Legionário, N.º 693, 18 de novembro de 1945
Uma péssima lei
Aguardamos todos, os pronunciamentos da Liga Eleitoral Católica sobre a conduta a seguir no próximo pleito. Nesta espera, entretanto, queremos tecer alguns comentários sobre a situação presente, para focalizar um problema acerca do qual a opinião pública deve ser muito nitidamente informada. É a questão do sistema eleitoral.
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No regime democrático é absolutamente essencial que o resultado obtido nas urnas reflita, tão exatamente quanto possível, a opinião nacional. O resultado do pleito só tem sentido na medida em que exprime as tendências do espírito público. Simplicidade, clareza, lisura, são, pois, predicados essenciais de toda lei eleitoral bem feita.
Ora, é forçoso convir em que, se nossa lei eleitoral é clara (o que, aliás, se poderia contestar com numerosos exemplos como este: pode um candidato somar votos obtidos em legendas diversas? Ouvi interpretações contraditórias do artigo em que a lei dispõe sobre o assunto), lhe falta o essencial, isto é a lisura, a fidelidade à sua missão.
Emprego aí a palavra "lisura" num sentido especial. O espelho existe para refletir figuras. Se sua superfície for áspera, rugosa, se não tiver a bela lisura do cristal polido em Veneza, caricaturará as faces que nele se mirarem. É esta lisura, esta fidelidade em exprimir a verdadeira opinião por um verdadeiro resultado, que falta à nossa lei.
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Pelo sistema em vigor, cada partido apresenta uma lista de candidatos a deputado, registrada em seguida no Tribunal Eleitoral. Acontece que nossos partidos políticos têm contornos ideológicos muito vagos. Qual a linha demarcatória entre as idéias do PRP e da UDN? Qual a que separa este ou aquele, do PSD? É preciso reconhecer que a diferença está principalmente nos nomes dos partidos e dos candidatos. Quanto a idéias, PRP, PC, UDN, PSD têm a mesma substância: "plus ça change, plus c'est la même chose".
Precisamente por isto, todos nós que não estamos enfeudados em qualquer partido, e que compreendemos que em todos eles há bons e maus, quereríamos ter a mais fundamental de todas as liberdades: de expurgar os maus de um lado, e do outro, de votar apenas nos bons.
"Mau", aí, é termo que precisa ser definido. Para nós, católicos, não é apenas um mau candidato aquele que pecou contra a moral corrente, isto é, que se embriaga em público, toma cocaína, ou rouba por meio de arrombamento. Evidentemente, não queremos aludir a esta categoria de gente quando falamos em maus candidatos. Mas enfim, é preciso reconhecer que a moral católica tem exigências muito mais delicadas que a moral corrente, e que para nós o mau candidato é aquele que, por suas idéias ou seu teor de vida, vai exercer mal o seu mandato. Um homem poderia ser pecuniariamente honestíssimo: continuaria a ser para nós um mau candidato se fosse favorável ao divórcio. Outro poderia ser absolutamente contrário ao divórcio: continuaria a ser um pífio candidato se "casado no Uruguai" ele próprio. Isto entra pelos olhos.
Dado este conceito do "mau candidato", percorramos as várias chapas. Não conheço a todas. Mas das muitas que conheço, vi em algumas nomes excelentes, em todas um número de nomes não pequeno, nos quais corta a um coração católico, votar. Não quero entrar em indicações pessoais. Mas é esta a verdade evidente.
E qual a posição do leitor católico? Está manietado pela lei. Não pode selecionar os nomes bons de várias chapas. É obrigado a votar sempre em chapa completa, isto é, sufragar também os nomes de candidatos que, quer por seu teor de vida nas atividades civis, que por seu programa político, representam a negação de tudo quanto queríamos fazer vencer.
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Formulemos de outro modo esta nossa observação. Os partidos confeccionam as chapas como entendem. Todos sabemos que, salvo exceções muito raras, as "convenções" partidárias são uma alquimia tremenda, em que por fim um grupelho acaba resolvendo tudo. Mesmo porque, quando a convenção decide o contrário do que o grupelho quer, existe sempre o expediente das manobras de última hora, para ajeitar a chapa. Assim, o que se passou? Os grupos dirigentes de quase todos os partidos ponderáveis ou semi-ponderáveis fizeram suas chapas, impingindo ao lado de alguns nomes "allechants" para os católicos, mercadoria avariada.
E nós? Nós, católicos, não temos a liberdade de compor a nosso modo a chapa, não podemos votar em quem queremos. De um ou de outro jeito, somos forçados a votar mal.
Pode ser que todos os outros sejam livres. Nós estamos manietados. Para nós, pela lei eleitoral, a liberdade de voto não existe.
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Qual seria o corretivo? A opinião católica deve pedir formalmente que, depois do pleito, se modifique esta lei, dando a qualquer brasileiro o direito de compor sua chapa com tantos nomes quantos queira, e com os nomes que queira.
Não vejo por que motivo se há de impor que o Brasil degluta inteirinho, o indigesto "menu" cozinhado e recozinhado nos bastidores dos partidos. A solução para os católicos é que um candidato possa apresentar-se independente, sem estar registrado em chapa de qualquer partido; um eleitor possa compor sua chapa com deputados de todos os partidos.
Enquanto tal não existir, haverá sempre uma classe de brasileiros manietada: serão os católicos, será o respeitável total de 98% do país.