Deixando para a "Nota Internacional" o
encargo de comentar as conseqüências propriamente diplomáticas do discurso sensacional do Sr. Truman sobre o auxílio
norte-americano à Grécia e Turquia, não podemos deixar de registrar, aqui, um aspecto muito curioso do assunto. É o que se
relaciona com sua repercussão na
política interna da Inglaterra.
De modo geral, a opinião conservadora,
habitualmente tão ciosa - e a justo título! - da grandeza britânica, vê com bom
senso a intervenção norte-americana nos Balcãs. Acima do anseio de hegemonia britânica, põem os conservadores
lúcidos o desejo de salvar a civilização. Extenuadas
pela última guerra, a Grã-Bretanha não pode arcar com
a tarefa de garantir a defesa da Grécia, Turquia, Oriente Próximo e Médio
contra a Rússia. Em conseqüência disto, ou entrega o campo aos
soviéticos, ou aceita o apoio americano. Em qualquer das duas hipóteses,
o prestígio inglês naquelas imensas zonas ficará arruinado. Mas é melhor que a
herança passe para mãos de civilizados, de cristãos, de filhos como são os
americanos em relação aos ingleses; do que às mãos de bárbaros, de pagãos, de
inimigos, como são os comunistas. Assim, a interferência americana só pode ser
aplaudida pelos conservadores.
Muito diversa é a atitude dos trabalhistas. Como bem disse
Churchill na Câmara dos Comuns, eles estão "liquidando o Império"
com uma insouciance
apavorante. A todo momento, vem dos quatro cantos da Commonwealth
notícias alarmantes: o governo trabalhista está cedendo aqui, lá, acolá. Loucos
não procederiam de outro modo. Estraçalham
o Império como se este fosse, não a carne viva de sua Pátria, mas qualquer carniça de animal podre,
próprio apenas a ser retalhado e jogado às feras.
Era, pois, de esperar que os brios patrióticos dos
trabalhistas continuassem igualmente inertes com a penetração dos americanos
na zona de influência britânica dos Balcãs, e Oriente. É o contrário, porém, que se
dá. Aquela gente, pobre de patriotismo, desperta inesperadamente cheia de
patriotas. Indignam-se. Como pode a Inglaterra assistir indiferente a que sua
influência diminua em favor dos americanos?
* * *
Vista assim de conjunto, a atitude trabalhista se
define através de duas características:
a) inércia diante do esfacelamento do Império com a
crescente autonomia, ou mesmo a radical separação dos povos da "Commonwealth";
b) extrema susceptibilidade diante do poderio
norte-americano.
Esta atitude
evidentemente é contraditória.
Que importa à Inglaterra - se parece aos trabalhistas que ela tem mesmo de
perder suas colônias - que tal se dê em favor dos americanos, ou não? Se o
Egito ou a Índia hão de ser
independentes, se a influência inglesa tem de desaparecer de lá, que lhe
importa que lucre com isto outro grande povo anglo-saxão?
Não só os políticos do Foreign Office deveriam ser indiferentes a isto
mas, dentro de certa medida, deveriam até favorecer tal desenrolar de coisas.
Se, para eles, o ocaso da Inglaterra é inelutável, as
duas grandes forças hostis do mundo serão unicamente os Estados Unidos ou a União
Soviética. Os ingleses terão
de viver em um mundo cristão, ou em um mundo pagão. Relegados à condição de
potência de segunda classe, terão de se conformar com as condições
internacionais estabelecidas pelos "grandes". Assim, portanto, não lhes resta senão escolher entre uma ou
outra alternativa.
Isto posto, tudo quanto significa de fortalecimento
norte-americano só pode conduzir a que permaneça, no mundo uma atmosfera para a
sobrevivência dos princípios e tradições que se identificam com a própria alma
inglesa. E assim a Inglaterra deveria
pender declarada e fortemente para o lado americano.
Uma Índia, um Egito, uma África do Sul independentes, são
forças que, ou deixarão de ser armas contra a URSS, ou serão armas a favor
desta. Como no caso de D. João VI, melhor é que a Inglaterra transmita a influência que
exerce sobre estas regiões aos Estados Unidos. Do contrario, virá o
aventureiro...
* * *
E podemos acrescentar que já veio. Por toda parte, os comunistas estimulam os
pruridos autonomistas dos povos pagãos. Na Índia, por exemplo, seus contatos com o elemento revolucionário são
íntimos. Sabem muito bem os soviéticos que a Índia não está madura para a
independência. A retirada dos ingleses significará, talvez o caos, a guerra
civil entre bramanistas e muçulmanos, etc. Magnífico
pretexto para uma "intervenção pacificadora" que dê por fim todo o
domínio da Índia à URSS.
Este plano comunista, fácil demais para não ser
entrevisto pelos elementos perspicazes, não existe só quanto à Índia, nem só
quanto ao Império Britânico. No fundo, o
que Moscou espera é a desagregação da influência colonial de todo o Ocidente
cristão. E, por isto, sem falar na simpatia manifesta da URSS com os
nativos que se agitam nos domínios
neerlandeses, nem do evidente malogro da influência portuguesa na Ásia se de lá se retirarem outras
grandes potências ocidentais, focalizemos o
caso francês.
Como todos sabem, a Indochina está em revolta
acesa. Em recente sessão do Parlamento francês, os elementos nacionalistas acusaram francamente o governo - no qual
a influência comunista é tão grande - de
fraqueza e inépcia. Houve aplausos por toda parte. Uma só bancada se manteve em
silêncio, indiferente ao assunto por sua inércia aos erros do governo: foi
a bancada comunista. Isto mostra
eloqüentemente como os comunistas franceses empurram seus representantes no
Parlamento ou no Governo para a mesma política de capitulação e vergonha em
virtude da qual se vai desagregando o Império Britânico.
E isto,
por sua vez, bem prova quanto Moscou
lucra com o declínio do poderio colonial do Ocidente.
* * *
Os trabalhistas vêem tudo isto. Vêem e continuam a
agir do mesmo modo. O que se pode dizer
de um piloto que vê seu barco tomar rumo mau, e cruza os braços? Que ele
não quer que o barco siga para rumo mau?
Mas, dir-se-á, na conferência de Moscou, o gabinete
trabalhista está tomando atitude anti-soviética. Sim.
E se eu fosse comunista, se fosse o agente de ligação entre a URSS e os
trabalhistas, eu aconselharia a este que agisse precisamente assim. Com efeito,
se em
Moscou os trabalhistas cedessem terreno, não conseguiriam vencer a onda
de impopularidade que cresce contra eles na Inglaterra. Cairiam e viriam os
conservadores. E com a vinda dos conservadores desapareceria toda a política de
capitulações. De onde, tudo bem pesado, se segue que uma atitude débil dos
trabalhistas contra a URSS em Moscou... nem a Moscou convém.
Dizemos
tudo isto para mostrar até que ponto devem os católicos desconfiar do
socialismo.
O anticomunismo dos socialistas é um mito. Em todos os terrenos, não tem Moscou colaboradores mais devotados
nem mais eficazes do que os leaders socialistas aparentemente anticomunistas.
* * *
A Inglaterra só tem, pois, uma
coisa a fazer: é derrubar o gabinete socialista, e chamar Churchill
ao poder. Churchill representa a possibilidade da
sobrevivência do Império, apesar dos perigos e das incertezas de hoje. Churchill encarna o
espírito de resistência a todo o preço, que poderá ainda assegurar para a
Inglaterra um futuro próspero e
glorioso, não como potência amesquinhada à sombra de outros maiores, mas como
nação de primeiríssima grandeza no
universo.