Na hora em que escrevemos, densas nuvens pairam
sobre a Itália. A greve se
generalizou por toda a península. Os efeitos imediatos destes fatos são
lamentáveis. Apenas convalescente dos abalos econômicos profundos decorrentes
da guerra, a Itália sofrerá por tempo indeterminado uma paralisação geral em
sua produção. É fácil compreender o que isso significa. Contudo, a greve é
ainda mais funesta pelo que significa
politicamente do que por seus efeitos econômicos. É evidente compreender que as
massas operárias italianas estão sendo trabalhadas por vasta máquina de
agitação. A extensão e intensidade dos efeitos produzidos demonstra a amplitude
e poder dessa máquina. É fora de dúvida que o posto de comando dessa máquina
está em Moscou. Em outros termos,
Moscou instalou na Itália meios de agitação civil capazes de fazer de um
momento para o outro a península se transformar em uma nova Grécia. Claro está
que esses meios de agitação civil comportam clandestinamente o aparelho usual
dos nazistas e comunistas: tropas de assalto, dinamiteiros,
etc.. Assim, quando Moscou quiser, poderá subverter toda a Itália.
* * *
Isto é bem claro. Menos clara é a seguinte questão:
chegou o momento preestabelecido pela URSS para agir? Ou as greves atuais
poderão ser mera crise passageira, provocada pela URSS para obter algum
resultado político importante?
A pergunta só poderá ser respondida pelos fatos,
ainda insuficientemente claros no momento em que escrevemos.
Não há duvida de que uma revolução comunista na
Itália, feita em grande estilo, provocaria uma guerra mundial. Os Estados
Unidos não tolerariam jamais que a URSS dominasse inteiramente, e sem controle,
a Itália. Assim, pois, a questão se desloca e deve formular-se deste outro
modo: sairá logo uma nova guerra mundial? Será do interesse da URSS lançar-se
agora em novo conflito?
* * *
Considerada as coisas de um modo geral, diríamos
que não. Segundo manda o mais elementar bom senso, abstemo-nos de reflexões
acerca da bomba atômica. Em última análise, ninguém sabe se a URSS a possui ou
não. Há indícios sérios de que Hitler tinha em mãos, se
não a fórmula total do fabrico da bomba, pelo menos estudos muito adiantados
que lhe permitiam esperar um resultado decisivo dentro em breve. Se isto é
verdade, não é impossível que os soviéticos tenham encontrado nos escombros de
Berlim, ou nos arquivos do
interior da Alemanha, esses estudos. Os técnicos nazistas foram por sua vez,
em grande parte "confiscados" e aproveitados pelos comunistas. Tudo
leva a admitir como possível a hipótese de que a Rússia tenha, pois, ou a bomba
atômica, ou engenhos de guerra super-modernos e eficacíssimos. Se acrescentarmos a estas possibilidades
outra não menos tangível - a de que a espionagem soviética no Canadá e nos EE.UU. haja conseguido subtrair no todo, ou em parte, o segredo
da bomba - bem compreenderemos que qualquer conjectura sobre a iminência de uma
guerra mundial, fundada no terreno tão obscuro, será necessariamente falha.
Deixemos de lado, portanto, estas cogitações, e voltemos nossos olhos para
outro campo.
* * *
Quando o ex-capitão
Prestes saiu do cárcere em que merecidamente
se encontrava, pronunciou um discurso, largamente divulgado, em que demonstrava
que a transição do regime capitalista para o comunista não se podia fazer de um
momento para o outro, exigindo que a sociedade passe por uma série de etapas
intermediárias até chegar à plena coletivização da
propriedade. Aplicado o princípio ao Brasil, concluía ele que a implantação
imediata do comunismo é impossível entre nós, sendo missão do PC brasileiro
preparar lentamente esta evolução. Há evidentemente algo de anestesiante,
de intencionalmente anestesiante nesta declaração,
calculada para desarmar a reação e vigilância dos burgueses imediatistas.
