Legionário
, nº 668, 27 de maio de 1945O discurso do Sr. Prestes
Plinio Corrêa de Oliveira
Não é nosso propósito fazer aqui uma análise completa da oração pronunciada pelo Sr. Luiz Carlos Prestes, no estádio do Vasco da Gama, e retransmitida para todo o território nacional.
A peça do tribuno esquerdista, longa, versando sobre vários assuntos, em uma ordem nem sempre muito propícia à compreensão de seus propósitos e conceitos, lucra em ser resumida e disposta em forma analítica. É o que procuraremos fazer.
PÚBLICO A QUE SE DIRIGE
O Sr. L. C. Prestes toma posição, declaradamente, nas fileiras do Partido Comunista: "Sabeis, cariocas e brasileiros, que sou comunista. O Partido Comunista do Brasil é meu Partido. Foi ele o organizador e dirigente do glorioso movimento da Aliança Nacional Libertadora" etc. Assim, desmentem-se os boatos de que, em seguida à sua prolongada detenção, o Sr. L. C. Prestes havia abandonado seu antigo radicalismo e optara por uma democracia fortemente "social", sem caráter nitidamente comunista.
Não obstante essa nítida posição partidária, a sua oração não é feita apenas aos "queridos amigos e amigas da gloriosa Aliança Nacional Libertadora", e aos "companheiros e companheiras do Partido Comunista", mas, de um modo muito mais geral, aos "Brasileiros, Trabalhadores, Povo Carioca" e é a estes que dirige nas palavras iniciais sua primeira saudação.
O Sr. L. C. Prestes fala, pois, ao Brasil inteiro, como comunista.
Não sabemos que posição oficial ele ocupa nas fileiras de tal partido, se é seu Presidente, secretário ou chefe.
Não há dúvida, porém, de que, dada a sua projeção nas fileiras, esquerdistas em geral, e bolchevistas em particular, ele fala oficialmente em nome do Partido Comunista do Brasil.
Suas palavras têm, pois, todo o alcance de uma mensagem do comunismo indígena ao povo brasileiro.
ANISTIA
O orador inicia seu discurso, falando da anistia, na qual vê um dos esforços desenvolvidos pelos soldados das democracias em todas as frentes de combate desta guerra. E, de passagem, lembra os rapazes da Força Expedicionária Brasileira, aos quais se refere com carinho.
HOMENAGEM AOS MORTOS
O Sr. L. C. Prestes homenageia, em seguida, os comunistas mortos na luta por sua ideologia. Vê neles precursores da FEB. Ainda aí, o orador parece não ter tomado em consideração os sentimentos de grande maioria ou da totalidade de nossos bravos expedicionários que, derramando seu sangue contra a abominável opressão nazista, não entendiam, de modo algum, desempenhar o papel de sucessores dos "golpistas" de 35.
Apontando a campanha comunista de 1935 como precursora das vitórias atuais, e atribuindo portanto a esta guerra um sub-sentido comunista, também não se nota que o orador tenha tomado em linha de conta a impassibilidade soviética quando as democracias ocidentais quase sucumbiram ao peso dos bombardeios contra Londres, e a aliança Ribbentrop-Molotov que decidiu da partilha da Polônia.
Ele parece ver na doutrina comunista e no esforço de guerra soviético o principal elemento da vitória quando afirma que "os povos soviéticos, sob a direção do Partido Bolchevic de Lenine e do guia genial o marechal Stalin, são hoje o esteio máximo das Nações Unidas".
Neste último particular, o orador não precisou seu pensamento. Esteio, "hoje", contra quê? Contra o inimigo comum? Mas este é o Japão, e as Democracias ocidentais lutam sós, contra o nazismo nipônico. Contra os restos, ainda palpitantes, da quinta coluna internacional? Onde? Nos países Aliados? Então, apesar de extinta a III Internacional, os sovietes consideram possível uma ação ideológica ou política de sua parte, no território das democracias ocidentais? É pena que esses problemas não fossem esmiuçados na oração do Sr. L. C. Prestes.
