Legionário, N.º 762, 16 de março de 1947

A filáucia socialista

Deixando para a "Nota Internacional" o encargo de comentar as conseqüências propriamente diplomáticas do discurso sensacional do Sr. Truman sobre o auxílio norte-americano à Grécia e Turquia, não podemos deixar de registrar, aqui, um aspecto muito curioso do assunto. É o que se relaciona com sua repercussão na política interna da Inglaterra.

De modo geral, a opinião conservadora, habitualmente tão ciosa - e a justo título! - da grandeza britânica, vê com bom senso a intervenção norte-americana nos Balcãs. Acima do anseio de  hegemonia britânica, põem os conservadores lúcidos o desejo de salvar a civilização. Extenuadas pela última guerra, a Grã-Bretanha não pode arcar com a tarefa de garantir a defesa da Grécia, Turquia, Oriente Próximo e Médio contra a Rússia. Em conseqüência disto, ou entrega o campo aos soviéticos, ou aceita o apoio americano. Em qualquer das duas hipóteses, o prestígio inglês naquelas imensas zonas ficará arruinado. Mas é melhor que a herança passe para mãos de civilizados, de cristãos, de filhos como são os americanos em relação aos ingleses; do que às mãos de bárbaros, de pagãos, de inimigos, como são os comunistas. Assim, a interferência americana só pode ser aplaudida pelos conservadores.

Muito diversa é a atitude dos trabalhistas. Como bem disse Churchill na Câmara dos Comuns, eles estão "liquidando o Império" com uma insouciance apavorante. A todo momento, vem dos quatro cantos da Commonwealth notícias alarmantes: o governo trabalhista está cedendo aqui, lá, acolá. Loucos não procederiam de outro modo. Estraçalham o Império como se este fosse, não a carne viva de sua Pátria, mas qualquer carniça de animal podre, próprio apenas a ser retalhado e jogado às feras.

Era, pois, de esperar que os brios patrióticos dos trabalhistas continuassem igualmente inertes com a penetração dos americanos na zona de influência britânica dos Balcãs, e Oriente. É o contrário, porém, que se dá. Aquela gente, pobre de patriotismo, desperta inesperadamente cheia de patriotas. Indignam-se. Como pode a Inglaterra assistir indiferente a que sua influência diminua em favor dos americanos?

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Vista assim de conjunto, a atitude trabalhista se define através de duas características:

a) inércia diante do esfacelamento do Império com a crescente autonomia, ou mesmo a radical separação dos povos da "Commonwealth";

b) extrema susceptibilidade diante do poderio norte-americano.

Esta atitude evidentemente é contraditória. Que importa à Inglaterra - se parece aos trabalhistas que ela tem mesmo de perder suas colônias - que tal se dê em favor dos americanos, ou não? Se o Egito ou a Índia hão de ser independentes, se a influência inglesa tem de desaparecer de lá, que lhe importa que lucre com isto outro grande povo anglo-saxão?

Não só os políticos do Foreign Office deveriam ser indiferentes a isto mas, dentro de certa medida, deveriam até favorecer tal desenrolar de coisas. Se, para  eles, o ocaso da Inglaterra é inelutável, as duas grandes forças hostis do mundo serão unicamente os Estados Unidos ou a União Soviética. Os ingleses terão de viver em um mundo cristão, ou em um mundo pagão. Relegados à condição de potência de segunda classe, terão de se conformar com as condições internacionais estabelecidas pelos "grandes". Assim, portanto, não lhes resta senão escolher entre uma ou outra alternativa.

Isto posto, tudo quanto significa de fortalecimento norte-americano só pode conduzir a que permaneça, no mundo uma atmosfera para a sobrevivência dos princípios e tradições que se identificam com a própria alma inglesa. E assim a Inglaterra deveria pender declarada e fortemente para o lado americano.

Uma Índia, um Egito, uma África do Sul independentes, são forças que, ou deixarão de ser armas contra a URSS, ou serão armas a favor desta. Como no caso de D. João VI, melhor é que a Inglaterra transmita a influência que exerce sobre estas regiões aos Estados Unidos. Do contrario, virá o aventureiro...

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E podemos acrescentar que já veio. Por toda parte, os comunistas estimulam os pruridos autonomistas dos povos pagãos. Na Índia, por exemplo, seus contatos com o elemento revolucionário são íntimos. Sabem muito bem os soviéticos que a Índia não está madura para a independência. A retirada dos ingleses significará, talvez o caos, a guerra civil entre bramanistas e muçulmanos, etc. Magnífico pretexto para uma "intervenção pacificadora" que dê por fim todo o domínio da Índia à URSS.

Este plano comunista, fácil demais para não ser entrevisto pelos elementos perspicazes, não existe só quanto à Índia, nem só quanto ao Império Britânico. No fundo, o que Moscou espera é a desagregação da influência colonial de todo o Ocidente cristão. E, por isto, sem falar na simpatia manifesta da URSS com os nativos que se agitam nos domínios neerlandeses, nem do evidente malogro da influência portuguesa na Ásia se de lá se retirarem outras grandes potências ocidentais, focalizemos o caso francês.

Como todos sabem, a Indochina está em revolta acesa. Em recente sessão do Parlamento francês, os elementos nacionalistas acusaram francamente o governo - no qual a influência comunista é tão grande - de fraqueza e inépcia. Houve aplausos por toda parte. Uma só bancada se manteve em silêncio, indiferente ao assunto por sua inércia aos erros do governo: foi a bancada comunista. Isto mostra eloqüentemente como os comunistas franceses empurram seus representantes no Parlamento ou no Governo para a mesma política de capitulação e vergonha em virtude da qual se vai desagregando o Império Britânico.

E isto, por sua vez, bem prova quanto Moscou lucra com o declínio do poderio colonial do Ocidente.

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Os trabalhistas vêem tudo isto. Vêem e continuam a agir do mesmo modo. O que se pode dizer de um piloto que vê seu barco tomar rumo mau, e cruza os braços? Que ele não quer que o barco siga para rumo mau?

Mas, dir-se-á, na conferência de Moscou, o gabinete trabalhista está tomando atitude anti-soviética. Sim. E se eu fosse comunista, se fosse o agente de ligação entre a URSS e os trabalhistas, eu aconselharia a este que agisse precisamente assim. Com efeito, se em  Moscou os trabalhistas cedessem terreno, não conseguiriam vencer a onda de impopularidade que cresce contra eles na Inglaterra. Cairiam e viriam os conservadores. E com a vinda dos conservadores desapareceria toda a política de capitulações. De onde, tudo bem pesado, se segue que uma atitude débil dos trabalhistas contra a URSS em Moscou... nem a Moscou convém.

Dizemos tudo isto para mostrar até que ponto devem os católicos desconfiar do socialismo. O anticomunismo dos socialistas é um mito. Em todos os terrenos, não tem Moscou colaboradores mais devotados nem mais eficazes do que os leaders socialistas aparentemente anticomunistas.

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A Inglaterra só tem, pois, uma coisa a fazer: é derrubar o gabinete socialista, e chamar Churchill ao poder. Churchill representa a possibilidade da sobrevivência do Império, apesar dos perigos e das incertezas de hoje. Churchill encarna o espírito de resistência a todo o preço, que poderá ainda assegurar para a Inglaterra um futuro próspero  e glorioso, não como potência amesquinhada à sombra de outros maiores, mas como nação de primeiríssima grandeza no universo.