deseja ardentemente que todos, que Lhe estão intimamente unidos, se aproximem do altar de Deus, professando a mesma Fé, obedecendo às mesmas leis, participando no mesmo sacrifício com um só modo de ver e uma só vontade.

Comentário da Redação:

Confirma-se a anotação acima. Ouvir a palavra do Papa traz para todos, inclusive os leigos, máxime no século da Ação Católica, a absoluta obrigação de a difundir. Lutemos energicamente contra aquilo que o Papa detesta e condena.

12. Texto da Encíclica:

Pede-o a honra devida a Deus; exigem-no as necessidades dos tempos presentes, os fatos depois que uma longa e cruel guerra dividiu os povos com as rivalidades e as desgraças, os homens de boa vontade se esforçam no melhor possível por reconduzir todos à concórdia.

Comentário da Redação:

Mostra o Papa a grande necessidade de unidade entre os fiéis. Esta, porém, só é possível pela unidade na Fé, como diz o Papa. Para conseguir esta unidade o Papa, em vez de fazer silêncio sobre o problema litúrgico, pelo contrário, pôs o dedo na chaga. Dedo de Pai e de Médico, que sabe que não se combatem erupções ignorando-as mas medicando-as. Inestimável consolação para os que combatemos sempre o liturgicismo, e que, nesta atitude, não fomos fautores de discórdia, mas obreiros da unidade.

13. Texto da Encíclica:

Com efeito, o Verbo, feito carne (13), manifesta-se, logo, ao mundo no seu ofício sacerdotal fazendo ao Eterno Pai um ato de submissão que durará durante todo o tempo de sua vida; “entrando no mundo disse: ... Eis, eu venho... para fazer, ó Deus, a tua vontade...” (14) um ato que será levado a termo de maneira admirável no sacrifício cruento da Cruz: “Em virtude desta vontade nós fomos santificados por meio da oblação do Corpo de Jesus Cristo, feita uma vez só para sempre”(15).

Comentário da Redação:

O ofício sacerdotal de Jesus Cristo não consistiu somente na ceia e no Calvário, mas na submissão com que se portou em relação ao Pai em cada um dos atos de sua vida. Como veremos, esta observação servirá de base para que o Sumo Pontífice determine a natureza do sacrifício oferecido pelos fiéis, as qualidades que este sacrifício deve ter, e portanto o próprio modo de participação do fiel na Santa Missa. Note-se desde já a relação entre os sacrifícios da vida cristã e o Sacrifício, ato do culto público.

14. Texto da Encíclica:

Toda a sua atividade entre os homens não tem outro escopo. Criança, é apresentado no Templo do Senhor, adolescente, a ele retorna outra vez; em seguida a ele volta muitas vezes para instruir o povo, e para rezar. Antes de iniciar o ministério público jejua durante quarenta dias, e com o seu conselho e com o seu exemplo exorta a todos a que rezem, seja de dia, seja de noite. Como mestre de verdade “ilumina a todo homem” (16) para que os mortais reconheçam convenientemente o Deus imortal, e não “se subtraiam a este jugo para se perderem mas sejam fiéis para a salvação da alma” (17). Depois como Pastor, Ele governa a sua grei, a conduz às pastagens de vida, e dá uma lei que deve ser observada para que nenhum se afaste dEle, e do reto caminho que Ele traçou, mas todos vivam santamente sobre o seu influxo e ação. Na última Ceia, com rito e aparato solene, celebra a nova Páscoa e providencia a continuação da mesma mediante a instituição divina da Eucaristia.

Comentário da Redação:

O Papa distingue em Jesus Cristo atos como indivíduo e os atos propriamente sacerdotais. Esta distinção não envolve separação, muito ao contrário, há entre eles estreita união. Na piedade do Sumo Sacerdote considerada em seu conjunto, e também na piedade da Igreja, podemos distinguir dois elementos: um é constituído pelos atos propriamente sacerdotais, que continuam a ação de Cristo enquanto Mestre Pastor e Sacrificador; outro é constituído pela piedade dos indivíduos, piedade esta que é estritamente privada e individual. O Papa desenvolverá mais amiúde este conceito, para distinguir entre o sacerdócio propriamente dito e ativo da Hierarquia, e o sacerdócio por analogia e passivo dos leigos, entre a piedade litúrgica propriamente dita dos primeiros, e a piedade dos fiéis que será privada ainda que eles estejam praticando atos da Liturgia.