POLÍTICA INTERNACIONAL
O orador exprime, a seguir, seus votos de que a cooperação da Inglaterra, dos Estados Unidos e da Rússia continue cordial, assegurando ao mundo uma era de paz. Esses sentimentos são, certamente, partilhados pela massa do povo brasileiro, justamente inquieta pela atitude insólita do Sr. Molotov em São Francisco, e pelo procedimento do governo soviético no caso polonês.
Havia, pois, uma justa expectativa em saber se os comunistas brasileiros participavam do sentimento nacional a respeito de ponto tão delicado.
Vale transcrever as palavras do "líder" comunista:
"Não nos deixemos enganar, pois, pela exploração divisionista dos reacionários e quinta-colunistas que aproveitam os debates de São Francisco para lançar confusão a alarmar o mundo com a separação por eles sempre desejada, das três grandes nações dirigentes. Como temos visto nos últimos dias, os boatos que nos chegam através das grandes agências telegráficas da Europa ou de São Francisco, pouco duram mas são logo substituídos por novos boatos cada vez mais cínicos" etc. Em outros termos, pois, as agências internacionais, a serviço do capitalismo, estariam intrigando contra a harmonia dos vencedores por meio de uma campanha nitidamente anticomunista. E tudo quanto houve em São Francisco não passa de boato.
Não sabemos até que ponto essa tese impressionará os círculos não católicos, da opinião brasileira que acompanhem com atenção o desenvolvimento da situação internacional. Não será fácil persuadir a opinião católica sobre esse "parti-pris" das agências telegráficas contra o comunismo, já que, falando das atrocidades do México, praticadas pelos correligionários políticos do orador, o Sumo Pontífice Pio XI denunciou publicamente a influência bolchevista sobre as mesmas agências telegráficas que faziam acerca de tudo quanto ocorre no México uma verdadeira conspirarão de silêncio.
Não parece provável que no momento em que o comunismo está mais forte do que nunca, as agências hajam "mudado de bordo".
O Sr. L. C. Prestes teria acrescido muito sua popularidade. se tivesse verberado com energia o que se passa quanto à Polônia. Ele, abstraiu, entretanto, do acontecimento.
NOSSA SITUAÇÃO ECONÔMICA
O Sr. L. C. Prestes a descreve com uma objetividade absoluta. É péssima. "Multiplicam-se com a inflação os preços dos artigos de primeira necessidade e não são os reajustamentos de salários ou acréscimo de 40 ou 80% que permitirão à classe operaria sair da miséria em que se debate. De outro lado, uma absurda fixação de preços que em geral só atingiu os produtos agrícolas de maior consumo, veio agravar a situação já difícil de nosso povo, fomentar o êxodo agrícola para as grandes cidades e determinar a escassez cada vez maior dos referidos artigos e alimentar a especulação impiedosa do mercado negro".
Mais adiante acrescentou que "Nada se fez de prático nos últimos 15 anos" etc.
Falando a todos os brasileiros, e não só a operários, seria natural que o orador lamentasse a situação também crítica da pequena burguesia, em cujas fileiras muitos elementos vivem com maior dificuldade que muitos e muitos operários. Haja exemplo os funcionários públicos.
Entretanto, não se nota que isto tenha preocupado o orador.
Ele foi, aliás, coerente com sua própria doutrina, para a qual o Estado existe em beneficio de uma classe ditadora, o proletariado, e as outras classes devem desaparecer.
A OPINIÃO BRASILEIRA
Não nos parece que tenha este rumo a opinião brasileira, para a qual deve haver lugar honesto e satisfatório, dentro dos princípios da civilização cristã, para todas as classes. Como lembra oportunamente em sua Pastoral o Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo do Rio de Janeiro, a Igreja tem desvelos especiais para com o operariado. Mas é igualmente Mãe dos fiéis de todas as classes, e a nenhuma quer ver oprimida pelas demais.
Não se compreende como o orador haja afirmado que "10 anos de guerras e perseguições contra o comunismo, fizeram de nosso povo o povo mais comunista da América".
