Insípido e suspeito, tal é o panorama dos dias em que vamos vivendo. A política nacional está
positivamente trivial e inexpressiva. A única questão ideológica de real
interesse, que há nela, é a do comunismo e do anticomunismo. Estamos
aguardando, para o analisar com serenidade, o resultado das eleições. Mas
certamente não nos antecipamos à realização deste propósito, dizendo desde já
que, quer a poussée
comunista, quer a reação anticomunista estão absolutamente desinteressantes
para quem se aferra à tola e ingênua idéia de ver na política uma arena
destinada por natureza a torneios de doutrina, e não a grotescas competições de
apetites pessoais.
Ora, digamo-lo com franqueza, o que se nota em nossa política, no
momento, é o predomínio do fator
gastronômico. Todos têm apetite e querem achegar-se à mesa. Obterá mais quem
chegar antes. Corre-se pois com açodamento, para o ponto onde estão as
vitualhas. É esta a única significação
da brigaria metida, confusa e deselegante de que se enche o ambiente político:
o deputado X brigou com seu partido: a secretaria do partido Y lançou um
comunicado desabonando o senador Z, estes ou aqueles chefes conferenciaram
entre si antes de conferenciarem com o Sr. Ademar de Barros,
e depois de conferenciarem com ele mais uma vez confabulam entre si. Depois,
brigaram porque cada qual dá uma versão diversa das confabulações. E assim vai
rolando o país.
Enquanto
isto, as questões de algum interesse fervem a fogo lento na indiferença geral. Uma delas, por
exemplo, é o processo movido contra nossa legação na Rússia por motivo dos
danos infligidos pelo Sr. Braz de Pina ao hotelzinho moscovita de subúrbio em que morava. Ninguém
cogita disto. Em compensação, muito se escreve sobre questiúnculas estritamente
pessoais, e sobre as intrigas das mil alas em que se fragmentaram, como em
estilhaços, os partidos políticos.
* * *
O que
causa mais surpresa é a passividade do povo. Os jornais publicam uma ou outra
nota sobre encarecimento da vida. Este encarecimento é manifesto, e cada dia se
acentua mais. Para confusão nossa, outros países, muito mais gravemente
atingidos pelos acontecimentos do que nós, começam a fazer baixar os preços. A
França é um. E nós estamos sempre na alta.
Nesta
questão da alta, o que surpreende é a ausência de explicações. Se as
autoridades não são capazes de resolver o problema, pelo menos expliquem-se
ante o público. Já não dizemos que nos dêem fartura. Declarem, pelo menos, porque não
o podem fazer.
Onde estão as estatísticas? Qual a área plantada da
qual podemos esperar gêneros de primeira necessidade? Como se distribui pelos
vários Estados? Qual o quinhão de cada zona nesta distribuição? Quais as
necessidades objetivas e reais de cada mercado, expressas não em frases ocas
mas em cifras? A produção é inferior às necessidades? Por que? Em quanto? Quais
as providências tomadas para sanar o mal? Existe transporte? Onde é ele
suficiente? Onde falta? O que se faz, ou fez, ou fará para remediar a falta? E
a mão de obra? Por que não estamos recebendo imigrantes como a Argentina? E
nossas exportações, como estão? Quantas rezes temos no momento? Quantas
abatemos para uso interno? O problema do gado vai bem? Quantas exportamos? E a
importação? Recebemos do exterior os gêneros necessários? Em quantidade
suficiente? Existe risco de serem suspenso de um momento para outro estes
suprimentos? E então? Como está a questão dos estoques encalhados em Santos e
outros portos? É verdade que se deixam apodrecer ignominiosamente estes
estoques? Não? Então, porque não desmentir autorizadamente
as notícias veiculadas pela imprensa neste sentido?
Nada disto se sabe. Neste lusco-fusco, os tubarões
têm seu paraíso. Com efeito, a imprensa berra de quando em quando, mas jamais se
tem muita certeza se ela tem razão, porque faltam à opinião pública os
elementos de apreciação necessários. A impunidade dos culpados fica, assim,
largamente garantida. E, para distrair um pouco o povo, existe o espetáculo
divertido da politicagem nacional e local. Dir-se-ia que o Sr. Barreto Pinto se
multiplicou por cissiparidade em mil pequenos sósias que se descompõem e entredevoram para distrair o povo.
Enquanto isto, o Partido Comunista se limita a
proclamações estéreis contra os tubarões. É que ele mantém boas relações com o team tubaronício, e nada tem a perder nesta situação: os
rancores vão subindo, e se algum dia o ar estiver saturado deles, estará
preparada a atmosfera para a grande combustão comunista.