15. Texto da Encíclica:

No dia seguinte, suspenso entre o céu e a terra, oferece o salutar sacrifício da sua vida, e do seu peito lanceado faz em certo modo brotar os sacramentos que distribuem às almas os tesouros da Redenção. Fazendo isto, Ele tem como único fim a glória do Pai e a sempre maior santificação do homem.

Comentário da Redação:

A santificação do homem se obtém pela união de todas as potências de sua alma a Deus. União da inteligência, da vontade que quer firmemente a Deus e da sensibilidade. Esta união pode ser realizada dentro da ordem puramente natural. Assim, as almas dos que estão no limbo, estão unidas inteiramente a Deus, embora não possuam vida sobrenatural. Para promover esta união moral de modo mais fácil e mais íntimo, Nosso Senhor deu ao homem, com a Redenção, a vida sobrenatural. Mas, diz o Papa, a outorga deste Dom esplêndido, não é um fim em si mesmo. O fim último, para o qual a própria outorga da vida sobrenatural é um meio, vem a ser a união moral com Deus: que o homem ame a Deus de todo o coração, e acima disto mesmo a própria glória de Deus.

16. Texto da Encíclica:

Por isso, a sociedade fundada pelo Divino Redentor não tem outro fim, seja com sua doutrina, e seu governo, seja com o sacrifício e os Sacramentos por Ele instituídos, seja enfim como o ministério, que por ele lhe foi confiado com as suas orações e seu sangue, senão crescer e dilatar-se sempre mais; o que acontece quando Cristo é edificado e dilatado nas almas dos mortais, e quando reciprocamente as almas dos mortais são edificadas e dilatadas em Cristo.

Comentário da Redação:

O Papa confirma a tese acima. De tal maneira é verdade que a glória de Deus e a união moral do homem com Deus são a finalidade de todos os atos de Jesus Cristo e da própria Redenção, que a Igreja, continuadora de Cristo nem sequer tem outro fim que não este. Note-se que para o Papa a fórmula clássica de construir Cristo no fiel, ou o fiel em Cristo, exprime essencialmente a idéia de estabelecer a mais firme e funda união moral entre o fiel e Cristo. Não cabe aqui nada de trans-psicológico, como se diria na terminologia suspeita ou errada de certas filosofias modernas.

17. Texto da Encíclica:

Em toda a ação litúrgica, pois, conjuntamente com a Igreja está presente o seu Divino Fundador: Cristo está presente no augusto Sacrifício do Altar [...] na pessoa do seu ministro, seja principalmente sob as espécies eucarísticas; está presente nos Sacramentos com a virtude que neles transfunde para que sejam instrumentos eficazes de santidade; está presente enfim nos louvores e nas súplicas endereçadas a Deus, como está escrito: “onde se encontram dois ou três em meu nome, aí eu estou no meio desses”.

Comentário da Redação:

Note-se que a presença de Cristo na ação litúrgica se faz “conjuntamente” com a Igreja. Esta expressão encontra seu comentário na Mystici Corporis Christi, na qual o Santo Padre insiste na impossibilidade de pertencer a uma suposta Igreja de Cristo invisível e afirma que é impossível estar unido a Cristo, sem estar com a Igreja visível, que tem o Santo Padre o Papa como chefe supremo.

18. Texto da Encíclica:

A Sagrada Liturgia é portanto o culto público que nosso Redentor presta ao Pai como Cabeça da Igreja, e é o culto que a sociedade dos fiéis presta à sua Cabeça, e, por meio dela, ao Pai Eterno; e para dizer brevemente, o culto integral do Corpo místico de Jesus Cristo, isto é, da Cabeça e dos seus membros.

