Legionário, Nº 682, 2 de setembro de 1945
SARMENTOS SEM SEIVA
Um dos aspectos mais dolorosos da apostasia do Sr. Carlos Duarte da Costa, ex-Bispo de Botucatu e de Maura é a simpatia - para dizer só isto - que ele demonstra em relação ao comunismo. O tombo não poderia ser maior. Do vértice das coisas espirituais, Príncipe que era na Igreja de Deus, o Sr. Carlos Duarte da Costa percorreu toda a gama dos erros, para se abismar no mais tenebroso e profundo deles, que é o materialismo, pois que outra coisa não é a doutrina soviética, senão crasso e cru materialismo. Triste ilustração da parábola da vinha e dos sarmentos. Rompendo com Roma, não há erros a que não estejamos expostos. Também o sarmento que se destaca da vinha, perdida a seiva, está exposto à corrosão de todos os vermes.
O protestantismo foi longe nessa senda de prevaricação, e seu conúbio com o comunismo é coisa que se torna cada vez mais patente. O caso do "deão" de Canterbury está longe de ser um fato isolado. Em todas as latitudes do globo ele se repete. Ainda há pouco, no Estado do Rio, em Friburgo, um seminarista protestante em vésperas de "ordenação sacerdotal" foi fazer conferências religiosas. Ao mesmo tempo, aproveitou para desempenhar um mandato que lhe foi confiado pelo Partido Comunista Brasileiro, que era de reconciliar vários grupos vermelhos, que estavam em luta naquela cidade. O seminarista era também membro destacado do PCB!
Estes fatos nos fazem pensar na importante entrevista concedida no Rio de Janeiro, à nossa imprensa, pelo professor Stanley Jones, que trazia o cartaz de "conhecido sociólogo norte-americano e elemento de notória influência nos meios evangélicos de seu país". Esta entrevista prova que os meios protestantes norte-americanos também seguem o curso inevitável da evolução ideológica para a esquerda a que o protestantismo está sujeito.
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A certa altura da entrevista, lia-se o seguinte: o prof. Jones esteve há dez anos na Rússia. Conhece bem a estrutura geral do sistema de governo soviético. Um jornalista focaliza a impossibilidade em que se encontra o cristão de aderir à dialética do materialismo histórico fundamentalmente ateu. O entrevistado prossegue:
- "Há mais cristianismo no comunismo ateu do que no seio de muitas igrejas ortodoxas. O comunismo não é necessariamente ateísta. O ateísmo penetrou no comunismo. Quando, há dezenas de anos, estive na Rússia, conversando com um professor comunista perguntei-lhe se, voltando à Rússia dentro de 10 anos, não poderia disseminar o Cristianismo naquele grande país. A resposta do professor foi afirmativa, visto como nas escolas e universidades era muito grande o interesse dos estudantes pelas coisas do espírito e da religião".
Estas palavras não podem passar sem um comentário.
Passamos por cima de certos conceitos que nos chocam a nós católicos, a justo título aliás, mas que são correntes entre os protestantes. Assim, a referência a "várias igrejas ortodoxas". "Ortodoxo" diz-se da Igreja que tem um ensinamento reto. Ora, as igrejas divergem entre si nos respectivos ensinamentos. Como podem, pois, ser simultaneamente ortodoxas, isto é, se possuem reta doutrina, como podem elas ter menos substractum cristão do que o próprio comunismo?
Tudo isto, porém, é secundário. Interessa-nos é a afirmação de que o comunismo "não é necessariamente ateísta". Em outros termos, ainda que uma pessoa cresse em Deus, e fosse eventualmente cristã, poderia aceitar as teses políticas e sociais do comunismo. O ateísmo é qualquer coisa de extrínseco ao comunismo, "que penetrou nele", e que pode ser expurgado dele.
De onde se segue que, segundo a concepção daquele líder protestante, o "cristão" pode perfeitamente aceitar a forma político-social do comunismo. O que significa, em outros termos, que os protestantes não têm nenhum motivo religioso para se opor ao regime político-social dos sovietes.
Não é este o momento de demonstrar o contrário. Basta lembrar aqui, que se a Igreja condenou o comunismo, não foi porque seus adeptos, por alguma coincidência mais ou menos fortuita, eram materialistas. A Igreja tem bastante perspicácia para fazer distinções destas. Na Europa, no século passado, a maior parte dos republicanos era atéia e revolucionária. Leão XIII mostrou que isto não era suficiente para condenar a forma de governo republicana, em si mesma considerada. Se, pois, o mal do comunismo fosse tão somente o de ser professado e propagado por ateus, Pio XI teria condenado os ateus e teria ressalvado o comunismo. Mas o ponto de vista da Igreja sobre o comunismo é outro. Segundo o ensinamento pontifício, a própria doutrina comunista, em si mesma considerada, e ainda mesmo que vista apenas em seu aspecto político-social, é incompatível com a doutrina ensinada por Nosso Senhor Jesus Cristo. De onde se segue que, em hipótese alguma, e sob pretexto algum, os católicos podem ser comunistas.
Chegamos assim a observação que nos interessava. Enquanto todas as seitas e igrejolas protestantes do mundo inteiro, do Brasil como da Inglaterra ou dos EUA, ou de qualquer outra latitude ainda, se despencam no abismo, só a Igreja Católica apresenta contra o comunismo aquela oposição radical, inexorável, maciça, inamovível, que o comunismo precisa encontrar em seu caminho.
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De que valem as palavras para os protestantes? Muito pouco.
Com efeito, o prof. Stanley, que nos assegurava há pouco que o comunismo pode não ser ateu, deixou na sombra o caráter absolutamente materialista da dialética histórica do comunismo. Vamos ver agora qual a filosofia desse "cristão".
"Disse Hegel que temos a considerar três aspectos na história das correntes culturais: a tese, a antítese e a síntese.
"A tese é representada pelo individualismo e a antítese pelo coletivismo.
Ao que parece, ele considera os americanos como expoentes do individualismo, e aos russos do coletivismo. O fato é que prossegue:
"A controvérsia entre esses dois opositores deverá resultar na síntese, que será mais perfeita do que a tese e a antítese, e, por conseguinte, trará uma nova concepção superior tanto ao individualismo como ao coletivismo".
Note-se que segundo o sistema hegeliano a síntese contém igualmente e plenamente a tese e a antítese, e não representa a vitória de uma sobre a outra, mas a fusão e perfeição de ambas em uma categoria superior.
Nosso "cristão" aceita, pois, a filosofia hegeliana, panteísta e irredutivelmente contrária ao Cristianismo. E, para ele, a perfeição não estará na sociologia cristã, mas em uma forma futura que ele entrevê, na qual os dois erros monstruosos, que são o individualismo e o coletivismo, entrem em conúbio para gerar a civilização futura.
Do que se deduz que, para ele, em lugar do comunismo ser um mal que deve ser repudiado, é um bem que dever ser assimilado.
Capitulação completa, portanto, diante daquilo que é, na realidade, depois do nazismo, o "inimigo n.º 1" da Igreja e da civilização de Nosso Senhor Jesus Cristo.