Aos poucos, a Capital francesa vai readquirindo seu
prestígio mundial. Se bem que a França esteja em situação
política e financeira inferior à dos Estado Unidos, Rússia e Inglaterra, sua interferência nos acontecimentos internacionais se
vai tornando cada vez mais sensível. E, ao mesmo tempo, Paris começa a ser
novamente o ponto natural de encontro de todos os grandes conclaves
internacionais. Evidentemente, deve-se isto em grande parte à beleza da cidade-luz, que a guerra deixou intata, e que proporciona
aos diplomatas, nos intervalos das trágicas sessões a que devem comparecer,
prazeres requintados e elegantes que em nenhum outro lugar se encontram. Mas,
intencionalmente ou não, os estadistas que tão freqüentemente se tem reunido em
Paris prestam com isto uma homenagem ao espírito francês, reconhecendo a
influência, a importância, a função-rectrix do
espírito francês na civilização ocidental e cristã. A realização das grandes
reuniões internacionais que devem decidir o destino do mundo deve ser
naturalmente na cidade de onde procedem todas as correntes de pensamento, e de
gosto, que influenciam a humanidade.
Dois grandes acontecimentos dominaram o noticiário
político desta semana, e ambos ocorreram em Paris. A discussão entre os
"quatro grandes" sobre o plano Marshall, e a rentrée política sensacional das "direitas",
abalaram nos últimos dias Paris, a França e o mundo.
Tendo o senhor Marshall oferecido o apoio
econômico dos EE. UU. para o reerguimento da Europa,
reuniu-se em Paris a assembléia das grandes potências para estudar o assunto.
Tudo pareceu fácil de combinar entre a Inglaterra, a França e os EE. UU. Mas a
URSS se mostrou irredutível. E assim, pouco depois de inaugurada, a conferência
de Paris se dissolve.
O grande público viu no acontecimento um prenúncio
de guerra. O fato de existirem entre as grandes potências tão profundas
divergências de opinião e interesses, o fato de que estas divergências se
manifestam de modo tão desabrido e impetuoso, tudo enfim indica um estado de
tensão internacional que faz pensar em uma próxima conflagração.
A nosso ver, essa conflagração não é apenas
provável, mas quase certa. Os fatos internacionais anteriores à reunião de
Paris já o indicavam com tanta clareza que sob este ponto de vista o malogro
ultimamente verificado na capital francesa pouco importância teve, e não veio
senão confirmar uma conjectura que admitíamos como muito provável.
Para nós, o grande valor informativo do que ocorreu
em Paris consiste precisamente em mostrar que a guerra não virá logo. A tensão
na Europa central continua. Os manejos soviéticos na Grécia se tornam cada vez
mais intensos. A agitação social na França e na Inglaterra assume gravidade
sempre maior. Tudo diria que nesta atmosfera - segundo a clássica comparação
dos noticiários internacionais - uma fagulha bastaria para fazer saltar o
paiol. O que o Sr. Molotov acendeu não foi uma
fagulha, mas uma labareda, quando recusou o plano Marshall. Entretanto,
imediatamente falando, a paz não foi perturbada. Ninguém desensarilhou armas. E,
pelo contrário, a França, a Inglaterra e os Estados Unidos se puseram a
concertar entre si um vasto plano de economia de paz, como quem está bem
persuadido que a guerra não virá hoje, nem amanhã.
O mesmo fez a Rússia. O Sr. Molotov
acolheu-se tranqüilamente atrás de sua cortina de aço, e já agora bem certo de
que deverá viver sem o apoio americano, trata de organizar a vida econômica do
período de paz, contando exclusivamente com os recursos econômicos de sua
terra, e dos países por ela ocupados.
Existe, sem dúvida, uma funda linha de trincheiras
separando os dois grandes grupos de povos - comunistas e anticomunistas - em
que se divide o mundo de hoje. De um e outro lado da trincheira, porém, os
combatentes curam suas feridas, restauram sua economia, e reorganizam sua vida.
Esta é a realidade evidente.
Por mais extravagante que pareça, o malogro da
conferência de Paris não serviu para precipitar a guerra, mas para explicar ao
mundo como se organizará a paz.
Teremos dois grandes grupos de potências, grupos
ideológicos de um lado, econômicos do outro. O grupo comunista será
economicamente organizado em função da Rússia. Em outros termos, todos os
pequenos países do mundo russo funcionarão como apetrechos e complementos da
imensa máquina econômica dos sovietes. O grupo anticomunista será
economicamente organizado em função dos Estados Unidos, Inglaterra, França,
Itália, Alemanha branca, América Latina, tudo isto produzirá e consumirá de
acordo com os movimentos de sístole e diástole de Wall
Street.
Da conferência de Paris, pelo próprio fato da
ruptura, acabam de sair como que dois super-Estados,
dois Leviatans, coexistindo num mundo só.
Enquanto estes dois super-Estados
tiverem sua atenção presa na tarefa de se organizarem a si próprios, e de
concretizar sua própria existência, a guerra não será um perigo iminente.
No dia em que esta tarefa
preliminar estiver pronta eles lutarão entre si. Será a guerra de 1952 ou 1955.
O que será então do mundo?
É esta guerra que ambos os super-Estados
estão preparando no mistério de seus laboratórios, enquanto em suas repartições
administrativas e financeiras organizam a paz.
E, em última análise, os homens que fabricarem as
melhores bombas terão a última palavra.
Ou, melhor, não. A última palavra será de Deus.
Qual será esta última palavra de Deus, diante do delírio da humanidade
enlouquecida?