Comentário da Redação:

Encontramos aqui uma definição oficial de Liturgia que servirá de base daqui por diante para tudo que se escrever sobre o assunto. Confirma-se nesta definição a doutrina tradicional segundo a qual somente as pessoas públicas na Igreja, aquelas especialmente deputadas para tanto, é que podem exercer funções litúrgicas propriamente ditas. Os simples fiéis estão por isso mesmo excluídos de qualquer ação oficialmente litúrgica, ou formalmente litúrgica. Esta doutrina será mais adiante afirmada de maneira incisiva e peremptória.

19. Texto da Encíclica

O culto se organiza e se desenvolve segundo as circunstâncias e as necessidades dos cristãos, se enriquece com novos ritos, cerimônias e formas, sempre com a mesma intenção: “Isto é para que por meio destes sinais sejamos estimulados... se nos torne conhecido o progresso realizado e nos sintamos solicitados a torná-lo maior com maior vigor: o efeito, de fato, é mais digno quanto mais ardente o afeto que o precede”.

Comentário da Redação:

O Papa mostra mais uma vez que a união moral dos fiéis (e não trans-psicológica ou ontológica, como querem alguns) com Deus conjuntamente com a glória do mesmo Deus é o fim essencial da Liturgia.

O Papa desde já fulmina o arcaísmo litúrgico, declarando que os novos ritos não são escórias ou impurezas de uma Igreja decadente, mas verdadeiras riquezas que intensificam o patrimônio espiritual da Igreja.

20. Texto da Encíclica:

Assim a alma mais e melhor se eleva para Deus; assim o sacerdócio de Jesus Cristo está sempre em ato na sucessão dos tempos, não sendo a Liturgia nada mais do que o exercício deste sacerdócio.

Comentário da Redação:

Todo este tópico mostra como o sacerdócio de Jesus Cristo exercido pela Igreja é o sacerdócio hierárquico, que só pode ser exercido pelos ministros sagrados e não pelos simples fiéis.

21. Texto da Encíclica:

Ele a regenera para a vida celeste os nascidos para a vida terrena, os corrobora com o Espirito Santo para a luta contra o inimigo implacável; chama os cristãos em torno dos altares e, com insistentes convites, os exorta a celebrar e tomar parte no Sacrifício Eucarístico, e os nutre com o pão dos Anjos, para que se tornem sempre mais firmes, purifica e consola aqueles que o pecado feriu e manchou.

Comentário da Redação:

A expressão "celebrar" por parte dos fiéis deve entender-se no sentido de comemorar, pois o Papa......[erro de impressão no original] ele a censurável e tão usada expressão concelebrar precisamente.... porque os fiéis estão excluídos do ato  essencial do Santo Sacrifício da Missa que é a consagração.

22. Texto da Encíclica:

Mas o elemento essencial do culto deve ser o interno: é necessário, com efeito, viver sempre em Cristo, dedicar-se a Ele inteiramente, para que nEle e com Ele e por Ele se dê glória ao Pai. A sagrada Liturgia requer que estes dois elementos estejam intimamente ligados; o que ela não se cansa nunca de repetir toda vez que prescreve um ato. Assim, por exemplo, a respeito do jejum nos exorta: "Para que aquilo que a nossa observância professa exteriormente, opere-se de fato no nosso interior". De outra maneira, a religião torna-se um formalismo sem fundamento e sem conteúdo. Vós sabeis, Veneráveis Irmãos, que o Divino Mestre tem como indignos do Templo sagrado e expulsa aqueles que crêem honrar a Deus apenas com o som de bem arquitetadas palavras e com poses teatrais, e estão persuadidos de poderem muito bem prover à sua salvação extrema sem desarraigar da alma os vícios inveterados.

Comentário da Redação:

Se a sagrada liturgia, e de modo geral a vida cristã, tivesse por efeito produzir como alguns querem, uma união transpsicológica e ontológica com Deus seria certo que os sentimentos internos da alma, por isto mesmo que se passam no domínio psicológico, seriam secundários. Retamente executando o rito, e operado assim seu efeito ontológico ou transpsicológico, o fim da Liturgia estaria alcançado, ainda que a união moral e psicológica não se realizasse.

O Papa parte de princípio oposto, e por isto dá importância capital, não à execução do rito, mas à disposição interna.