Isto não obstante, é fora de dúvida que, se um país determinado pode ser de um
momento para o outro arrastado ao comunismo, isto é mais ou menos inexeqüível
em vários países, com um continente, com o mundo inteiro. Posto nesta escala
vasta, o princípio enunciado pelo ex-capitão é
verdadeiro. O mundo inteiro, considerado em seu conjunto, só pode ser
bolchevizado por meio de uma ação gradual. Assim, a bolchevização
imediata do mundo não pode ser o objetivo atual de Moscou.
* * *
Se o mundo precisa ainda ser preparado para sua
total bolchevização, é também fora de dúvida que ele
precisa de ser preparado para sua total escravização. A maior parte das nações
da terra ainda tem tradições de independência, um sentimento de vitalidade
própria, que tornará a Moscou imensamente difícil ostentar-se como domidadora de todos os povos. Não estamos ainda tão pobres
quanto os povos do Oriente que Roma pôde dominar, ela
só, do modo mais completo. É preciso encaminhar as coisas de tal modo que as
nações vão perdendo gradualmente sua independência, e por fim aceitem mais
facilmente um jugo total. Razão a mais para que afirmemos que Moscou não pode
desejar esta guerra como meio para a realização imediata de seus fins últimos,
ou seja a bolchevização do mundo e a estruturação de
um só super-governo universal.
* * *
Para que nos convençam de que
Moscou deseja uma guerra imediata, será necessário que nos provem, pois,
que esta guerra serve ou pode servir
como meio eficaz, não para a bolchevização do mundo
nem para sua imediata escravização a um governo super-mundial,
mas para implantar um estado de coisas que apresse a consecução de um outro
objetivo. Vista assim, a guerra se deveria conceber não como um salto de leão
visando diretamente a vitória última e total, mas um salto de tigre, visando
encurtar apenas uma etapa do caminho. O objetivo, pois, desta guerra, seria o
arrasamento dos EE. UU., e de todas as outras grandes potências mundiais, e o
estabelecimento de uma "ordem" internacional em que sobrassem países
independentes na aparência, mas dirigidos de modo oficioso pelos sovietes. Qualquer
coisa como a atual "ordem" internacional que reina na zona européia
de ocupação russa. Claro está que, conseguido este objetivo, não seria difícil
chegar ulteriormente à bolchevização total.
* * *
Parece-nos, que se os sovietes
desejassem seguir este itinerário não seriam muito hábeis. E, como são muito
hábeis, concluímos que não é este itinerário que desejam seguir.
Com efeito, impulsionado por forças econômicas
gigantescas e algum tanto misteriosas, o mundo ocidental vai caminhando para
uma prodigiosa concentração de capitais. Cada vez mais, as fortunas se vão
concentrando em poucas mãos. No dia em que todo o patrimônio de um país esteja
concentrado em 200 ou 300 pessoas, esse país estará "maduro" para o
comunismo: será só cortar 200 ou 300 cabeças, para que toda propriedade se
torne coletiva. Esta tarefa é, evidentemente, muito mais fácil, muito menos
sangrenta, do que confiscar os bens de 8 ou 10 milhões de proprietários, matar
300 mil ou 500 mil homens. Em última análise, pois, os trusts, as grandes indústrias,
etc., estão burocratizando e acumulando todas as fontes de riqueza, em proveito
remoto do Estado!
Tudo isto se faz rapidamente, e
discretamente sem oposição. Foi o que disse o ex-capitão
Prestes, no discurso que citamos. Ele saudou o grande capitalismo como
precursor necessário do comunismo, e tinha razão. Porque os sovietes hão de
intervir em um processo que corre tão
bem, tão a seu contento? Não, isto não nos parece provável.