Acabamos de ver como o pensamento e a orientação política do orador é fiel ao comunismo soviético. Entretanto, ele afirma em seguida que "comunista, para nosso povo, é aquele que, de maneira mais forte e conseqüente, luta contra o estado de coisas intolerável e injusto, predominante em nossa terra. Comunista é o que quer a negação disto que aqui vemos, a negação da miséria e da fome, a negação do atraso e do analfabetismo, a negação da tuberculose e do impaludismo, a negação do barracão e do trabalho puxado de sol a sol nas fazendas do senhor, a negação da censura à imprensa e das limitações de toda ordem às liberdades civis do homem pelo homem. E o povo tem razão porque é realmente este, em seus traços gerais, o programa do Partido Comunista do Brasil, que justamente por isto é, nos dias de hoje, o partido não só do proletariado como de todo o nosso povo".
Evidentemente, e tomadas de modo global as palavras deste texto, não há quase um partido que não deseje sua realização. Qual, por exemplo, o partido pro tuberculose? Ou pro analfabetismo?
O orador não ignora que há muitas correntes da opinião pública que visam vários dos fins que ele enumera, mas que têm verdadeiro horror ao comunismo. Como então afirmar que é comunista quem quer que tenda para esse ideal? Um exemplo entre mil outros. E o mais frisante. No próprio dia em que o Sr. L. C. Prestes falou, e cerca de 12 horas antes, se espalhava pelo Rio o texto oficial da importantíssima Pastoral do Exmo. Revmo. Sr. D. Jaime de Barros Câmara. Como é óbvio vários dos itens acima são colimados pela Pastoral. Ora, ela condena mais uma vez o comunismo, mostrando a insanável oposição entre ele e a Igreja. Pretenderia o orador que nosso Episcopado é comunista? Que é comunista a Igreja? Seria difícil sustentar sem jocosidade essa tese. Ou o orador abstraiu da Igreja?
POLÍTICA DE CONCILIAÇÃO
O orador pleiteia uma vasta política de conciliação de todas as correntes nacionais, insistindo em mais de um tópico, pela colaboração de todos os homens "crentes", nesse trabalho. Entende ele que o governo atual deve permanecer em sua posição, até que as eleições hajam designado os detentores do Poder Legislativo e do Executivo. Não aborda o problema palpitante das inelegibilidades para a suprema magistratura e para as presidências dos Estados. E sugere a formação de uma vasta organização de feitio interpartidário, e a-político abrangendo todos os homens que desejem imprimir ao Brasil um rumo social fortemente esquerdista. Acrescenta que os elementos comunistas estão dispostos a tomar parte ativa nessa organização, que é para todas as classes sociais.
PROBLEMAS QUE FICARAM SEM RESPOSTA
Seria importante, antes de tudo, que todas as organizações não comunistas definissem claramente sua posição, de sorte a dissipar a ambigüidade que as palavras do orador visa criar.
Além disto, seria importante saber se o elemento comunista pretende a co-direcão de tal organização. Parece que sim, já que ele lança a idéia. Neste caso, seria preciso que o orador definisse seu pensamento. Porque não se compreende como elementos comunistas possam cooperar e até co-dirigir uma organização que de nenhum modo pretende acercar-se do programa de nivelamento e exploração comunista. E, se a organização pretende caminhar no sentido desse programa, não se compreende como possa em tal caso esperar o apoio de elementos que desejam beneficiar muito largamente os necessitados por uma fórmula que não é o comunismo, mas precisamente o contrário do comunismo.
E haveria outras questões a ventilar. Por exemplo, até hoje sempre se entendeu que o comunismo é incompatível com a idéia de Pátria. É fácil perceber até que ponto interessa à soberania nacional saber se essa idéia é repudiada por um partido que se proclama "o único partido político verdadeiramente nacional", isto é de âmbito nacional, como afirma o Sr. L. C. Prestes.
Estas e outras questões não foram ventiladas no discurso pronunciado no "Vasco da Gama".