Verdadeiro
significado da vitória do General De Gaulle – a votação no “cinturão vermelho”
de Paris – O M.R.P. virtualmente
aniquilado
Sem dúvida alguma, o acontecimento de maior
repercussão nesta semana foi a vitória espetacular alcançada pelo general De
Gaulle e pelo Rassemblement du Peuple Français
nas últimas eleições. Como de costume, a França serve na atual
crise mundial, de campo de luta ideológica decisivo para o embate das doutrinas
e tendências de alcance mundial. Assim, o resultado das eleições tem uma
importância que transcende de muito as fronteiras da própria França. Votando a
favor de De Gaulle, o povo francês marcou com seu
pronunciamento um rumo da opinião mundial, e declarou qual é a tendência
ideológica vitoriosa não só na França, mas no mundo inteiro. E com isto se
explica que meras eleições municipais na grande nação européia tenham
constituído implicitamente um acontecimento mundial. Sentiu-o muito bem a
imprensa de todos os países, que deu ao fato o destaque que se costuma atribuir
somente aos acontecimentos de importância verdadeiramente histórica. Todos os
jornais do mundo analisaram detidamente a ocorrência em seus mais variados
aspectos. E, por toda a parte, a paixão com que a opinião pública recebeu o
resultado das eleições francesas bem mostrou o que se poderia chamar a
sensibilidade política do público, mediu toda a importância do tema. No Brasil também os círculos
cultos se associaram vivamente aos acontecimentos franceses. E, assim, a
despeito de ter sido a atenção pública solicitada vivamente para a nossa crise
diplomática com a Rússia pode-se dizer que a gravidade das conseqüências da eleições
francesas foi aqui sentida em toda a sua extensão.
À primeira vista, o que a vitória do general De
Gaulle apresenta de mais marcante é o seu significado profundamente
anticomunista. Seria contudo um erro imaginar que o comunismo perdeu eleitorado
na França. Comparada a votação comunista nas últimas eleições com a atual,
verifica-se facilmente que os contingentes do PC continuam sensivelmente os
mesmos. A despeito de toda a propaganda do Rassemblement du Peuple Français, apesar da manifesta imprudência da política
soviética com a reunião dos chefes comunistas em Varsóvia, apesar da adesão oficial do Partido Comunista Francês às decisões de
Varsóvia, apesar de ter ficado mais claro do que nunca que até neste momento em
que o imperialismo soviético se mostra mais particularmente empreendedor, o PC
não é senão uma quinta coluna nas mãos desse imperialismo, apesar de tudo isto,
a votação do PC francês continua intacta. Em outros termos, isto significa que uma
forte porcentagem do eleitorado francês, alucinada pelo misticismo comunista,
se põe declaradamente ao lado do inimigo. Se houve na França uma derrota do
comunismo, esta não consiste de modo nenhum em um declínio do PC. Outra foi,
pois, a natureza da vitória que os anticomunistas alcançaram.
Com efeito, o que se nota claramente, na França é
que se, de um lado, a porcentagem dos comunistas e dos anticomunistas não se
alterou, do outro lado a atitude dos anticomunistas sofreu uma alteração
profunda. Este o resultado a que a análise das eleições permite chegar.
* * *
Havia na França três correntes anticomunistas
principais. Os socialistas visavam em última análise o programa comunista, por
meios brandos e graduais. Seu eleitorado se compunha em parte de pessoas
realmente desejosas de chegar à socialização total, ou seja ao comunismo, e em
parte de pessoas empenhadas simplesmente em algumas reformas sociais e que por
isto simpatizavam com alguns dos itens do programa imediatamente visado pelos
socialistas. Esta corrente, como é claro, facilmente se deixava infiltrar por
comunistas autênticos. Ela tinha, do ponto de vista da luta contra o comunismo,
toda espécie de defeitos, e entre eles o de divergir do comunismo em pontos tão
acidentais que dificilmente poderia suscitar um entusiasmo anticomunista
eficaz. Ao lado dos socialistas havia a chamada "direita",
constituída de elementos geralmente republicanos, mas nitidamente favoráveis ao
Estado burguês e capitalista. Não faltavam em suas fileiras homens de valor. Mas,
indiscutivelmente, seu prestígio eleitoral era fraco, a tal ponto que
constituía a menor corrente do Parlamento. Por fim, havia o M.R.P. [Movimento
Republicano Popular]. Este era constituído de elementos social e
politicamente heterogêneos, quase todos
católicos, contudo. Seu programa era favorável a reformas sociais. O M.R.P.
preconizava além disto uma política de contemporização com os comunistas. E,
por este segundo motivo, colaborava cordialmente com eles no Parlamento e no
Governo. Numericamente considerados, os dois únicos partidos anticomunistas fortes eram o Socialista e o
Movimento Republicano Popular. Como se acaba de ver, a "anticomunisticidade" dos [anti]comunistas
era muito pouco densa. Os anticomunistas se apresentavam como um conjunto
heterogêneo, tíbio, ingênuo, diante do comunismo organizado, entusiástico,
agressivo e empreendedor. O perigo, era, pois, dos mais consideráveis.
