Legionário, n.° 778,  6 de julho de 1947

PARIS, CENTRO DA POLÍTICA MUNDIAL

Aos poucos, a Capital francesa vai readquirindo seu prestígio mundial. Se bem que a França esteja em situação política e financeira inferior à dos Estado Unidos, Rússia e Inglaterra, sua interferência nos acontecimentos internacionais se vai tornando cada vez mais sensível. E, ao mesmo tempo, Paris começa a ser novamente o ponto natural de encontro de todos os grandes conclaves internacionais. Evidentemente, deve-se isto em grande parte à beleza da cidade-luz, que a guerra deixou intata, e que proporciona aos diplomatas, nos intervalos das trágicas sessões a que devem comparecer, prazeres requintados e elegantes que em nenhum outro lugar se encontram. Mas, intencionalmente ou não, os estadistas que tão freqüentemente se tem reunido em Paris prestam com isto uma homenagem ao espírito francês, reconhecendo a influência, a importância, a função-rectrix do espírito francês na civilização ocidental e cristã. A realização das grandes reuniões internacionais que devem decidir o destino do mundo deve ser naturalmente na cidade de onde procedem todas as correntes de pensamento, e de gosto, que influenciam a humanidade.

Dois grandes acontecimentos dominaram o noticiário político desta semana, e ambos ocorreram em Paris. A discussão entre os "quatro grandes" sobre o plano Marshall, e a rentrée política sensacional das "direitas", abalaram nos últimos dias Paris, a França e o mundo.

Tendo o senhor Marshall oferecido o apoio econômico dos EE. UU. para o reerguimento da Europa, reuniu-se em Paris a assembléia das grandes potências para estudar o assunto. Tudo pareceu fácil de combinar entre a Inglaterra, a França e os EE. UU. Mas a URSS se mostrou irredutível. E assim, pouco depois de inaugurada, a conferência de Paris se dissolve.

O grande público viu no acontecimento um prenúncio de guerra. O fato de existirem entre as grandes potências tão profundas divergências de opinião e interesses, o fato de que estas divergências se manifestam de modo tão desabrido e impetuoso, tudo enfim indica um estado de tensão internacional que faz pensar em uma próxima conflagração.

A nosso ver, essa conflagração não é apenas provável, mas quase certa. Os fatos internacionais anteriores à reunião de Paris já o indicavam com tanta clareza que sob este ponto de vista o malogro ultimamente verificado na capital francesa pouco importância teve, e não veio senão confirmar uma conjectura que admitíamos como muito provável.

Para nós, o grande valor informativo do que ocorreu em Paris consiste precisamente em mostrar que a guerra não virá logo. A tensão na Europa central continua. Os manejos soviéticos na Grécia se tornam cada vez mais intensos. A agitação social na França e na Inglaterra assume gravidade sempre maior. Tudo diria que nesta atmosfera - segundo a clássica comparação dos noticiários internacionais - uma fagulha bastaria para fazer saltar o paiol. O que o Sr. Molotov acendeu não foi uma fagulha, mas uma labareda, quando recusou o plano Marshall. Entretanto, imediatamente falando, a paz não foi perturbada. Ninguém desensarilhou armas. E, pelo contrário, a França, a Inglaterra e os Estados Unidos se puseram a concertar entre si um vasto plano de economia de paz, como quem está bem persuadido que a guerra não virá hoje, nem amanhã.

O mesmo fez a Rússia. O Sr. Molotov acolheu-se tranqüilamente atrás de sua cortina de aço, e já agora bem certo de que deverá viver sem o apoio americano, trata de organizar a vida econômica do período de paz, contando exclusivamente com os recursos econômicos de sua terra, e dos países por ela ocupados.

Existe, sem dúvida, uma funda linha de trincheiras separando os dois grandes grupos de povos - comunistas e anticomunistas - em que se divide o mundo de hoje. De um e outro lado da trincheira, porém, os combatentes curam suas feridas, restauram sua economia, e reorganizam sua vida.

Esta é a realidade evidente.

Por mais extravagante que pareça, o malogro da conferência de Paris não serviu para precipitar a guerra, mas para explicar ao mundo como se organizará a paz.

Teremos dois grandes grupos de potências, grupos ideológicos de um lado, econômicos do outro. O grupo comunista será economicamente organizado em função da Rússia. Em outros termos, todos os pequenos países do mundo russo funcionarão como apetrechos e complementos da imensa máquina econômica dos sovietes. O grupo anticomunista será economicamente organizado em função dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália, Alemanha branca, América Latina, tudo isto produzirá e consumirá de acordo com os movimentos de sístole e diástole de Wall Street.

Da conferência de Paris, pelo próprio fato da ruptura, acabam de sair como que dois super-Estados, dois Leviatans, coexistindo num mundo só.

Enquanto estes dois super-Estados tiverem sua atenção presa na tarefa de se organizarem a si próprios, e de concretizar sua própria existência, a guerra não será um perigo iminente.

No dia em que esta tarefa preliminar estiver pronta eles lutarão entre si. Será a guerra de 1952 ou 1955. O que será então do mundo?

É esta guerra que ambos os super-Estados estão preparando no mistério de seus laboratórios, enquanto em suas repartições administrativas e financeiras organizam a paz.

E, em última análise, os homens que fabricarem as melhores bombas terão a última palavra.

Ou, melhor, não. A última palavra será de Deus. Qual será esta última palavra de Deus, diante do delírio da humanidade enlouquecida?