Os debates parlamentares
tormentosos, que se verificaram na França a propósito da atitude dos comunistas,
ofereceram um pormenor digno de nota.
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Primeiramente, devemos analisar a atitude do
partido socialista chefiado pelo Sr. Ramadier,
apoiado pelos numerosos deputados do Movimento Republicano Popular. À primeira
vista, esta atitude parecia muito simpática. O duelo oratório entre o Sr. Ramadier e o "camarada" Duclos,
líder da bancada comunista, pareceu demonstrar, a um tempo, o empenho que têm
os comunistas em derrubar o governo, e o empenho do governo em combater os
comunistas. Daí se deduziria que nada é mais nocivo aos comunistas do que a
permanência dos socialistas no poder. E, em conseqüência, o Partido Socialista
começa a parecer capaz de conter a maré montante de desordem e de confusão, que
os comunistas procuram provocar na França. Em outros termos, o governo,
singularmente desprestigiado pelos resultados do pleito municipal, começa a
readquirir algum vigor junto à opinião pública.
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Em situação análoga, fica
colocado o MRP. Com efeito, este Partido foi praticamente abandonado pelos seus
eleitores, que lhe preferiram à corrente do general De Gaulle. A grande razão
disto está em que De Gaulle parecia encarnar a própria resistência
anticomunista, enquanto o MRP se mostrara ingênuo, vacilante, fraco perante o
grande inimigo. Com os recentes debates ocorridos no Parlamento, a situação
parece mudar. O MRP apoiava o gabinete socialista. Esta posição desagradava aos
católicos justamente receosos de uma conivência comuno-socialista.
Vemos agora, de modo inopinado, os socialistas e o MRP lutarem energicamente
contra o comunismo. Quem sabe, então, se a melhor política consiste em apoiar o
Governo?
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A maioria dos franceses é
anticomunista. O pleito municipal o demonstrou à evidência. Isto posto, os
políticos desejosos de conservar o poder devem, antes de tudo, inspirar
confiança à opinião anticomunista. Deste ponto de vista, o Governo ganhou com
os debates parlamentares. Com efeito, sua conduta começou a inspirar um pouco
de confiança. E esse "renouveau" de
confiança provoca inevitavelmente um pequeno "renouveau"
de influência política.
Pode-se medir em toda a sua
extensão a vantagem que o governo obteve com os debates parlamentares de
terça-feira última, analisando a situação sob
outro aspecto. De Gaulle pede a
queda do governo, já que este não tem raízes na opinião pública, segundo
demonstrou o pleito municipal. Em termos estritamente democráticos, seria muito
difícil não atender à reclamação de De Gaulle. Como
justificar que, em uma república, fique no poder um Governo que o povo não
quer? Ora, à vista dos últimos debates, já não se pode afirmar tão claramente
que o povo não quer de modo nenhum a continuação do atual Gabinete. E, assim,
fica menos absurdo, mais viável, recusar a De Gaulle o que ele reclama. Em
outros termos, tudo isto importa em afirmar que o Governo recebeu, pelo fato de
sua atitude anticomunista de terça-feira, uma verdadeira corda de salvação.
Nada poderia suceder que mais prejudicasse De Gaulle e mais favorecesse os seus
inimigos do Centro.
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Claramente focalizado o
problema, verifica-se não só que esta atitude serviu muito ao Governo, mas que
ele não teria outra atitude a tomar, se quisesse sobreviver à derrota das
eleições municipais. Isto é incontestável.
É muito difícil, e por vezes
até impossível, conhecer as intenções dos homens. Tudo isto não obstante, não
deixa de ser verdade que se o Governo não tivesse tido outra intenção ao lutar
contra os comunistas no Parlamento senão prolongar sua própria existência, ele
teria agido precisamente como agiu. A tese pode parecer um pouco nebulosa.
Esclareçamos o nosso pensamento. Se o Governo tivesse combatido o comunismo não
por motivos ideológicos, mas simplesmente pelo intuito de sobreviver ao
fracasso eleitoral do último pleito, teria agido precisamente como agiu. De
outro lado, é fora de dúvida que se o Governo tivesse querido a todo preço
prolongar sua existência, teria combatido o comunismo no Parlamento como
combateu. Nasce, pois, um problema que enunciaríamos na seguinte interrogação:
foi por idealismo, ou foi por instinto de conservação, que o Governo Francês se
voltou tão energicamente contra os comunistas?
