Legionário, Nº 719, 19 de maio de 1946

A INVESTIDA SORRATEIRA DO DIVÓRCIO

Voltemos à questão da indissolubilidade do vínculo conjugal. Como já terão notado os nossos leitores, a instituição cristã da família está gravemente ameaçada pelas leis vigentes, que, sob pretexto de a defender, de fato a prejudicam profundamente.

Já mostramos que, por uma legislação ignominiosa, se premeia em nossas repartições públicas o lenocínio e se castiga a virtude. Em outros termos o fato de ter filhos ilegítimos é título suficiente para se preferir um funcionário, ao solteiro sem filhos, no que diz respeito a promoções.

Ao lado disso há o perigo da jurisprudência extravagante de alguns dos nossos órgãos judiciários.

A lei brasileira proíbe o reconhecimento dos filhos adulterinos. Como no Brasil não se reconhece os "casamentos" no Uruguai, México, etc., contraídos por brasileiros desquitados, são adulterinos os filhos havidos dessas uniões. A conseqüência concreta é que os filhos havidos dos desquitados nas suas primeiras núpcias, únicos legítimos, têm direitos que os adulterinos não têm.

Uma vez que se nivelem os filhos nascidos de casamento sacramental aos que nascem de uniões adulterinas, que erroneamente se chamam casamento, equipara-se o casamento legítimo a sua miserável contrafação "uruguaia".

Ora, nossos tribunais têm decidido por vezes, contra expressa disposição da lei, que os filhos adulterinos podem ser reconhecidos. É um passo agigantado para a legalização das uniões "mexicanas" ou "uruguaias" entre nós.

Assim, se a Constituinte não trouxer remédio à situação, de pouco adiantará que ela proclame bombasticamente a indissolubilidade do casamento.

O divórcio, enxotado pela porta da frente, continuará a ter livre circulação pela porta dos fundos, aberta pelo arbítrio e extravagância do Poder Judiciário.

E, para que a discriminação dessas misérias não seja incompleta, temos que lembrar ainda que em outro campo a nossa legislação golpeou a fundo a instituição da família. Trata-se de uma série de leis em que se concede às "companheiras" de trabalhadores, militares, etc., os mesmos direitos à pensão, que tocam à esposa.

É bem de ver que o divórcio fica com isso legalizado. Com efeito, desde que o interessado possa abandonar a sua legítima esposa, constituir com sua cúmplice um lar adúltero, e, apesar de tudo, legar à cúmplice direitos que só à esposa tocariam, é patente que o divórcio está praticamente introduzido.

Se nossos constituintes quiserem fazer obra durável e eficaz devem fechar a porta a todos esses excessos.

Já se foi o tempo em que as declarações bombásticas resolviam os assuntos. Uma sonora afirmação sobre a indissolubilidade do vínculo conjugal de nada adianta, com a legislação que acabamos de criticar. É preciso redigir de tal maneira a garantia constitucional contra o divórcio que toda a legislação ou jurisprudência contrária fique implicitamente revogada.