É contra o formalismo puramente mecânico da Liturgia, contra a idéia de que esta atua exclusivamente "ex opere operatur" e não "ex opere operantis", que o Papa se indigna santamente. A Encíclica "Mediator Dei" é o azorrague que deve expulsar da Igreja esta nova forma de vendilhões e fariseus.

 

23. Texto da Encíclica:

A Igreja, portanto, quer que todos os fiéis se prostrem aos pés do Redentor para professar-Lhe seu amor e sua veneração; quer que as turbas, como as crianças que foram ao encontro de Cristo quando entrava em Jerusalém com aclamações jubilosas, entoem hinos e acompanhem ao Rei dos Reis e ao Autor Supremo de todos os benefícios com o canto de glória e de agradecimento; quer que sobre os seus lábios se encontrem orações ora súplices, ora alegres e gratas, com as quais, como os Apóstolos junto ao lago de Tiberíades, consigam obter o auxílio da sua misericórdia e do seu poder; ou como Pedro no monte Tabor, entreguem a Deus a si mesmos e a todas as suas cousas nos transportes místicos da contemplação.

Comentário da Redação:

De tal maneira as disposições internas são fundamentais para que os fiéis vivam uma vida litúrgica sadia e ortodoxa que, neste tópico em que manifestamente o Papa fala de piedade litúrgica, ele emprega palavras e conceitos inteiramente cabíveis à piedade meramente privada.

24. Texto da Encíclica:

Não têm, pois, uma exata noção da Liturgia sagrada aqueles que a consideram apenas como uma parte exterior e sensível do culto divino ou como um cerimonial decorativo; nem erram menos aqueles que a consideram como uma mera soma de leis e preceitos com os quais a Hierarquia Eclesiástica ordena o cumprimento dos ritos.

Deve, pois, ser bem conhecido de todos que não se pode honrar dignamente a Deus se a alma não se orienta no sentido de conseguir a perfeição da vida e que o culto prestado a Deus pela Igreja, em união com a sua divina Cabeça, tem a máxima eficácia santificadora.

Comentário da Redação:

A linguagem do Papa mostra que estes erros na são apenas hipotéticos e possíveis. mas que concretamente nasceram do aliás providencial Movimento Litúrgico.

Neste tópico o Papa enuncia o erro refutado nas considerações anteriores e o condena. O erro é duplo: 1) que a Liturgia possa dar condigna glória a Deus, pelo simples fato de seu rito ser efetuado de modo excelente, embora não haja esforço de santificação dos ministros e dos fiéis; 2) que a santificação não seja um máximo efeito da Liturgia.

25. Texto da Encíclica:

Esta eficácia, se se trata do Sacrifício Eucarístico e dos Sacramentos, provém antes de tudo do valor do ato em si mesmo (ex opere operato); se depois considerarmos também a atividade própria da Esposa Imaculada de Jesus Cristo, com a qual Ela orna de orações e cerimonias sagradas o Sacrifício Eucarístico e os Sacramentos, ou, se se trata dos Sacramentos e de outros ritos instituídos pela Hierarquia Eclesiástica, então a eficácia deriva mais da ação da Igreja (ex opere operantis Ecclesiae) enquanto Ela é santa e obra sempre em íntima união com a sua Cabeça.

Comentário da Redação:

O Papa confirma aqui a doutrina tradicional da Teologia Católica que em toda ação santificadora distingue várias maneiras de eficácia: 1) a eficácia intrínseca (ex opere operato) que é a eficácia dos Sacramentos e do Sacrifício da Missa, independente da santidade de quem os administra; 2) a eficácia extrínseca à obra em si, mas também independente da santidade do ministro que a exerce. É o "opus operantis Ecclesiae", cuja eficácia santificadora depende da santidade da Igreja, em cujo nome é exercido o rito sagrado pelo seu ministro; 3) a eficácia que provém do mérito da pessoa que exerce a ação santificadora, e depende da santidade de quem realiza o ato.