* * *
A este respeito, nos acode uma
observação. Se em lugar de provocar desde logo uma guerra mundial, os sovietes
se abstiverem de conquistar diretamente
o poder na Itália, mas mantiveram ali o regime de guerrilhas intermitentes, ora
no norte, ora no sul, ora no centro, o que sucederá?
Primeiramente, notemos que a situação da França é tal, que
facilmente as guerrilhas se propagarão por lá. Assim, repetir-se-á na França e
na Itália o que se deu há anos na
Espanha. Aparentemente, o
mundo estará em paz. De fato, porém, o rastilho da guerra estará aceso nas duas
grandes repúblicas latinas, desorganizando-lhes a vida cultural, religiosa,
social, política e econômica, impedindo em suma qualquer reconstrução dos
antigos moldes burgueses. Por detrás dos guerrilheiros comunistas e
anticomunistas, de fato lutarão as duas grandes potências - EE.UU. e URSS.
Deixará de haver, pois, no sentido próprio do termo, uma França e uma Itália
independentes, para dar lugar a governos fantoches, comunistas e
anticomunistas, em um e outro país. Com isto, a divisão do mundo em dois
grandes blocos, russo e americano, se tornará muito mais funda. E a URSS também
lucrará, porque a hora da instauração de um super-governo
terá sido antecipada. Com efeito, quanto mais o mundo se dividir em dois
blocos, tanto mais as nações de cada bloco vão ficando escravas dos respectivos
países leaders.
* * *
Por fim, o espectro de guerra,
sempre próximo, obrigará o Estado a chamar a si, em todos os países,
atribuições novas. Será às vezes indispensável, e sempre possível, colocar em
todos os países – inclusive os do bloco americano – uma soma crescente de
poderes em mãos dos órgãos estatais, para-estatais,
etc.. A socialização de toda a vida se tornará muito mais célere. O regime de
guerrilhas terá acelerado muito o curso do próprio mundo anticomunista para o
socialismo do Estado.
* * *
Para medir todas as vantagens deste sistema,
pondere-se que a eminência de uma guerra traria os espíritos em suspenso,
desequilibraria as massas, e daria a tudo um caráter de provisório e de
precário, que desabituaria o homem contemporâneo a sentir-se inteiramente à
vontade nas atuais instituições. À força de considerar tudo como "liquidável" de um momento para o outro, ele se
habituaria a admitir transformações que, impostas a frio, ele relutaria imensamente
em aceitar.
* * *
Pondere-se, por fim que este sistema de guerrilhas
afetaria de um modo ou de outro, as colônias francesas espalhadas por toda a
parte da terra - a França é a segunda potência colonial do globo - e facilmente
perturbaria a vida industrial da Inglaterra, quer pela própria perturbação dos mercados consumidores
de que a Grã-Bretanha dispõe, quer pela natural contaminação das agitações
operarias através da Mancha. Ao cabo de 5 anos de guerrilhas destas, o que não
pode esperar de bom a URSS?
Se, pois, a URSS tiver braços livres para agir
exclusivamente segundo seus interesses, não fará outra coisa senão promover
guerrilhas tais.
Daí se deduz que os Estados Unidos devem, a todo
custo, intervir na Europa, limpando-a de quaisquer fermentos de agitação, por
meio de regimes enérgicos. Na Itália, o ideal teria sido um [regime forte mas
transitório] exercid[o] pelo Rei Humberto. Na França, qualquer coisa igualmente anti-petainista
e anticomunista.
Se uma grande guerra estourar, tudo leva a crer que
os comunistas a tiveram que deflagrar porque não puderam queimar o mundo a fogo
lento, que é o que melhor lhes convinha. Prova bem tangível de que terá chegado
a hora, para os católicos do mundo inteiro, de tentar um esforço tantálico para esmagar em todos os terrenos o comunismo.
O desenrolar dos fatos nos dirá qual o processo que
a URSS escolheu, se o fogo lento, ou do incêndio total, universal e imediato.