Não pertencemos a qualquer corrente política. Não
obstante, podemos afirmar que foi nossa corrente a vencedora do pleito
municipal. Com efeito, o resultado verificado até aqui mostra, à evidência, que
a força mais ponderável do eleitorado paulista é formada pelos enojados, pelos
desinteressados, pelos desgostosos. E é a esta corrente que decididamente,
enfaticamente, o “Legionário” pertence.
A abstenção do eleitorado implica para os
dirigentes da maior parte de nossas correntes políticas em uma amarga lição.
Jamais, em nossos 125 anos de independência e regime representativo, se exerceu
sobre o público maior pressão para que votasse. A propaganda, ou melhor, o
charlatanismo, não poupou dinheiro, nem esforços para levar o eleitor às urnas.
Repórteres, locutores, elefantes de circo, borradores de parede, tudo se
mobilizou para despertar nas massas o desejo de votar. A este convite o
paulista respondeu com a eloqüência dos números. Trinta e cinco por cento dos
nossos eleitores se recusaram a votar. Sua abstenção tem a eloqüência de um
protesto mudo. Um partido que contasse com 35% de nossos eleitores por certo
seria uma potência. Pois esta é a potência dos enojados, dos abstencionistas.
Entre os que votaram, muitos depositaram nas urnas cédulas em branco. São
abstencionistas que levaram seu protesto até às raias da descortesia. Dos que
votaram, muitos o fizeram dizendo que optavam por um mal menor. Ainda eram a
seu modo abstencionistas. Se tudo isto se pudesse somar, não haveria dúvida de
que chegaríamos a mais de 40%. Daí se deduz que a grande afirmação feita pelos
paulistas na última eleição foi esta: basta!
* * *
A imprensa diária parece ter fechado os olhos a
este fato, que sem dúvida impressiona mais do que a vitória deste ou daquele
partido. De certo modo, todos os
partidos foram derrotados, mesmo os que venceram. Esta é a posição em que as
eleições colocaram a massa geral de nossos políticos. O eleitorado manifestou
por sua abstenção uma tendência nascente, imprecisa, mas já muito forte e real,
para algo de novo, de mais impessoal, de substância ideológica mais densa e
rica. É inútil fechar os olhos a este fato. As tendências profundas da opinião
se apresentam por vezes com o vigor imperativo das forças da natureza. Procurar
ignorá-las é marchar para o fracasso. Do que adianta, para quem quer construir
uma torre, não contar com a força contrária dos ventos? Se fecharmos os olhos a
esta tendência nova e já preponderante, ela se manifestará com o tempo cada vez
mais vigorosa, e acabará por vencer de um modo ou de outro. Aí está, diante de
nossos olhos, a experiência da França. Os partidos não tomaram em consideração o sentimento de
repulsa que inspiravam ao eleitorado francês. Aí está o Rassemblement du Peuple Français desforrando a opinião pública do desprezo com
que a trataram os políticos. É possível não perceber que a reação de nosso
eleitorado indica um estado de espírito muito parecido com o dos franceses? É
verdade que não temos um De Gaulle. Isto não quer dizer que o fastio político
de nosso eleitorado seja sem importância. A menor das conseqüências que ele
pode produzir consiste no desinteresse das "elites" em relação à vida
cívica de nossas instituições renascentes. E, mais uma vez, a política
brasileira se transformará no paraíso dos capangas, dos cabos eleitorais, e dos
arrombadores de urnas. Ou, de algum momento para o
outro, algum charlatão impressionará o público, e conseguirá com louros de
papelão fazer um jogo parecido com o de De Gaulle. O fastio, levado ao excesso, pode produzir resultados
mais inesperados.
* * *
E ninguém duvide de que foi realmente a
"elite" do eleitorado que se absteve. O que é um eleitor de
"elite"? É o que tem opinião própria e sã. Que maior demonstração de
uma opinião sã e própria pode fazer um povo do que abrir para si rumos próprios
e novos, sem dar ouvidos a uma propaganda dispendiosa e obsidente? Os que
aplaudiram ao carnaval político do último domingo, e os que o censuraram, quais
os que constituem a opinião sã? É possível duvidar?
Assim, a massa abstencionista não constitui apenas
uma potência pela quantidade, mas pela qualidade. E, mais uma vez, torna-se
claro que desprezar uma tal potência é positivamente caminhar para o absurdo,
para o abismo.
* * *
Dizendo todas estas verdades com a rude franqueza
de nosso desinteresse e independência, não temos de qualquer forma em mente a
intenção de contestar que, entre os múltiplos candidatos à representação
municipal – fazemos inteira abstração neste artigo da competição para a
vice-presidência – houvesse homens dignos de nosso sufrágio. Havia-os,
certamente, em bom número de legendas. Mas isto não concorreu para mitigar consideravelmente o fastio de nosso eleitorado. E a razão
do fato é simples. Se o eleitor pudesse selecionar nomes de todos os partidos,
votaria com contentamento, chegando a compor uma chapa razoável. Mas, com nosso
sistema eleitoral que escraviza o eleitor aos conchavos partidários, e impede
toda a seleção, o resultado é o que se vê: ninguém tem prazer em votar.
Quando o LEGIONÁRIO realizou uma longa campanha
pela reforma do sistema eleitoral, não faltou quem se manifestasse contra nosso
ponto de vista. Pleiteávamos a liberdade, para cada eleitor, de compor sua
chapa como entendesse. Nós católicos teríamos a vantagem de poder escolher
segundo as indicações de nossa consciência, candidatos exclusivamente honestos.
Infelizmente, porém, nossas insistências não foram atendidas. O resultado é o
que se vê: entre os enfastiados, os desgostosos, os enojados, a proporção dos
católicos é colossal. E poderia deixar de ser assim?
* * *
Concluamos estas considerações. Elas se resumem em
uma afirmação muito simples. As eleições mostraram que temos uma elite
pensante, que esta elite não se conforma com o que se passa, e, ou intervirá
dia mais dia menos na política para lhe alterar espetacularmente os rumos, ou
dela se desinteressará. Neste caso, seremos um país desgraçado, porque, faltos
de uma vida cívica autêntica e pujante, seremos obrigados a enfrentar uma das
crises mais difíceis que o mundo tem atravessado.
Para evitar isto, talvez a alteração do sistema
eleitoral desse resultado. Não é provável, porém, que se tente esta alteração.
O político que o desejasse sofreria a perseguição das oligarquias partidárias
muito favorecidas por esta lei. Mas se não houver coragem e patriotismo para
enveredar por este caminho, ninguém pode prever o que sucederá.