Não se pense que a eficácia "ex opere operato" não envolva de modo nenhum qualquer elemento de culto interno, ou seja os sentimentos da alma que se endereça a Deus para cultuá-lo. É verdade que o Sacrifício da Missa e os Sacramentos são válidos e eficazes ainda quando celebrados por pessoas indignas. Sua eficácia porém não procede da sua ação litúrgica, como se fosse uma ação mágica; sua eficácia procede dos merecimentos de Jesus Cristo, em cuja pessoa são eles exercidos, e os merecimentos de Jesus Cristo envolvem todo o infinito valor de seu culto interno.

Não se julgue que a Igreja dispensa no ministro que oferece ou administra os Sacramentos os elementos do culto interno, e a própria santificação. É bem verdade que suas ações litúrgicas nestes casos, são válidas, ainda que sejam eles pessoas indignas. Mas a Igreja as declara ilícitas, e os culpa gravemente, quando delas se aproximam indignamente, em estado de pecado mortal, ou sem as condições requeridas pela ação sagrada. Paralelamente se raciocine quanto aos Sacramentais, nos quais a eficácia depende não do Ministro, mas da Igreja.

Aliás, na própria ação sacramental, não se dispensa inteiramente o elemento interno psicológico. Em outras palavras, não basta a ação mecanicamente realizada exteriormente. Pois, a Igreja exige para o valor dos Sacramentos, a intenção por parte do ministro "de fazer o que faz a Igreja".

26. Texto da Encíclica:

A este propósito, Veneráveis Irmãos desejamos que dirijais vossa atenção às novas teorias sobre a "piedade objetiva", as quais esforçando-se em evidenciar o Mistério do Corpo Místico, a realidade efetiva da graça santificante e a ação divina dos Sacramentos e do Sacrifício Eucarístico, desejariam descurar ou atenuar a "piedade subjetiva" ou pessoal.

Comentário da Redação:

Até aqui o Papa falou de dois elementos que constituem a piedade da Igreja, ou seja do Corpo Místico, ambos elementos essenciais:

a) os atos de Jesus Cristo, Cabeça da Igreja, continuados pelos ministros da Liturgia;

b) os atos dos fiéis, e do próprio ministro não enquanto representante de Jesus Cristo mas enquanto indivíduo particular.

O primeiro elemento poderia ser chamado objetivo, e o segundo subjetivo. O erro que o Papa condena consiste em exagerar o elemento objetivo e em menosprezar, ou até deixar de cuidar do elemento subjetivo.

Como o elemento subjetivo é o pessoal, e portanto, o objetivo é o coletivo, este erro consiste em:

1) tornar a piedade preponderantemente coletiva ou litúrgica, com prejuízo da piedade privada ou pessoal;

2) na própria piedade coletiva, menosprezar o elemento da piedade pessoal, que lhe é intrínseco e inseparável.

Trata-se, pois, de uma despersonalização e socialização da piedade, que realizaria na ordem espiritual o que o comunismo realiza na ordem política, econômica e social. Seria a bolchevização da piedade cristã.

Se chegarmos às últimas conseqüências lógicas e mais extremas destes erros, e concebermos a piedade como coisa inteiramente impessoal, teremos chegado ao pan-psiquismo e ao panteísmo.

Daí, como conseqüência, e mera conseqüência, o quietismo na piedade. Se na piedade o indivíduo nada tem que ver, seu papel consiste em se conservar quieto e inativo, enquanto se desenvolvem numa esfera coletiva e impessoal os efeitos "ex opere operato" da Liturgia.

Este tópico, que é dos mais densos, ricos e profundos desta encíclica, denuncia o parentesco entre os erros do Liturgicismo, e as tendências panteístas e socialistas das principais correntes filosóficas de nossos tempos. Este tópico ganhará muito em clareza, se feito um estudo conjunto da Encíclica "Mediator Dei" com a encíclica "Mystici Corporis Christi". Esta última com efeito, quando condena os que sustentam a existência de uma união física entre os fiéis e Jesus Cristo, denuncia a existência de um neo-panteísmo, com véus cristãos, brotado no âmago de estudos feitos sobre a alegoria paulina do Corpo Místico.

