Legionário, no 700, 6 de janeiro de 1946

MUNICH VERMELHO

É indiscutível que o Sr. Attlee herdou o guarda-chuva do Sr. Chamberlain. Terrível e ronceiro guarda-chuva, tudo mudou em torno dele nestes anos de guerra, e, do fumo de tantos incêndios, da ruína de tantas destruições, só ele emerge inalterado, intacto, incólume! Morreu Chamberlain, morreu Hitler, morreu Mussolini, caiu Daladier, sumiu Reynaud, todos os comparsas do drama de Munich desapareceram. Mas o espírito de cegueira, de moleza, de acomodação, que residia nas dobras do guarda-chuva chamberlainesco não morreu. E, depois da tremenda lição da última guerra, vê-se que entre os vencedores ainda há estadistas capazes de repetir os erros que antecederam a catástrofe de 1939.

"Remember Pearl Harbor" é uma frase que ficou definitivamente no idioma dos norte-americanos; ela nos veio instintivamente ao espírito, quando vimos a delegação americana apor sua assinatura aos acordos de Moscou. O acordo foi tal, representou uma capitulação tão grande e tão inexplicável, que é um verdadeiro Pearl Harbor diplomático. Oxalá o "remember Pearl Harbor" não venha a ser substituído algum dia por "remember Moscou".

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Vamos analisando os vários problemas de que se tratou em Moscou, e vejamos que vantagem, ou ao menos que compensação tiveram os aliados, em troca dos benefícios concedidos à Rússia.

O primeiro problema é do Extremo-Oriente. A Rússia manteve, durante toda a guerra, uma atitude de cínica neutralidade em relação ao Japão. Não dispendeu um cartucho de pólvora ou um rublo, para forçar à capitulação os soldados do Mikado. Pelo contrário, enquanto morriam na Oceania os bravos norte-americanos, os sovietes negociavam um acordo de pesca com o Japão, em que este soube ser muito largo, para "compensar" - usemos este eufemismo - a neutralidade soviética.

Ao apagar dos fogos, a Rússia entra em guerra contra o Japão. Era, evidentemente, um meio de adquirir vantagens em uma vitória para a qual não concorrera. Este passe de cigano causou indignação universal. Pensava-se que os aliados negariam qualquer participação à Rússia, nos frutos de um triunfo ao qual ela foi totalmente alheia. Pelo contrário, ei-la agora instalada ao lado dos autênticos vencedores, discutindo, pondo, propondo e dispondo como se tivesse perdido um milhão de homens e cem milhões de rublos na luta contra o Japão.

O fato não tem apenas um interesse diplomático, mas ideológico. É claro que, servindo-se desse novo meio de influência, a URSS fará por todo o arquipélago nipônico propaganda vermelha.

Neste terreno, pois, o resultado para nós ocidentais e cristãos, foi só um: capitulamos.

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E na China? A Rússia se comprometeu pomposamente a não intervir na guerra chinesa. Do que vale este compromisso? A chancelaria de Moscou não mandará tropas à China, mas evidentemente não se comprometeu a proibir aos comunistas chineses que façam o que entenderem. Mesmo porque, como "a IIIa Internacional foi extinta", a URSS nenhum meio tem para impor suas resoluções a qualquer Partido Comunista no mundo. Nós, brasileiros, sabemos bem disto, por experiência própria.

De seu lado, os comunistas chineses entraram em um nebuloso armistício com o General Chang-Kai-Chek. Não sabemos o que o General ganhou com isto. Sabemos que ele teve de dar pastas a comunistas, em seu ministério, que era até aqui inteiramente anticomunista.

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Voltamos nossos olhos para a Pérsia. Quem sabe se as compensações não foram dadas lá? Também não. Não se tratou sequer da Pérsia, nesta conferência. Ninguém ignora que, por sua situação geográfica, a Pérsia está no ponto de encontro de todas as rotas que ligam a Ásia Ocidental à Oriental. Instalado ali o comunismo, pode irradiar-se facilmente para a Índia, para a Arábia, para as províncias chinesas limítrofes. Na Pérsia existem famosos poços de petróleo cuja posse constitui um dos mais preciosos elementos de economia na paz e na guerra. A URSS fez incursões neste território, pondo tudo a ferro e fogo. Entretanto, em Moscou não se tratou disto.

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O mesmo se deu quanto à Turquia. Os turcos reclamaram, protestaram, ameaçaram recorrer às armas, em caso de agressão russa. Molotoff deixou tudo em suspenso durante a conferência. E a conferência não tratou do assunto.

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Falando da Turquia, estamos próximos dos Balcãs. O Rei Miguel da Romênia iniciou a mais original das greves: suspendeu o despacho de papéis, até que os comunistas lhe dessem mais liberdade de movimento. O que fez a conferência? Desafogou o Rei? Não. Mediante a inclusão de um ou dois ministros não comunistas em seu ministério, deixou a Romênia total e absolutamente sob as garras soviéticas. E quanto à Bulgária, a solução foi exatissimamente a mesma.

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No meio de tantas desilusões, uma só coisa nos contentou. Parece que os sovietes não entraram ainda no conhecimento da bomba atômica. E, evidentemente, enquanto este segredo não estiver com eles, ainda se poderá remediar tudo.

A grande questão está em saber se este segredo, um dia ou outro, não cairá de dentro do guarda-chuva do Sr. Attlee.