Legionário, Nº 722, 9 de junho de 1946

As Eleições

As recentes eleições na Itália e na França interessam à Igreja de um duplo ponto de vista: interno e externo.

Do ponto de vista interno de cada um daqueles países, serviram para auferir a influência do pensamento católico nas respectivas populações. Tanto a França quanto a Itália passaram, nos últimos anos, por acontecimentos tormentosos, de que teria de resultar por força uma profunda modificação de rumos ideológicos. Operada esta modificação, em que posição ficaria a Igreja, naqueles países? Enquanto todos os vestígios do passado parecem tender a um completo desaparecimento, a Igreja conservaria seu prestígio milenar juntos aos povos francês e italiano?

A pergunta era difícil de responder. Tanto na França quanto na Itália, poderosas correntes ideológicas, organizadas há pelo menos duzentos anos, vinham lutando com energia e não sem resultado, contra a Igreja. Na Itália, tinham provocado a queda do poderio temporal dos Papas; na França, a separação entre a Igreja e o Estado, e as leis anti-religiosas. Ninguém poderia saber se uma destas forças, na misteriosa elaboração mental destes anos de luta, não tinha chegado a destruir inteiramente a outra.

Pode-se conceber a maternal solicitude da Igreja, neste passo. Mãe extremosíssima, comove-a tudo quanto se refere a qualquer povo de seu aprisco. Mas é bem de ver que, quanto à França e Itália, sua solicitude tinha os mais poderosos motivos para se aguçar. Vínculos de toda ordem prendem a Itália e a França à Igreja, à cultura e à civilização católica. Sua apostasia teria toda a significação de um dilaceramento trágico.

Dar-se-ia este dilaceramento? Aí estava, bem próximo, o espectro do comunismo, a sugerir o receio de uma resposta afirmativa.

Tanto na França quanto na Itália, a hierarquia católica se moveu ativamente para orientar o leitorado num sentido cristão, e com isto deu provas de quão grave considerava o momento. Entretanto, parece que nenhum índice desta gravidade foi mais expressivo do que a intervenção augusta do próprio Pontífice, nos acontecimentos, com a histórica alocução que publicamos. É um fato provavelmente sem precedentes, que assinala bem a gravidade, também sem precedentes, da situação.

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Finalmente, os resultados vieram. Não precisamos dizer quais foram. Mas convém que acentuemos bem o que significam.

Os católicos não venceram por uma pequena maioria. Tiveram uma vitória estrondosa, que proclamou com estrépito, no mundo inteiro o empenho da Itália e da França em permanecerem católicos. Há duzentos anos, pelo menos, que se procura, às escâncaras, descristianizar esses países. Foi em vão. O mundo inteiro estremeceu, conturbou-se, e se transformou várias vezes. A Cruz continua de pé: stat Crux dum volvitur orbis.

Os arremessos da impiedade não foram apenas contidos, mas repelidos. O mal não ficou somente reduzido a uma esterilidade vergonhosa; mostrou uma fraqueza patente. O bem, pelo contrário, atestou uma vitalidade que a muitos parecia impossível neste século.

Diga-se o que se disser, é este o aspecto fundamental do fato.

E o mais, em comparação com esta grande nota luminosa, é certamente secundário.

Como acentuou eloqüentemente o Santo Padre, tratava-se de votar por Cristo ou contra Cristo. E, neste grande plebiscito, em que mais uma vez Jesus e Barrabás eram oferecidos em escolha ao povo, as cristianíssimas nações italiana e francesa optaram por Jesus. E, ao contrário dos judeus, exclamaram: volumus hunc regnare super nos.

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Visto o assunto, não mais de seu ângulo estritamente religioso, mas social-religioso, é forçoso reconhecer que as eleições também tiveram um fundo significado.

A Itália e a França optaram por um Estado anti-totalitário de inspiração cristã, contra o Estado totalitário de inspiração pagã.

Votando contra o totalitarismo, os franceses e italianos deram a palma da vitória à liberdade. Não à liberdade ébria e prostituída de 1789, a liberdade para o mal, mas a liberdade como a entende a Igreja: santa e nobre afirmação de que o homem só é livre, e só tem direitos para fazer o bem.

