Legionário, n.° 788, 14 de setembro de 1947

A  AMEAÇA DAS GUERRILHAS

Na hora em que escrevemos, densas nuvens pairam sobre a Itália. A greve se generalizou por toda a península. Os efeitos imediatos destes fatos são lamentáveis. Apenas convalescente dos abalos econômicos profundos decorrentes da guerra, a Itália sofrerá por tempo indeterminado uma paralisação geral em sua produção. É fácil compreender o que isso significa. Contudo, a greve é ainda mais funesta  pelo que significa politicamente do que por seus efeitos econômicos. É evidente compreender que as massas operárias italianas estão sendo trabalhadas por vasta máquina de agitação. A extensão e intensidade dos efeitos produzidos demonstra a amplitude e poder dessa máquina. É fora de dúvida que o posto de comando dessa máquina está em Moscou. Em outros termos, Moscou instalou na Itália meios de agitação civil capazes de fazer de um momento para o outro a península se transformar em uma nova Grécia. Claro está que esses meios de agitação civil comportam clandestinamente o aparelho usual dos nazistas e comunistas: tropas de assalto, dinamiteiros, etc.. Assim, quando Moscou quiser, poderá subverter toda a Itália.

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Isto é bem claro. Menos clara é a seguinte questão: chegou o momento preestabelecido pela URSS para agir? Ou as greves atuais poderão ser mera crise passageira, provocada pela URSS para obter algum resultado político importante?

A pergunta só poderá ser respondida pelos fatos, ainda insuficientemente claros no momento em que escrevemos.

Não há duvida de que uma revolução comunista na Itália, feita em grande estilo, provocaria uma guerra mundial. Os Estados Unidos não tolerariam jamais que a URSS dominasse inteiramente, e sem controle, a Itália. Assim, pois, a questão se desloca e deve formular-se deste outro modo: sairá logo uma nova guerra mundial? Será do interesse da URSS lançar-se agora em novo conflito?

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Considerada as coisas de um modo geral, diríamos que não. Segundo manda o mais elementar bom senso, abstemo-nos de reflexões acerca da bomba atômica. Em última análise, ninguém sabe se a URSS a possui ou não. Há  indícios sérios de que Hitler tinha em mãos, se não a fórmula total do fabrico da bomba, pelo menos estudos muito adiantados que lhe permitiam esperar um resultado decisivo dentro em breve. Se isto é verdade, não é impossível que os soviéticos tenham encontrado nos escombros de Berlim, ou nos arquivos do interior da Alemanha, esses estudos. Os técnicos nazistas foram por sua vez, em grande parte "confiscados" e aproveitados pelos comunistas. Tudo leva a admitir como possível a hipótese de que a Rússia tenha, pois, ou a bomba atômica, ou engenhos de guerra super-modernos e eficacíssimos. Se acrescentarmos a estas possibilidades outra não menos tangível - a de que a espionagem soviética no Canadá e nos EE.UU. haja conseguido subtrair no todo, ou em parte, o segredo da bomba - bem compreenderemos que qualquer conjectura sobre a iminência de uma guerra mundial, fundada no terreno tão obscuro, será necessariamente falha. Deixemos de lado, portanto, estas cogitações, e voltemos nossos olhos para outro campo.

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Quando o ex-capitão Prestes saiu do cárcere em que merecidamente se encontrava, pronunciou um discurso, largamente divulgado, em que demonstrava que a transição do regime capitalista para o comunista não se podia fazer de um momento para o outro, exigindo que a sociedade passe por uma série de etapas intermediárias até chegar à plena coletivização da propriedade. Aplicado o princípio ao Brasil, concluía ele que a implantação imediata do comunismo é impossível entre nós, sendo missão do PC brasileiro preparar lentamente esta evolução. Há evidentemente algo de anestesiante, de intencionalmente anestesiante nesta declaração, calculada para desarmar a reação e vigilância dos burgueses imediatistas. Isto não obstante, é fora de dúvida que, se um país determinado pode ser de um momento para o outro arrastado ao comunismo, isto é mais ou menos inexeqüível em vários países, com um continente, com o mundo inteiro. Posto nesta escala vasta, o princípio enunciado pelo ex-capitão é verdadeiro. O mundo inteiro, considerado em seu conjunto, só pode ser bolchevizado por meio de uma ação gradual. Assim, a bolchevização imediata do mundo não pode ser o objetivo atual de Moscou.

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Se o mundo precisa ainda ser preparado para sua total bolchevização, é também fora de dúvida que ele precisa de ser preparado para sua total escravização. A maior parte das nações da terra ainda tem tradições de independência, um sentimento de vitalidade própria, que tornará a Moscou imensamente difícil ostentar-se como domidadora de todos os povos. Não estamos ainda tão pobres quanto os povos do Oriente que Roma pôde dominar, ela só, do modo mais completo. É preciso encaminhar as coisas de tal modo que as nações vão perdendo gradualmente sua independência, e por fim aceitem mais facilmente um jugo total. Razão a mais para que afirmemos que Moscou não pode desejar esta guerra como meio para a realização imediata de seus fins últimos, ou seja a bolchevização do mundo e a estruturação de um só super-governo universal.

