Legionário, 4 de fevereiro de 1945
A grande missão
Plinio Corrêa de Oliveira
No momento em que escrevo, as tropas soviéticas se encontram a algumas dezenas de quilômetros de Berlim. Não sei quando este artigo for publicado, qual será a situação política e militar do mundo. Tudo pode suceder, e a opinião pública vive dias de terrível tensão nervosa. Se de um lado a guerra, dentro de poucas horas, pode ter cessado, também não é impossível que Hitler continue sua resistência no Sul da Alemanha, prolongando indefinidamente as hostilidades. Hitler pode cair de um momento para o outro, derrubado por alguma conspiração palaciana. E pode também resistir até o último instante, negociando ele mesmo a paz com os aliados. Pode ser que ele fuja. Pode ser que se suicide. Pode ser que se entregue à discreção do adversário. Quem sabe se será assassinado? E o que fará de sua comitiva? E de Mussolini? E dos outros satélites que ele teve na Europa afora? De Petain, por exemplo, de Quisling, de Mussert, de Degrelle, que será feito? Graves questões, terríveis questões, que estão longe de ter um aspecto meramente pessoal ou emocional, e influirão a fundo o futuro da humanidade. É rude o ofício de prever o futuro. "Suficit diei malitia sua", diz o Evangelho: "à chaque jour suffit sa peine", traduz um provérbio francês. Deixemos para amanhã as questões de amanhã. E olhemos atentamente para o dia de hoje.
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Percebo dois graves perigos, que se delineiam na situação presente. O primeiro é o "modus" da resistência nazista. O segundo é a renovação dos sistemas de propaganda dos sovietes. Vejamos com precisão, no que consiste esse perigo.
Continua inteiramente verdade, o que escrevíamos a algum tempo atrás. Os nazistas concentram suas forças mais ativas, na resistência aos aliados anglo-americanos, e preferem ceder no front oriental, a depauperar sua resistência no front ocidental. Em outros termos, enquanto os sovietes avançam a passos de gigante, os aliados progridem passo a passo, num caminho eriçado de dificuldades de toda ordem, onde a conquista de cada aldeia custa uma batalha. Hitler não pode ignorar que com esse procedimento ele favorece a bolchevização da Europa, quer porque se cobre assim de um prestígio mais ou menos fictício as armas soviéticas, quer porque a Alemanha pertencerá aquela que nela ocupar, por ocasião do armistício, maior extensão territorial. Hitler vê certamente esse resultado, e age de modo a produzi-lo: é evidente, portanto, que ele quer esse resultado. Assim, pois, praticamente, Hitler está demonstrando que prefere entregar os escombros de sua pátria as bolchevistas do que aos anglo-americanos.
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Suponhamos agora que de um momento para outro, a Alemanha peça a paz. Provavelmente será ocupada por forças militares. Mas, como a extensão já em poder da Rússia é muito maior que a dos aliados, a maior parte do território germânico ficará em mãos dos russos. Que farão eles durante esses meses - ou anos - de ocupação? Evidentemente propagarão suas idéias. Propagá-la-ão na Alemanha, como na Polônia, como na Hungria, como nos Bálcãs ou nos outros territórios que vierem a tomar. O perigo bolchevista se tornará portanto muito mais próximo do que em 1918. E isto não é tudo. Os sovietes vem trazendo em sua bagagem o escol do exército nazista, os generais e oficiais presos em combate, que constituíram em Moscou um "comitê" da "Alemanha livre", qualquer coisa de muito parecido com um "governo títere" à moda dos de Lublin. Não assistiremos a instalação de dois governos na Alemanha, um de títeres soviéticos, e outro de personalidades burguesas e reacionárias favorecidas pelos aliados? Por outro lado, quem pode crer de modo sincero nos militares nazistas que os russos trazem acorrentados a seus carros de vitória? Não estarão, no fundo, mancomunados com Hitler? Não haverá em tudo isto uma vasta combinação entre nazistas e comunistas, dispostos a evitar de qualquer maneira, que a direção do mundo fique nas mãos dos povos anti-totalitários?
São hipóteses. Infelizmente, hipóteses muito plausíveis. Diante delas, a opinião mundial tem um grave dever a cumprir.
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Consiste este dever em apoiar todos os esforços que os Estados Unidos e a Inglaterra fizerem, para guerrear o comunismo na Europa. Humanamente falando, todo o êxito da reação anticomunista depende da lógica, da firmeza dos propósitos anticomunistas dos aliados ocidentais. Da lógica, porque o comunismo tem planos de expansão lógicos e vastos, que não se combatem senão com outros planos igualmente lógicos, vastos e de longo alcance. Da firmeza, porque é preciso por de lado claramente, no momento, qualquer prurido de pacifismo, e levar as coisas tão longe quanto devam ir para que o mundo não se bolchevize. Derrubado o odioso flagelo nazista, o objetivo consiste em extinguir o comunismo, e a esse objetivo se deve sacrificar tudo, mas absolutamente tudo que lógica e licitamente se possa sacrificar. Ademais, o comunismo tem seus agentes declarados, mas tem também seus instrumentos ocultos, e para que a política anticomunista seja bem sucedida, é preciso que as nações ocidentais reduzam a impotência todos os elementos fundadamente suspeitos de conivência com o bolchevismo. Nem Roosevelt, nem Churchill conseguirão os resultados que durem e valham, se não procederem a uma depuração política rigorosa, de todos os agentes disfarçados de bolchevismo.
Se o Ocidente for capaz disto, a civilização cristã poderá evitar a tempestade, e, com a graça de Deus, a evitará. Mas é este o preço caro e duro da vitória.
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A propaganda comunista anda adocicada. Hoje em dia, desapareceu o comunista tipo petroleiro. Os propagandistas de cara patibular, que rondavam em torno dos palácios, dos arsenais, dos bancos, com ares de bandidos sanguinários, incitando em surdina a multidão à rebelião e ao saque, desapareceram. Hoje em dia, o comunista é macio, flexível, jeitoso. Sorri, sorri sempre, sorri para tudo e para todos. Especialmente sorri para nós, católicos. A máscara comunista em moda agora é simpática a todas as religiões, tratável e afavelmente socialista, e infensa a qualquer violência. Não é mais internacional: a III Internacional foi "extinta"... dizem eles. O comunismo dos mocinhos bem vestidos, intelectualóides travessos e barulhentos, algum tanto metidos a grã-finos, eis o comunismo do momento.
A última condição, pois, para a eficácia de uma resistência comunista, é que se veja isto, se diga isto, se mostre isto. Se não nos vacinarmos contra o sorriso comunista, teremos fracassado diante dessa anestesia, depois de termos resistido vitoriosamente à dinamite e ao punhal!