Legionário, 15 de abril de 1945

Roosevelt

Plinio Corrêa de Oliveira

O inesperado falecimento de Roosevelt tem arrancado expressões de sincero pesar provenientes não só de todas as partes da terra, mas - o que é muito mais raro - de quase todos os setores da opinião mundial.

É que Roosevelt teve a rara ventura de enfrentar um inimigo radical de tudo quanto a vida entre civilizados tem de mais essencial. Ordinariamente, os homens divergem entre si a respeito de princípios pouco evidentes. O totalitarismo, entretanto, não se atirou à liça das questões ordinariamente controvertidas. Com furor leonino, ele investiu contra os grandes princípios gerais que são um denominador comum de quase todas as correntes, um patrimônio pertencente, não a este ou àquele país, não a este ou àquele sistema, mas à humanidade inteira, ou, pelo menos, às porções da humanidade onde ainda existem vestígios de bom senso.

Assim, pois, as simpatias que sua figura despertava eram muito gerais. Houve tempo em que ele foi somente uma figura americana. O mundo o considerava de longe, com interesse e quiçá com cordialidade, sem ver nele, contudo, um vulto de significação internacional. Ele não passava, na galeria vasta e algum tanto equívoca das grandes figuras contemporâneas, de um estadista ativo e influente, que vinha combatendo com êxito as investidas internas de inimigos aos quais tinha a habilidade de impor capitulações aureoladas pelo duplo mérito de serem estrondosas e incruentas. Mas as circunstâncias lhe reservavam papel mais vasto. Quando a aviação nazista martelava dia e noite Londres, e o mundo inteiro temia que a fibra inglesa acabasse por fraquejar, todos os olhos se voltaram para Roosevelt. Sentíamos todos que ele era, humanamente falando, o fiel da balança e que se ele se fechasse no anel de ouro da riqueza e da tranqüilidade americana, do bem-estar e do isolamento yankee, não era só a Inglaterra que ameaçava ruir. Eram nossos lares – nossos, isto é dos brasileiros ou dos hindus, dos suíços ou dos afegãos – que ameaçavam ruína. Eram nossas tradições, eram nossos costumes, era nossa independência, era tudo enfim que nos parecia essencial para tornar a vida digna de ser vivida. Foi quando a investida japonesa precipitou a entrada dos Estados Unidos na guerra. Na aparência o mundo deve ao Japão esse excelente serviço. Mas todos sentiam, viam, percebiam que Roosevelt de há muito ansiava pelo momento de jogar todo o peso das armas americanas contra o "eixo", e que o ataque japonês não veio senão lhe fornecer a ocasião de dar o último golpe contra o isolacionismo yankee contra o qual de há muito vinha ele lutando. Assim, o mundo inteiro considerou a entrada dos Estados Unidos na guerra como um serviço pessoal de Roosevelt. Estamos na aurora da vitória. O pesadelo ainda está bastante próximo para que lhe sintamos ainda toda a opressão. Os albores da paz e do triunfo já brilham bastante, para tornar intenso nosso antegozo. É justamente neste momento, quando tudo concorre para que possamos medir melhor o valor da grande tarefa essencial de Roosevelt que foi sua política anti-isolacionista, que uma morte repentina o arrancou ao convívio dos homens e, levando-o para os umbrais da eternidade, fixou em um quadro de pleno triunfo e de popularidade quase unânime, a sua figura na História. É uma morte ocorrida nas circunstâncias ideais para uma grande glorificação.

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"O Legionário" combateu o nazismo com todas as veras da alma. Pode-se, pois, imaginar o quanto ele participou dessa ansiedade geral, nos dias tenebrosos em que tudo parecia ruir. Medimos, pois, em toda a sua extensão, o que o mundo deve a Roosevelt, e que constituirá sempre seu mais sólido e autêntico título de glória: o esmagamento do nazismo, que não se teria feito sem o concurso do potencial americano.

Entretanto, há outros aspectos simpáticos de sua figura, que convém lembrar. Primeiramente, a cordialidade das relações que manteve com a Santa Sé. Uma longa tradição de laicismo protestante colocava a Casa Branca em atitude de indiferença hostil e algum tanto desdenhosa em relação à Santa Sé. Roosevelt trabalhou ativamente por urna aproximação, e, não conseguindo dissolver todos os preconceitos que se erguiam contra um positivo entabulamento de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e o Papado, inventou essa verdadeira novidade diplomática de ter a título pessoal, o presidente da nação americana, um representante semi-oficial junto ao Chefe da Cristandade. A saída foi hábil. Ninguém poderia protestar contra uma delegação cometida a título meramente pessoal: não era Roosevelt senhor de seus atos, quando praticados como pessoa privada? Entretanto, a que título figurava junto à Santa Sé o Sr. Myron Taylor? Se Roosevelt fosse um mero particular, precisaria de ter um representante junto ao Trono de S. Pedro? Eram de caráter meramente particular os assuntos que o Sr. Taylor tratava com a Santa Sé? A evidente ambigüidade dessa situação maleável, e juridicamente inexpugnável, preparou muito o caminho para uma plena normalização das relações entre os EUA e o Vaticano.

Ao par disto, Roosevelt, dentro dos EUA, manteve com as autoridades eclesiásticas católicas, relações perfeitamente corretas e cordiais. Colaborou com elas em boa medida, e ainda aí hábil mas firmemente, atirou por terra muito preconceito laicista, já hoje inteiramente fora de "season".

Esses fatos concretos merecem registro. Para os que sabem ver a História "sub specie aeternitatis", têm uma importância de que, neste momento, volente Deo, a alma do falecido Presidente estará sentindo todo o valor...

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Dizíamos de início, que Roosevelt reuniu as simpatias das correntes que mais discordavam entre si. E também das que mais discordavam dele em muitos pontos. Por isto, mesmo um jornal como "O Legionário" que de fato está situado em polo ideológico muito e muito diverso do falecido Presidente, não só pela diferença de crença como debaixo de mais de um ponto de vista político-social importante, pode dedicar à sua memória as palavras que aqui ficam, nas quais só colocamos simpatia e gratidão. Esses serão os elogios mais caraterísticos de sua grande obra. De futuro a História dirá que sua glória não consistiu em fazer vencer uma opinião, mas em defender durante uma longa confusa borrasca, aquilo que há de mais verdadeiro em todo o pensamento e em toda a doutrina capaz de ser professada por um homem de opinião.