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Para que nos convençam de que Moscou deseja uma guerra imediata, será necessário que nos provem, pois, que  esta guerra serve ou pode servir como meio eficaz, não para a bolchevização do mundo nem para sua imediata escravização a um governo super-mundial, mas para implantar um estado de coisas que apresse a consecução de um outro objetivo. Vista assim, a guerra se deveria conceber não como um salto de leão visando diretamente a vitória última e total, mas um salto de tigre, visando encurtar apenas uma etapa do caminho. O objetivo, pois, desta guerra, seria o arrasamento dos EE. UU., e de todas as outras grandes potências mundiais, e o estabelecimento de uma "ordem" internacional em que sobrassem países independentes na aparência, mas dirigidos de modo oficioso pelos sovietes. Qualquer coisa como a atual "ordem" internacional que reina na zona européia de ocupação russa. Claro está que, conseguido este objetivo, não seria difícil chegar ulteriormente à bolchevização total.

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Parece-nos, que se os sovietes desejassem seguir este itinerário não seriam muito hábeis. E, como são muito hábeis, concluímos que não é este itinerário que desejam seguir.

Com efeito, impulsionado por forças econômicas gigantescas e algum tanto misteriosas, o mundo ocidental vai caminhando para uma prodigiosa concentração de capitais. Cada vez mais, as fortunas se vão concentrando em poucas mãos. No dia em que todo o patrimônio de um país esteja concentrado em 200 ou 300 pessoas, esse país estará "maduro" para o comunismo: será só cortar 200 ou 300 cabeças, para que toda propriedade se torne coletiva. Esta tarefa é, evidentemente, muito mais fácil, muito menos sangrenta, do que confiscar os bens de 8 ou 10 milhões de proprietários, matar 300 mil ou 500 mil homens. Em última análise, pois, os trusts, as grandes indústrias, etc., estão burocratizando e acumulando todas as fontes de riqueza, em proveito remoto do Estado!

Tudo isto se faz rapidamente, e discretamente sem oposição. Foi o que disse o ex-capitão Prestes, no discurso que citamos. Ele saudou o grande capitalismo como precursor necessário do comunismo, e tinha razão. Porque os sovietes hão de intervir  em um processo que corre tão bem, tão a seu contento? Não, isto não nos parece provável.

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A este respeito, nos acode uma observação. Se em lugar de provocar desde logo uma guerra mundial, os sovietes se  abstiverem de conquistar diretamente o poder na Itália, mas mantiveram ali o regime de guerrilhas intermitentes, ora no norte, ora no sul, ora no centro, o que sucederá?

Primeiramente, notemos que a situação da França é tal, que facilmente as guerrilhas se propagarão por lá. Assim, repetir-se-á na França e na Itália o que se deu há  anos na Espanha. Aparentemente, o mundo estará em paz. De fato, porém, o rastilho da guerra estará aceso nas duas grandes repúblicas latinas, desorganizando-lhes a vida cultural, religiosa, social, política e econômica, impedindo em suma qualquer reconstrução dos antigos moldes burgueses. Por detrás dos guerrilheiros comunistas e anticomunistas, de fato lutarão as duas grandes potências - EE.UU. e URSS. Deixará de haver, pois, no sentido próprio do termo, uma França e uma Itália independentes, para dar lugar a governos fantoches, comunistas e anticomunistas, em um e outro país. Com isto, a divisão do mundo em dois grandes blocos, russo e americano, se tornará muito mais funda. E a URSS também lucrará, porque a hora da instauração de um super-governo terá sido antecipada. Com efeito, quanto mais o mundo se dividir em dois blocos, tanto mais as nações de cada bloco vão ficando escravas dos respectivos países leaders.

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Por fim, o espectro de guerra, sempre próximo, obrigará o Estado a chamar a si, em todos os países, atribuições novas. Será às vezes indispensável, e sempre possível, colocar em todos os países – inclusive os do bloco americano – uma soma crescente de poderes em mãos dos órgãos estatais, para-estatais, etc.. A socialização de toda a vida se tornará muito mais célere. O regime de guerrilhas terá acelerado muito o curso do próprio mundo anticomunista para o socialismo do Estado.

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Para medir todas as vantagens deste sistema, pondere-se que a eminência de uma guerra traria os espíritos em suspenso, desequilibraria as massas, e daria a tudo um caráter de provisório e de precário, que desabituaria o homem contemporâneo a sentir-se inteiramente à vontade nas atuais instituições. À força de considerar tudo como "liquidável" de um momento para o outro, ele se habituaria a admitir transformações que, impostas a frio, ele relutaria imensamente em aceitar.

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Pondere-se, por fim que este sistema de guerrilhas afetaria de um modo ou de outro, as colônias francesas espalhadas por toda a parte da terra - a França é a segunda potência colonial do globo - e facilmente perturbaria a vida industrial da Inglaterra, quer pela própria perturbação dos mercados consumidores de que a Grã-Bretanha dispõe, quer pela natural contaminação das agitações operarias através da Mancha. Ao cabo de 5 anos de guerrilhas destas, o que não pode esperar de bom a URSS?

Se, pois, a URSS tiver braços livres para agir exclusivamente segundo seus interesses, não fará outra coisa senão promover guerrilhas tais.

Daí se deduz que os Estados Unidos devem, a todo custo, intervir na Europa, limpando-a de quaisquer fermentos de agitação, por meio de regimes enérgicos. Na Itália, o ideal teria sido um [regime forte mas transitório] exercid[o] pelo Rei Humberto. Na França, qualquer coisa igualmente anti-petainista e anticomunista.

Se uma grande guerra estourar, tudo leva a crer que os comunistas a tiveram que deflagrar porque não puderam queimar o mundo a fogo lento, que é o que melhor lhes convinha. Prova bem tangível de que terá chegado a hora, para os católicos do mundo inteiro, de tentar um esforço tantálico para esmagar em todos os terrenos o comunismo.

O desenrolar dos fatos nos dirá qual o processo que a URSS escolheu, se o fogo lento, ou do incêndio total, universal e imediato.