27. Texto da Encíclica:

Nas celebrações litúrgicas, e particularmente no augusto Sacrifício do Altar, continua-se sem dúvida a obra de nossa Redenção e dela se aplicam os frutos. Cristo opera a nossa salvação cada dia nos sacramentos e no seu Sacrifício, e, por meio deles continuamente purifica e consagra a Deus o gênero humano. Eles, pois, têm uma virtude objetiva com a qual, de fato, tornam participantes as nossas almas da vida divina de Jesus Cristo. Eles, pois, têm não por nossa, mas por divina virtude a eficácia de unir a piedade dos membros à piedade da Cabeça, e de torná-la, de um certo modo, uma ação de toda a comunidade.

Comentário da Redação:

Mostra o Papa neste tópico no que consiste a verdadeira piedade objetiva, e que, tanto quanto a piedade subjetiva, também ela tem por fim santificar os fiéis. Nesta declaração de piedade objetiva não há nenhum lugar para considerações de caráter transpsicológicas. Aliás esta piedade exige a colaboração da vontade humana ou seja da piedade subjetiva, como o Papa dirá mais adiante.

28. Texto da Encíclica:

Destes argumentos profundos, alguns concluem que toda a piedade cristã deve centralizar-se no mistério do Corpo Místico de Cristo, sem nenhum cuidado pessoal e subjetivo, e por isto consideram que se devam descurar as outras práticas religiosas não estritamente litúrgicas, e realizadas fora do culto público.

Todos, porém, podem convencer-se de que estas conclusões com relação às duas espécies de piedade, bem que os supra enunciados princípios sejam ótimos, são completamente falsas, insidiosas e perniciosíssimas.

Comentário da Redação:

Neste tópico o Papa condena a afirmação de que não se deve ter nenhum cuidado pessoal subjetivo pela própria santificação, ainda mesmo na Liturgia. Outrossim, condena a idéia correlata de que as práticas de piedade privadas, que existem inteiramente para o "cuidado pessoal e subjetivo" não devem ser adotadas pelos fiéis.

Vê-se aí a que raiz doutrinária verdadeiramente pestilencial se liga o tão conhecido menosprezo dos liturgicistas para com a piedade privada, erro este denunciado por um aviso da Câmara Eclesiástica do Rio de Janeiro e também pela Encíclica "Mystici Corporis Christi". Estes erros são classificados pelo Papa de "falsos, insidiosos e perniciosíssimos".

29. Texto da Encíclica:

É verdade que os sacramentos e o Sacrifício do Altar têm uma virtude intrínseca posto que são ações do próprio Cristo que comunica e difunde a graça da Cabeça divina nos membros do Corpo Místico; mas para que tenham eficácia devida eles exigem as boas disposições da nossa alma. Portanto, a propósito da Eucaristia, São Paulo adverte: "Cada um examine a si mesmo e assim coma daquele pão e beba do cálice" (30). Por isso a Igreja define breve e claramente todos os exercícios com os quais nossa alma se purifica, especialmente durante a Quaresma: "os presídios da milícia cristã" (31); são de fato, as ações dos membros que com o auxílio da graça, querem aderir à sua Cabeça para que se torne manifesta – para repetir as palavras de Santo Agostinho – que em nossa Cabeça está a própria fonte da graça (32).

Comentário da Redação:

Este tópico mostra a união íntima e necessária entre a piedade objetiva e a piedade subjetiva, na própria piedade litúrgica. Com efeito, as ações de eficácia “ex opere operato” são do próprio Jesus Cristo, e portanto, só podem ser realizadas pelo sacerdote que o representa. A participação dos fiéis se faz pela colaboração de seu livre arbítrio com a graça. Noção importantíssima para se compreender de que maneira o fiel deve portar-se durante os ofícios litúrgicos. Absolutamente não é essencial que ele pronuncie as mesmas fórmulas que o celebrante, mas é absolutamente essencial que ele aceite as operações de Cristo, o que ele fará mediante a correspondência do livre arbítrio com a graça. Um fiel que se limitasse a pronunciar as mesmas fórmulas que o sacerdote e não cuidasse de dispor sua alma para receber docilmente o influxo da graça que procede da ação santificadoraex opere operato” sairia da igreja como saiu o fariseu do templo: sem nada ter aproveitado de seu ato de piedade.

