Legionário, 11 de março de 1945

O primeiro programa

Plinio Corrêa de Oliveira

Saiu o primeiro programa político da "temporada", da autoria de um grupo "Radical Democrático" do Rio de Janeiro. Não sabemos precisamente qual a importância eleitoral desse grupo, que não parece chefiado por elementos de muito prestígio. Assim, pois, o assunto não mereceria maiores comentários, se não fosse o primeiro programa político que nos aparece nesta quadra, se esse programa não tratasse de um ponto sumamente delicado para nós, e se não o tocasse de modo característico dos dias que correm.

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Manda o Apóstolo que em todas as coisas saibamos discernir o bem do mal. Assim, pois, antes de mostrar o que tem de mau o programa, vejamos o que ele tem de bem.

Do ponto de vista religioso, que é o único que consideramos nestas colunas, o programa só tem uma coisa realmente boa: é um programa. Nós, católicos, sentimo-nos contrafeitos, no campo das disputas personalistas, onde se debatem exclusivamente questões pessoais. Nosso clima próprio é o da controvérsia ideológica. E fere-nos, no ambiente contemporâneo, o desprezo geral por aquilo a que damos tanto apreço: as idéias. Assim pois, não podemos deixar de aplaudir o cuidado que teve a grupo radical democrático em definir o seu programa logo ao se apresentar ao público.

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Infelizmente, se o louvamos porque levanta um estandarte, nossa primeira atitude perante esse estandarte erguido, consiste em proclamar que ele contém símbolos falsos.

Não é verdadeiro o símbolo católico que a "União" quis inscrever em seu estandarte. E é mau o símbolo anticatólico que pretendeu inscrever ao lado da Cruz.

Diz o programa da "União" que ela nada tem de anticatólico, e que até conta com católicos em suas fileiras. O mínimo que se poderia esperar dela seria, pois, que ela nada inscrevesse de anticatólico em seu programa. Já não dizemos que ela pleiteasse algo de positivo no sentido do Catolicismo, o que também seria seu dever, já que tem membros católicos. Mas, pelo menos, que não atacasse a Igreja.

Ora, o que encontramos no programa da "União" é uma defesa categórica do divórcio.

Não temos que entrar aqui na análise das razões por que o divórcio é incompatível com a doutrina católica: fazemo-lo na seção "Comentando...". Baste-nos lembrar que o divórcio é formalmente proibido pela Igreja e que, portanto, nenhum católico pode ser favorável a essa medida. Isto bastaria para que qualquer católico se abstivesse de dar apoio a tal programa. Entretanto, a situação não é simplesmente essa. O divórcio não é tão somente uma medida contrária ao ensinamento da Igreja. Ele fere a doutrina católica em um ponto gravíssimo, fundamental, que se encontra na raiz de todas as concepções morais e sociais da Igreja. Atacar a indissolubilidade do vínculo conjugal é ferir com golpe de morte toda e qualquer organização social cristã, é enterrar o punhal da civilização católica até a copa.

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Ora, antigamente, há coisa de 15 ou 20 anos........ [texto truncado]

Mas esse processo está, hoje, completamente fora de moda. Vivemos sob o signo sombrio e atormentado do demônio da confusão. Confusão em que nós, católicos, só temos que perder, e em que nossos adversários fazem grossa e gorda pescaria em águas turvas. Por isto, são eles mesmos os grandes semeadores da confusão. E, em lugar de organizar um partido anticatólico, pintam com um rótulo semi-católico seu partido divorcista. Por que? Os políticos tem lá suas intuições. Eles percebem que a confusão é hoje tão grande que podem arrastar muito católico com essa manobra. E, por isto, ostentam galhardamente, ao lado do item divorcista de seu programa, algumas gotas de água benta que ainda restam na testa de alguns de seus adeptos.

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O fenômeno é mundial. Todos os inimigos da Igreja são, hoje, camuflados. O nazismo subiu com o apoio do Centro católico, e até seus últimos dias timbra em passar por defender a civilização cristã contra o comunismo. Este prepara uma imensa tentativa para "despistamento" dos católicos. Os protestantes e espíritas procuram uma frente única conosco, contra inimigos comuns que entretanto timbram em dizer que são nossos amigos. Chegou a este ponto de opereta, o ridículo da situação: os espíritas e protestantes nos procuram para se aliar a nós contra o comunismo. E o comunismo redargüi que a aliança não tem razão porque ele é nosso comum defensor contra o nazismo. O qual por sua vez, nos estertores de sua agonia, reclamam uma frente única nazi-católico-reformístico-espírita, contra o nosso grande inimigo, o comunismo.

No meio da tragédia contemporânea, uma nota especialmente trágica é por certo esta, que homens adultos possam entregar-se com relativa seriedade, a uma farsa destas.

Como se vê, está segundo os figurinos da última moda, o programa da União Democrática Radical.