Legionário, Nº 698, 23 de dezembro de 1945

Ainda a lei eleitoral

Muitos leitores do "LEGIONÁRIO" ficaram desejosos de saber qual o modo por que se deveria modificar a lei eleitoral. Já não se lembram exatamente do sistema em vigor antes de 1935, e lhes é difícil, em conseqüência, fazer um juízo exato sobre a viabilidade de uma reforma que satisfizesse inteiramente os católicos, dando-lhes aquela liberdade de escolha sem a qual continuarão a ser verdadeiros periecos no Brasil.

Vamos, pois, descrever o sistema em que se elegeu a Constituinte de 1934. É precisamente o sistema cuja restauração devemos pleitear com todas as forças.

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Recapitulemos algumas noções do artigo anterior. Quociente eleitoral é a expressão técnica para se designar o número de votos necessários para eleger um deputado. Sendo, por exemplo, as cadeiras em número de 80 na futura Constituinte estadual, o quociente eleitoral se obterá, dividindo o número de eleitores, por 80. Quociente partidário é o número de cadeiras a que cada partido tem direito. Se o quociente eleitoral for, por exemplo, de 30.000 votos, e um partido tiver 150.000 votos, o seu quociente partidário será 5: 5 cadeiras, uma vez que 150.000 dividido por 30.000 é igual a 5. Cada 30.000 votos dão uma cadeira. O partido que teve não só 30.000 votos, mas cinco vezes isto, terá direito a 5 cadeiras. Nada mais claro.

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Passemos, agora, ao sistema eleitoral de 1934.

Em alguns aspectos, parecia-se ele com o atual. Havia duas espécies ou classes de voto, a do primeiro e a do segundo turno. Chamava-se "primeiro turno" o voto dado ao candidato que encabeçava a cédula. Segundo turno, os votos dados aos nomes restantes. Assim, escolhendo uma Câmara de 80 membros, todo o eleitor daria um voto de primeiro turno para o candidato de sua preferencia, e 79 votos de segundo turno para cada um dos outros 79 candidatos que constituíssem sua cédula.

A primeira diferença entre esse sistema e o atual está em que, hoje em dia, nem sequer escrevemos os nomes dos candidatos em que votamos em segundo turno. Votando em primeiro turno em um candidato somos obrigados a votar em segundo turno na totalidade absoluta dos candidatos apresentados pelo mesmo partido. No sistema de 1934, não. Podemos escolher para o segundo turno candidatos de qualquer partido, colocando em nossa cédula todos os católicos, e excluindo todos os anticatólicos, de sorte que o voto católico aproveite só aos candidatos católicos.

Como se faz a apuração?

Reputam-se automaticamente eleitos todos os candidatos que tenham obtido em primeiro turno os 30.000 votos que constituem o quociente eleitoral. Depois, verifica-se qual é o total de votos de primeiro turno dos candidatos que não obtiveram o quociente eleitoral. Digamos que o partido A elegeu pelo primeiro turno 5 candidatos. Restam 75 candidatos que não foram eleitos. Suponhamos que estes 75 candidatos obtiveram, em média, 1.000 votos cada um, em primeiro turno. Trata-se, evidentemente, de uma média já que o normal é que a votação difira algum tanto, de candidato para candidato. São, pois, 75 mil votos de primeiro turno. Se cada 30.000 votos dão direito a uma cadeira, a quantas cadeiras darão direito estes votos de primeiro turno? A duas cadeiras e meia. Quantos deputados elegerá este partido? Pelo quociente eleitoral, 5. Pelo quociente partidário, 2.

Sobram 15.000 votos. Ficam perdidos? Não. Suponhamos que os candidatos eleitos pelo primeiro turno obtiveram, não simplesmente 150.000 votos, mas 165.000 votos. Como se vê sobraram 15.000 votos. Estes se somam aos 15.060 que sobraram do quociente partidário, formando o total de 30.000. O partido A terá eleito com esta última sobra mais um candidato. Ao todo, pois, terá 8 representantes.

Vem agora o ponto sensível do assunto. Como escolher os candidatos que foram eleitos pelo segundo turno? É muito simples. Ao contrário do que sucede agora, o primeiro turno só vale para os candidatos que tenham alcançado quociente eleitoral. Para o quociente partidário, somam-se os votos de segundo turno de cada candidato. Os que foram mais votados em segundo turno serão os eleitos pelo quociente partidário. O método é claríssimo. Para o quociente eleitoral, primeiro turno. Para o quociente partidário, segundo turno.

Ora, o que sucede? Cada candidato recebe em votação de segundo turno todos os votos de seu partido. Os candidatos católicos dos vários partidos receberão, além disto, o voto de segundo turno desses inúmeros católicos que não pertencem a partido algum, e querem servir o Brasil, não dentro dos quadros de qualquer agremiação partidária mas como franco-atiradores.

Estes votos decidirão do pleito, quanto ao quociente partidário. Manobrando com inteligência, os católicos terão posto a pique todos ou quase todos os anticatólicos, e terão eleito quase todos os católicos.

Parece-nos que, se queremos evitar os mais graves riscos para a causa católica, não temos outro caminho a seguir: nosso dever consiste em pedir, suplicar, reclamar energicamente se preciso, a restauração do regime eleitoral vigente em 1934.