Legionário, Nº 712, 31 de março de 1946

Um firme propósito

No discurso que pronunciou no Largo da Sé, Sua Eminência, o Cardeal-Arcebispo acentuou muito o interesse do Santo Padre, em saber qual o eco despertado entre nós, pela elevação de mais um Cardeal brasileiro. Pode-se mesmo dizer que a nota essencial das palavras de nosso Metropolita consistiu em ressaltar a honra que significou, para o Brasil e para São Paulo, a criação de mais um cardinalato em nossa terra. É, pois, a este pensamento que queremos consagrar nosso artigo de hoje.

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Não por um estulto bairrismo, mas porque é esta a evidência dos fatos, devemos dizer que a concessão do chapéu cardinalício ao sucessor do Cardeal Leme, confirmando na Arquidiocese do Rio de Janeiro uma honra que o Brasil já recebera outrora, tem um significado menos frisante, no momento que passa, do que a outorga de mais um chapéu vermelho ao Brasil.

Com efeito, uma vez que a Santa Sé concede a uma nação a honra de ter um Cardeal, raramente, e só em condições muito excepcionais, lhe tira com a morte do purpurado, a representação no Sacro Colégio.

Isto de um lado. Do outro lado, nações menores que a nossa têm Cardeais. Na América Latina, mesmo, já são eles vários. Quando foi criado o primeiro cardinalato latino-americano, e para ele foi escolhido um brasileiro na pessoa do Cardeal Arcoverde, a marca da preferência pontifícia por nosso país era bem evidente. Quando, mais tarde, essa distinção ainda única entre todas as nações ibero-americanas foi confirmada no Cardeal Leme, ainda o gesto de predileção era manifesto. Mas, com a generalização dos chapéus cardinalícios para o mundo inteiro, a permanência do favor pontifício deveria afirmar-se quanto ao Brasil, por uma distinção nova, por uma manifestação mais recente, e inteiramente inequívoca, de que a predileção de que gozávamos não desaparecera.

Qual o fato por que a Santa Sé demonstrou a continuidade de sua dileção a nosso país? Precisamente pela criação de mais um cardinalato. Esta honraria foi realmente um ósculo maternal, de afeto, e de esperança, que o Vigário de Cristo depositou na fronte da nação brasileira.

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Este gesto augusto da benevolência pontifícia recaiu sobre São Paulo. Na imensidade do mapa nacional, foi precisamente na terra das bandeiras, que se fixaram os olhos do Papa, e foi sobre a pessoa de seu metropolita, que ele depositou este sinal de seu favor.

Isto significa, evidentemente, que São Paulo deve retribuir com especial gratidão, o benefício que a Santa Sé acaba de lhes tributar.

S. E. o Sr. Dom Carlos Carmelo deu o primeiro impulso a este movimento, mudando para Pio XII o nome do Palácio São Luís, e determinando que um busto de bronze do Pontífice imortalizasse na residência arquiepiscopal a lembrança de sua generosidade para conosco. Cumpre-nos continuar.

Este magno acontecimento nos sobrevem em uma fase de transformações profundas. Apesar da crise, modifica-se a todo momento, com novas construções, o aspecto da Capital e do interior do Estado. Ao contato com o cinema, as revistas, os livros, os jornais, o radio, nossos costumes, nossas idéias, nossas tendências se vão modificando. Estamos entrando em fase importante e delicada em que se passa da adolescência para a idade viril. Tudo quanto entre nós se vai fazendo, traz consigo o selo do definitivo. Porque as modificações da infância para a adolescência são naturalmente susceptíveis de revisão, as da adolescência para a idade madura muito mais dificilmente se corrigem ou reajustam.

Nossa preocupação neste momento, deve ser de preservar, entre tantas transformações, o caráter verdadeiramente cristão e católico de nossa formação individual e social.

"De que vale ao homem se lucrar o mundo inteiro, mas perder a sua própria alma"? E de que valerá ao Brasil se se tornar o país mais rico, mais poderoso, mais influente do mundo, mas perder sua Fé?

Tudo quanto se faz na direção do progresso é louvável. Mas com uma condição, é de que não só a Fé se conserve, mas que progrida e se desenvolva a pari passu com o mais.

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Estas palavras não devem ser tomadas apenas em seu sentido superficial. Crescer na Fé, não é apenas multiplicar procissões, congressos e romarias. Isto é certamente excelente. Mas está longe, e muito longe de ser tudo.

Crescer na Fé é crescer na ortodoxia. É crer sempre mais, com mais firmeza, com mais coerência, com mais amor. Crescer na Fé é ter uma Fé, não apenas morta e vaga, mas vivaz e fecunda. Uma Fé que inspira as ações retas, que obriga a uma vida reta, que leva à virtude e à salvação da alma.

Estamos certos de que são precisamente estes os votos de nosso Metropolita. E, assim fazemos hoje estas reflexões, como estímulo e incitamento a nossos leitores.