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É difícil, repetimos, conhecer as intenções
dos homens. Por isto, é igualmente difícil saber se os socialistas agiram por
uma razão ou pela outra. Tendo isto em consideração, os observadores políticos
devem recorrer às hipóteses, processo clássico para se chegar aproximadamente à
verdade quando não se sente o terreno bastante firme para lançar afirmações
peremptórias.
Das hipóteses, lançaremos mão
também nós. Observemos em primeiro lugar que a situação se apresenta cheia de
antecedentes. Os comunistas e os socialistas têm programas quase idênticos. Por
isso, a Igreja condena o socialismo pelos mesmos motivos doutrinários pelos
quais condena o comunismo. A diferença essencial entre ambas as correntes
consiste em que, enquanto o comunismo visa a chegar a seus fins de modo
imediato, e se necessário pela violência, o socialismo visa a chegar ao mesmo
fim pela brandura e pelos meios graduais. Assim, os socialistas divergem entre
si em uma questão acidental. Com efeito, o que é a escolha dos meios, senão um
problema secundário em comparação com a escolha dos fins? Isto posto,
verifica-se que os socialistas e comunistas estão muito mais próximos entre si
do que qualquer deles está em relação aos partidos não socialistas. É óbvio.
Socialistas e comunistas estão de acordo quanto ao fim visado. Divergem de nós
precisamente quanto a este fim. E a divergência quanto aos fins é sempre mais
grave do que a divergência quanto aos meios.
Num Parlamento em que há partidos que divergem
entre si a respeito dos fins visados, vemos de um momento para outro um fato
estranho: um Partido poderoso rompe com aquele cujos fins deseja e alia-se
àqueles cujo fim não deseja. Não é mais do que curioso?
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Que dinamismo, que
vitalidade, que dedicação se pode esperar da reação de um Partido que luta
contra o comunismo simplesmente porque dele diverge numa questão tática? Muito
pouco, evidentemente.
Por isto mesmo, a atitude do Partido Socialista foi
sempre muito tíbia em matéria de reação anticomunista. Tíbia na política
internacional, a conduta socialista se caracterizou pela idéia fixa de não se
colocar claramente ao lado dos americanos contra os soviéticos. A frieza com
que o governo francês recebeu o auxílio americano contrasta claramente com a
aliança leal e calorosa que De Gaulle oferece aos "yankees". Tudo
isto por quê? Porque a hostilidade dos comunistas contra os socialistas não
chegava a ponto de determinar entre uns e outros, no terreno internacional,
senão uma política de panos quentes.
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O mesmo se diga do ponto de
vista da política interna. Jamais os socialistas se mostraram alarmados com o
perigo comunista dentro da própria França. Não viram, ou não quiseram ver que o
P.C. é uma verdadeira quinta-coluna
a serviço de Moscou. Por seus discursos, sua linguagem, sua conduta,
alimentaram a este respeito as mais perigosas ilusões na opinião pública. Seria
impossível servir melhor os interesses da propaganda comunista do que fizeram
os socialistas. A tal ponto toda a França sentia isto, que nas últimas eleições
repudiou os chefes socialistas, bem como os do MRP, aliados dos socialistas. As
eleições equivalem a um veredictum formal da França de
que o governo resultante da coalizão entre socialistas e membros do MRP não
estava cumprindo seu dever na luta contra o comunismo. Assim, pois, a "anticomunisticidade" do gabinete de coligação, poderia
facilmente parecer ineficaz e frouxa.
De uma hora para a outra,
porém, o quadro se transforma. Os anticomunistas frouxos de ontem passam a ser
paladinos do anticomunismo de hoje. E esta transformação política espantosa se
dá no momento preciso em que ela é útil e até indispensável para a
sobrevivência do governo de coligação.
À vista disto tudo, qualquer
espírito equilibrado e prudente não poderá deixar de sentir as mais fundas
dúvidas quanto ao valor da reação anticomunista tão tardiamente encetada pelos
grupos do chamado "centro" francês.