O nazismo e o comunismo saíram repudiados desta luta, e também a Revolução Francesa não venceu.

Cristo, Cristo-Rei, a paz e a ordem de Cristo no Reino de Cristo, eis a vitória que tivemos.

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Será necessário dizer que esta vitória não é sem sombras? Qual o otimista esturdio que tal poderia pretender?

Tanto na Itália quanto na França, os resultados das eleições marcam uma situação ainda muito forte, para os totalitários.

Com efeito, para só tomar em conta os socialistas e comunistas, se somarmos os votos que obtiveram na Itália, isto é 4.674.977 socialistas e 4.287.054 comunistas, chegaremos a um total de 8.962.031.

A diferença entre os dois partidos é muito mais de método do que de programa. A verdade é que 8.962.031 eleitores italianos aprovam a inteira absorção da vida individual e liberdade pessoal pelo Estado-Moloch, tudo isto com base em uma ideologia estritamente atéia, como a de Marx.

Ora, os católicos obtiveram um total de 8.012.000 votos, isto é quase 1 milhão a menos que a coligação socialista-comunista.

Assim, só poderão obter maioria parlamentar, se se aliarem a outro grupo.

Qual? Os partidos pequenos, que não são nem socialistas, nem comunistas, têm um total de 4.924.000 votos.

Se os católicos se apoiarem neles – e não poderão deixar de o fazer, pelo próprio imperativo de seus princípios que se opõem frontalmente a socialistas e comunistas – terão maioria.

É este, sem dúvida, o sentido claro das apurações, que deram origem a uma maioria antisocialista e anticomunista. Esta maioria, nascida das urnas, tem de se cristalizar em um bloco parlamentar e governamental forte.

O mesmo não se dirá, de ponto em ponto, da França. Com efeito, os católicos obtiveram ali 30% do eleitorado, sendo, pois, de longe o mais forte dos partidos. Entretanto os 23% do bloco socialista e os 27% do bloco comunista, reunidos, dão 50% do eleitorado, superando de 20% os católicos.

Entretanto, os partidos pequenos, nem socialistas nem comunistas, alcançam 20% do eleitorado. Somados estes 20%, aos 30% de católicos, teremos 50%, isto é, um total insuficiente para constituir maioria parlamentar.

Assim, os católicos franceses, e demais antisocialistas e anticomunistas, constituídos em bloco, devem admitir uma colaboração muito moderada de socialistas para evitar o completo soçobro do sistema parlamentar, dada a inviabilidade absoluta de se constituir uma maioria claramente socialista, ou claramente antisocialista. Como o desabamento do sistema parlamentar seria o naufrágio do bem comum, no momento presente, é perfeitamente lícito, neste caso, aos católicos, colaborar com os socialistas, desde que não colaborem com eles em matéria proibida pela Igreja.

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E vamos agora à repercussão internacional. Na Holanda e na Áustria, as eleições também foram ganhas pelos católicos. Na Baviera também. Em Portugal e na Espanha, os respectivos governos se baseiam em forte apoio do elemento católico, ou ao menos de certos elementos católicos. Assim, pois, grande parte da Europa se dirige hoje por homens e instituições que invocam o espírito da Igreja, e as diretrizes ideológicas do Vaticano, como sua característica mais essencial.

No mundo moderno, esta situação é, a bem dizer, inédita. E cria para nós, católicos, uma tremenda responsabilidade.

Se soubermos usar bem deste imenso poder, não há o que não se possa esperar de nós. Se o usarmos mal, não há o que não se nos possa imputar.

A massa católica confiou a seus dirigentes políticos um mandato que é o mais honroso, e o mais pesado do mundo contemporâneo.

Rezemos a Deus por que, em ortodoxia, disciplina, união, desassombro, excedam tudo o que fizeram pelo mal os fautores de erros e heresias em nosso tempo.

Não podemos pedir mais, nem melhor, nestes gloriosos dias ainda ungidos pela suavidade da Consagração ao Imaculado Coração de Maria.