Foi nesta situação, que se levantou o General De
Gaulle, tomando uma atitude muito enérgica contra o comunismo. De Gaulle se
tornou o símbolo da reação inteligente, ágil, eficaz contra o comunismo. As
correntes anticomunistas estavam na contingência de escolher, entre: a) os
respectivos leaders
socialistas ou do M.R.P., com seu
programa de conciliação e cegueira; b) o General De Gaulle, com seu programa de
energia e previdência.
Como vimos, o eleitorado anticomunista deixou, em
massa, de votar nos partidos que prestigiava outrora, e passou a apoiar De
Gaulle. Isto quer dizer em substância que: a) de desunidos que eram, os
anticomunistas acabaram de se unir, formando um bloco coeso e poderoso; b) que
esperam dos dirigentes do novo bloco uma política, não de irresoluções
e incoerências, mas de energia e luta
declarada.
Tão estéril era a atitude anterior, que bastou que
os anticomunistas a abandonassem, para que o comunismo passasse a constituir,
na França, de potência ameaçadora que era, uma simples minoria enxotada e
perseguida. Melhor prova não poderia haver, da ineficácia irremediável dos
meios termos, em matéria de luta contra o comunismo.
* * *
Toda a imprensa acentuou ontem que, dos vários
partidos, nenhum perdeu tanto quanto o M.R.P., que foi degradado para a
categoria de uma corrente de quinta importância na política francesa.
O motivo disto é óbvio. Bidault, e a maior parte dos dirigentes do M.R.P., pertence a uma
tendência que se convencionou chamar de politique de la main tendue. Era uma pequena
oligarquia de escritores e homens de ação, todos eles de prestígio pequeno
antes da guerra, mas que depois apareceram no cenário político, bafejados pela
simpatia do eleitorado católico por motivo das tendências cristãs que
manifestaram. O apoio católico foi em última análise o grande fator da vitória
do M.R.P. Infelizmente, porém, este partido, longe de corresponder às intenções
de seu eleitorado, e guiado unicamente pelas abstrações e quimeras doutrinárias
do Sr. Bidault e de alguns amigos, não reagiu
nitidamente contra o comunismo.
Pelo contrário, procurou inaugurar com este uma
"política de boa vizinhança". Nos primeiros dias que se seguiram à
vitória, ninguém protestou. Poderia ser prudente não agir de outro modo. Mas,
com o curso do tempo, a situação se foi modificando, o ambiente começou a
permitir e até a reclamar atitudes mais desassombradas, e a despeito de tudo o
M.R.P. continuava a praticar a famosa politique de la main tendue.
O grande argumento da sua pequena oligarquia de
mentores era que, se ele se opusesse frontalmente ao comunismo, as massas trabalhadoras o
abandonariam. Este argumento sofreu um desmentido retumbante, já que, no famoso
"cinturão vermelho" de Paris, isto é, os bairros operários da chamada banlieue, se é
verdade que os comunistas não perderam sufrágios, é certo que o General De
Gaulle alcançou votação muitíssimo maior do que a do M.R.P. Em outros termos,
De Gaulle foi, de todos candidatos anticomunistas, o mais votado na banlieue, o que
bem prova que, exceção feita dos comunistas militantes e fanáticos, os
operários franceses desejam uma política enérgica de anticomunismo, e não o
regime de pasmaceira e contemporização de Bidault.
Uma bomba atômica não seria mais decisiva contra a politique de la main tendue, do que o veredictum contrário a esta,
proferido pelas correntes não comunistas da própria massa operária francesa.
O M.R.P., corrente simpática por alguns títulos,
mas profundamente antipática por sua imprevidência, fraqueza, colaboração com
os comunistas, sofreu assim um merecido castigo. As pequenas oligarquias
ideológicas que o apoiavam, não conseguiram arrastar o eleitorado. E hoje em
dia o M.R.P. não passa de um estado maior sem soldados, destinado a voltar à
obscuridade de que, por momentos, saíram seus efêmeros chefes.
Para a politique de la main tendue,
o golpe é terrível. Há certas idéias, tendências, programas, que só vivem no
ambiente da moda. São como certos pratos, que só se podem comer logo depois de
feitos. Frios, de nada valem. Sem o calor da moda, a politique de la main tendue perde toda a sua capacidade de atrair e
interessar. Perde o "sal". E suas incongruências ficam bem à mostra.
Há certas idéias ou certas tendências que só vicejam em ambiente mórbido.
Passado o morbus,
a idéia parece extravagante, ridícula, inaceitável. Deu-se isto com a política
de la main tendue, ou do
guarda chuva, do Sr. Chamberlain. Hoje em dia, quem não o despreza? O mesmo se dará com a politique de la main tendue. Daqui a um ano
ou dois, todo o mundo dirá que jamais foi favorável a esta tendência.