30. Texto da Encíclica:

Mas deve notar-se que estes membros são vivos, dotados de razão e vontade próprias, portanto é necessário que eles, aproximando os lábios à fonte, tomem e assimilem o alimento vital e removam tudo o que possa impedir-lhes a eficácia. Deve-se pois afirmar que a obra da Redenção, em si independe da nossa vontade, exige o esforço íntimo de nossa alma para que possamos conseguir a salvação eterna.

Comentário da Redação:

Confirma-se a tese acima. É interessante notar o ponto de vista em que o Papa a fundamenta: só se a Igreja não fosse constituída de membros vivos, dotados de razão e vontade próprias, isto é, só se o Panteísmo e o Panpsiquismo fossem verdadeiros, é que se poderia dispensar a colaboração desses membros, no sistema vital do Corpo Místico.

31. Texto da Encíclica:

Se a piedade privada e interna dos indivíduos particulares descurasse o augusto Sacrifício do Altar e os Sacramentos e se subtraísse ao influxo salvífico que emana da Cabeça aos membros, seria, sem dúvida reprovável e estéril; mas quando todas as providências e os exercícios de piedade não estritamente litúrgicos fixam o olhar da alma sobre os atos humanos unicamente para dirigi-los ao Pai que está nos céus, para estimular salutarmente os homens à penitência e ao temor de Deus e, arrancando-os à atração do mundo e dos vícios, conduzi-los com êxito através de árduo caminho ao vértice da santidade, tornam-se então não só sumamente louváveis, mas necessários, porque descobrem os perigos da vida espiritual, estimulando-nos na aquisição das virtudes e aumentam o fervor com o qual devemos dedicar-nos todos ao serviço de Jesus Cristo.

Comentário da Redação:

O Papa mostra que a piedade individual, extra-litúrgica, é absolutamente indispensável para a salvação. Ela constitui um complemento harmonioso e essencial da piedade litúrgica. Daí decorre que um Movimento feito única e exclusivamente para intensificar o conhecimento da Liturgia, descurando a piedade individual na Liturgia e fora dela, seria radicalmente errado. O Movimento Litúrgico que o Papa quer desenvolver abrange o estímulo à piedade privada.

32. Texto da Encíclica:

Uma vez que a piedade cristã devidamente praticada exige sobretudo que a vontade se consagre a Deus e influa sobre as outras faculdades da alma.

Comentário da Redação:

Note-se este princípio que domina toda a Encíclica.

33. Texto da Encíclica:

Mas todo ato de vontade pressupõe o exercício da inteligência, e antes que se conceba o desejo e propósito de se dar a Deus por meio do sacrifício, é absolutamente necessário o conhecimento dos argumentos e dos motivos que impõem a religião, como, por exemplo, o fim último do homem e a grandeza da majestade divina, o dever de submissão ao Criador, os tesouros inexauríveis do amor com o qual Ele nos quis enriquecer, a necessidade da graça para chegar ao fim que nos é proposto de nos dar a Deus porque a divina Providência nos preparou unindo-nos todos como membros de um Corpo, a Jesus Cristo, Cabeça.

Comentário da Redação:

Este tópico demonstra a importância da instrução religiosa com caráter apologético. Condena implicitamente certa tendência anti-apologética que hoje se nota.

34. Texto da Encíclica:

E por isso que nem sempre os motivos de amor impressionam a alma agitada pelas paixões, é muito oportuno que nos impressione também a consideração salutar da justiça divina para nos levar à humildade cristã, à penitência e emenda.

Comentário da Redação:

A “Mystici Corporis Christi” condena aqueles que se opõem às pregações sobre as penas eternas. Pio XII reafirma nesta encíclica a mesma condenação.

