Legionário, Nº 677, 29 de julho de 1945
F E B
Enquanto os bravos "pracinhas" desfilarem, no dia 31, sob o arco de triunfo que lhes ergueu na Av. São João a admiração dos paulistas, o que por certo chamará em primeiro lugar as atenções é a idéia da bravura recompensada, do patriotismo glorificado, o prazer da vitória, a grande alegria do reencontro. Mesmo os que não temos a honra de ter entre os nossos próximos algum "pracinha", sentiremos intensamente essa alegria. Foram de todos nós as dores da despedida, as angústias da ausência, as alegrias do triunfo. São de todos nós, também, as emoções do retorno. Todos nós nos sentimos algum tanto irmãos, pais, camaradas, amigos, desses bravos "pracinhas", em torno dos quais, mesmo sem os conhecer individualmente, formaremos uma única e grande família.
Nem todos refletirão, porém, que o passo forte e cadenciado dos expedicionários, batendo firme sobre os asfaltos de São Paulo, marcará o fim de um ciclo e o início de outro, na história do país.
Lembrá-lo, lembrar o sentido desse fato subjacente nas manifestações do dia 31, é por certo a melhor homenagem aos frutos que nossos patrícios colheram para o Brasil, no campo de batalha.
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É certo que, em 1918, tínhamos alguns contingentes brasileiros cooperando com os Aliados. O que foi, porém, aquela limitada cooperação, em confronto com o que o Brasil fez na guerra que agora terminou? Já não fomos, desta vez, longínquos comparsas do drama universal. Interviemos de rijo nos acontecimentos. Nossas bases foram indispensáveis para a segurança da vitória. Nossos produtos foram essenciais para o êxito do esforço de guerra. Nossa palavra repercutiu nítida e fortemente nos conciliábulos internacionais, onde em outras ocasiões se perdera no bruhaha confuso das reclamações das potências menores. A defesa de nosso litoral teve importância estratégica saliente, e dela nos desincumbimos com eficácia. Por mais que isto fosse, tudo seria pouco. Armamo-nos, demos nosso sangue, nossos filhos, nossos irmãos, para lutar ombro a ombro com os aliados, no campo da honra. Já se disse tudo quanto se tinha de dizer sobre a bravura e eficácia da FEB. Ela nos assegurou um posto de honra nos conclaves da vitória e da paz, que nem todos os nossos mantimentos e nem toda a nossa solidariedade afetiva lograria conquistar. Mas o que o Brasil deve à FEB não é apenas esse esplêndido resultado de momento. Ficou demonstrado pelo que fizeram nossos concidadãos, que o Brasil poderá pesar ainda muito mais fortemente em qualquer conflito internacional, embarcando para qualquer plaga da Europa, da África ou da América, contingentes muito mais numerosos, dotados todos da eficiência que a FEB demonstrou no campo da honra.
Em outros termos, a guerra demonstrou que hoje as distâncias são pequenas, e que o braço do Brasil cresceu; podemos estendê-lo por sobre os mares, até atingir qualquer litoral, e a experiência provou que não serão anêmicos nem débeis, os dedos que fincarmos no solo em que pisarem nossos soldados.
O Brasil se mostra hoje aos olhos do mundo conturbado e semi-arrasado, com o vigor de um adolescente cheio de iniciativa. O Brasil já não dorme mais sobre o "berço esplêndido" de seu próprio solo. O gigante se levantou e deu os primeiros passos, transpondo o Oceano.
O Brasil é hoje uma potência internacional em plena adolescência, em uma adolescência de gigante.
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Entramos na guerra para defender a honra nacional ameaçada insolitamente pelas agressões nazistas. Foi só? Não nos esqueçamos de que, fossem quais fossem os móveis destes ou daqueles na grande luta, a guerra foi de fato uma cruzada. Tratava-se de quebrar a cruz gamada, cuja vitória significaria para o Ocidente cristão uma catástrofe ainda maior que a da meia-lua na Idade Média: Harum al Rachid... Que digo? o próprio Bajazet era um amorável e pachorrento senhor, em comparação de Adolf Hitler ou dos satélites que instituiu por toda a Europa. Estava ameaçada a Fé, corria risco eminente a civilização cristã, e os próprios fundamentos de qualquer ordem humana suportável, se encontravam ameaçados. A grande vítima da investida nazista era a Igreja Católica, ela a grande sacrificada que se pretendia imolar. Qualquer esforço para abater o nazismo significava sua libertação. E os que foram combater tendo diante dos olhos este quadro, com a intenção de libertar a Igreja, foram de fato verdadeiros cruzados.
É esplêndido o desinteresse com que a esta cruzada se associou o Brasil. Para a Conferência da Paz, não levamos uma reivindicação territorial, um pedido de dilatação, quisemos, só a reparação da justiça. Entramos na guerra para nos defender mas o entusiasmo com que entramos excedeu de muito à necessidade da autodefesa. O Brasil tinha para com a Velha Europa uma grande dívida a saldar. Recebemos da Europa o tesouro infinitamente precioso da Fé, as tradições, as glórias, os germes da grandeza inalienavelmente contidos pela formação latina de nosso povo. No momento em que todos esses valores estavam ameaçados de desaparecer quase completamente no solo europeu, era uma dívida de gratidão que pagávamos transpondo os oceanos em sentido inverso ao dos missionários e navegadores lusitanos, para confirmar lá com nosso braço moço, os mesmos vexilos do Cristo, que eles haviam implantado em nossa terra. O suor e o sangue dos expedicionários, as lágrimas dos que aqui ficaram, a vida dos que ficaram lá, tudo isto é a paga, paga justa, paga valiosa, do suor, do sangue e das lágrimas de Anchieta e dos missionários que conquistaram para Jesus Cristo o Brasil.
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Fixou-se a data da recepção dos expedicionários em terras de Piratininga. Depois, mudou-se a data. Mais tarde parece que houve outra mudança. Por fim, escolheu-se o dia 31. Consultemos o calendário. Qual o Santo que a Igreja comemora nesse dia? Admirável coincidência: Santo Ignácio de Loyola, o glorioso fundador da Força Expedicionária cristã que nas eras coloniais conquistou o Brasil para Cristo-Rei. Da Europa recebemos missionários, à Europa pagamos com cruzados. No dia em que esses cruzados voltam à cidade de Anchieta, preside a festa, como um grande arco-íris entre o passado e o presente, entre o Brasil colonial e o Brasil de hoje, entre a Europa velha e ferida, e o Brasil novo e pujante, o grande capitão basco, Ignácio, general das hostes de Cristo.
Essa coincidência não deve apenas comover-nos. Ela é mais do que um inesperado e agradável encontro de circunstâncias. Ela é um providencial ensinamento. Com a volta da Força Expedicionária, encerra-se para nós o período álgido da guerra, estamos entregues à tarefa da paz.
Ignácio não é apenas o elo entre tantas coisas distantes no tempo e no espaço. Seu nome não brilha somente como um arco-íris. É um farol que indica um roteiro. O Brasil de ontem fecha-se com a guerra. O Brasil de amanhã abre-se nos albores da paz. Entre essas duas etapas, ergue-se o nome de Ignácio como um grande memorial: o Brasil nasceu de Cristo, e de Cristo foi até hoje. De Cristo há de ser também o Brasil de amanhã.