Legionário, N.º 760, 2 de março de 1947

Insípido e suspeito

Insípido e suspeito, tal é o panorama dos dias em que vamos vivendo. A política nacional está positivamente trivial e inexpressiva. A única questão ideológica de real interesse, que há nela, é a do comunismo e do anticomunismo. Estamos aguardando, para o analisar com serenidade, o resultado das eleições. Mas certamente não nos antecipamos à realização deste propósito, dizendo desde já que, quer a poussée comunista, quer a reação anticomunista estão absolutamente desinteressantes para quem se aferra à tola e ingênua idéia de ver na política uma arena destinada por natureza a torneios de doutrina, e não a grotescas competições de apetites pessoais.

Ora, digamo-lo com franqueza, o que se nota em nossa política, no momento, é o predomínio do fator gastronômico. Todos têm apetite e querem achegar-se à mesa. Obterá mais quem chegar antes. Corre-se pois com açodamento, para o ponto onde estão as vitualhas. É esta a única significação da brigaria metida, confusa e deselegante de que se enche o ambiente político: o deputado X brigou com seu partido: a secretaria do partido Y lançou um comunicado desabonando o senador Z, estes ou aqueles chefes conferenciaram entre si antes de conferenciarem com o Sr. Ademar de Barros, e depois de conferenciarem com ele mais uma vez confabulam entre si. Depois, brigaram porque cada qual dá uma versão diversa das confabulações. E assim vai rolando o país.

Enquanto isto, as questões de algum interesse fervem a fogo lento na indiferença geral. Uma delas, por exemplo, é o processo movido contra nossa legação na Rússia por motivo dos danos infligidos pelo Sr. Braz de Pina ao hotelzinho moscovita de subúrbio em que morava. Ninguém cogita disto. Em compensação, muito se escreve sobre questiúnculas estritamente pessoais, e sobre as intrigas das mil alas em que se fragmentaram, como em estilhaços, os partidos políticos.

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O que causa mais surpresa é a passividade do povo. Os jornais publicam uma ou outra nota sobre encarecimento da vida. Este encarecimento é manifesto, e cada dia se acentua mais. Para confusão nossa, outros países, muito mais gravemente atingidos pelos acontecimentos do que nós, começam a fazer baixar os preços. A França é um. E nós estamos sempre na alta.

Nesta questão da alta, o que surpreende é a ausência de explicações. Se as autoridades não são capazes de resolver o problema, pelo menos expliquem-se ante o público. Já não dizemos que nos dêem fartura. Declarem, pelo menos, porque não o podem fazer.

Onde estão as estatísticas? Qual a área plantada da qual podemos esperar gêneros de primeira necessidade? Como se distribui pelos vários Estados? Qual o quinhão de cada zona nesta distribuição? Quais as necessidades objetivas e reais de cada mercado, expressas não em frases ocas mas em cifras? A produção é inferior às necessidades? Por que? Em quanto? Quais as providências tomadas para sanar o mal? Existe transporte? Onde é ele suficiente? Onde falta? O que se faz, ou fez, ou fará para remediar a falta? E a mão de obra? Por que não estamos recebendo imigrantes como a Argentina? E nossas exportações, como estão? Quantas rezes temos no momento? Quantas abatemos para uso interno? O problema do gado vai bem? Quantas exportamos? E a importação? Recebemos do exterior os gêneros necessários? Em quantidade suficiente? Existe risco de serem suspenso de um momento para outro estes suprimentos? E então? Como está a questão dos estoques encalhados em Santos e outros portos? É verdade que se deixam apodrecer ignominiosamente estes estoques? Não? Então, porque não desmentir autorizadamente as notícias veiculadas pela imprensa neste sentido?

Nada disto se sabe. Neste lusco-fusco, os tubarões têm seu paraíso. Com efeito, a imprensa berra de quando em quando, mas jamais se tem muita certeza se ela tem razão, porque faltam à opinião pública os elementos de apreciação necessários. A impunidade dos culpados fica, assim, largamente garantida. E, para distrair um pouco o povo, existe o espetáculo divertido da politicagem nacional e local. Dir-se-ia que o Sr. Barreto Pinto se multiplicou por cissiparidade em mil pequenos sósias que se descompõem e entredevoram para distrair o povo.

Enquanto isto, o Partido Comunista se limita a proclamações estéreis contra os tubarões. É que ele mantém boas relações com o team  tubaronício, e nada tem a perder nesta situação: os rancores vão subindo, e se algum dia o ar estiver saturado deles, estará preparada a atmosfera para a grande combustão comunista.