35. Texto da Encíclica:

Disto deriva o harmonioso equilíbrio dos membros do Corpo Místico de Jesus Cristo. Com o ensino da fé católica, com a exortação à observância dos preceitos cristãos, a Igreja prepara o caminho para a sua ação propriamente sacerdotal e santificadora; nos dispõe para uma mais íntima contemplação da vida do Divino Redentor e nos conduz a um conhecimento mais profundo dos mistérios da Fé, para deles tirarmos elemento sobrenatural e força para um progresso seguro na vida de perfeição, por meio de Jesus Cristo. Não apenas por obra dos seus ministros, mas também pela dos fiéis individuais embebidos, por este modo, do Espírito de Jesus Cristo, a Igreja se esforça por compenetrar com este mesmo espírito a vida e a atividade privada, conjugal, social e até econômica e política dos homens, a fim de que todos aqueles que se chamam filhos de Deus possam mais facilmente conseguir o seu fim.

Comentário da Redação:

É impossível maior clareza no afirmar a interdependência indestrutível entre a piedade privada e a Sagrada Liturgia.

36. Texto da Encíclica:

Desta maneira, a ação privada e o esforço ascético dirigido para a purificação da alma, estimulam as energias dos fiéis e os dispõem a participar com melhores disposições do augusto Sacrifício do Altar, a receber os Sacramentos com maior fruto e a celebrar os ritos sagrados de maneira a saírem deles mais animados e formados na oração e na abnegação cristã, dispostos a cooperar ativamente com as inspirações e os convites da graça e a imitar cada dia mais as virtudes do Redentor, não apenas para vantagem própria, mas também  para a de todo o corpo da Igreja, no qual todo o bem que se realiza procede da virtude da Cabeça e redunda em benefício dos membros.

Comentário da Redação:

O Papa descreve esta interdependência entre a piedade privada e a Sagrada Liturgia como um fluxo e refluxo salvador: a piedade privada dispõe para a participação mais eficaz nas ações litúrgicas, e estas, graças àquelas disposições,  causam mais abundantes frutos para a edificação da mesma piedade individual.

37. Texto da Encíclica:

Por isso, na vida espiritual, não pode existir nenhuma oposição ou repugnância entre a ação divina, que infunde a graça nas almas para continuar a nossa redenção, e a operosa colaboração do homem, que não deve tornar inútil o dom de Deus (36); entre a eficácia do rito externo dos Sacramentos que procede do valor intrínseco do mesmo (ex opere operato) e o merecimento de quem o administra ou o recebe (ex opere operantis); entre as orações privadas e as preces públicas; entre a ética e a contemplação; entre a vida ascética e a piedade litúrgica; entre o poder de jurisdição e de magistério legítimo, e o poder eminentemente sacerdotal que se exercita no mesmo ministério sagrado.

Comentário da Redação:

O Papa enumera as antíteses falsas e detestáveis criadas pelo Liturgicismo:

a) entre a piedade privada e a Liturgia;

b) entre a graça e o livre arbítrio;

c) entre o rito e as disposições internas;

d) entre a ação “ex opere operato” e a ação “ex opere operantis”;

e) entre a Moral e a contemplação;

f) entre a ascese e a Liturgia;

g) entre o Poder de Jurisdição e Magistério, e o Poder de Ordem.

38. Texto da Encíclica:

Por graves motivos a Igreja prescreve aos ministros do altar e aos religiosos que, em tempos determinados se ocupem de piedosa meditação, diligente exame e emenda de consciência, e outros exercícios espirituais, porque eles são, particularmente, destinados a executar as funções litúrgicas do Sacrifício e do divino louvor.

Comentário da Redação:

O Papa insiste em que na própria celebração dos atos litúrgicos a piedade privada do celebrante tenha um grande papel. Também para os fiéis vale o ensinamento.

39. Texto da Encíclica:

Sem dúvida, a oração litúrgica, sendo uma súplica pública da ínclita Esposa de Jesus Cristo, tem uma dignidade maior do que as orações privadas;  mas essa superioridade não quer dizer que entre estes dois gêneros de oração haja contraste ou oposição. Ambas se fundem entre si e se harmonizam porque são amimadas por um único espírito: “tudo e em todos Cristo” e tendem ao mesmo fim: que Cristo seja formado em nós.

Comentário da Redação:

A tão alegada e tão verdadeira preeminência da Liturgia não justifica o desprezo para com a piedade privada.