Plinio Corrêa de Oliveira
"In sinu Jesu"
Legionário, N.º 629, 27 de agosto de 1944 |
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Encontrava-me de viagem, quando São Paulo foi surpreendido pela auspiciosa notícia da nomeação de S. Exa. Rev.ma, o Sr. D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, para suceder ao pranteadíssimo D. José Gaspar de Afonseca e Silva, no sólio Arquiepiscopal de São Paulo. Assim, não me foi possível enviar um artigo sobre o acontecimento, e nossa última edição publicou o trabalho que eu já havia deixado feito, sobre Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira. Suspendo por hoje a série que vinha escrevendo sobre aquele grande vulto do passado, para consagrar algumas linhas de saudação e homenagem ao ilustre Prelado de nossos dias. Não há mal em que essas palavras fiquem insertas em uma série destinada ao grande Dom Vital. É bom que interrompamos momentaneamente a comemoração do mais glorioso de nossos Bispos de outrora, para prestar nossa homenagem ao Prelado que nos foi enviado pela honrosa designação do Vigário de Jesus Cristo e que, como Bispo da Santa Igreja, é herdeiro da glória e continuador da obra do grande mártir pernambucano. * * * No dia de hoje não é possível não falar de D. José. O aniversário de sua morte enche de tristeza toda a paulicéia. Mas a Providência não permitiu que passássemos este dia na orfandade. Deu-nos novo Pastor, e por uma curiosa coincidência não há palavras que melhor possam exprimir a impressão geral dos paulistas, contemplando na imprensa as primeiras fotografias de seu novo Arcebispo, do que as que Dom José colocou nas linhas liminares de sua inesquecível Pastoral de Saudação, descrevendo com sua costumeira eloquência a figura veneranda de Dom Duarte Leopoldo e Silva: "Magro e esguio, austero e firme, brilhavam-lhe no rosto, queimado aos sóis das visitas pastorais, a uns olhos tranqüilos, acostumados a contemplar o íntimo da alma e a testemunhar no exterior a sinceridade da consciência". Não sabia o pranteadíssimo Prelado que, descrevendo o seu antecessor, descrevia com as mesmas palavras o seu sucessor. Entre Dom Duarte e Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos, a semelhança se nota no primeiro lance de olhos. Essa figura veneranda nos vem aureolada por toda uma existência transcorrida no estrênuo serviço de Deus. Quer no humilde mister de pároco de pequena localidade do interior, quer na tarefa difícil entre todas de superintender a formação de futuros levitas do Senhor, quer na missão nobre e delicada de amparar no leme de uma grande Arquidiocese a ancianidade de um Pastor alquebrado pelos anos e pelo trabalho, quer ainda no governo exercido com sabedoria e prudência sobre um dos recantos de maior significação espiritual e material, para o passado e o futuro deste nosso imenso Brasil, sua experiência pode entesourar conhecimentos que constituíram como que um curso especializado para a compreensão de todos os problemas de uma grande Arquidiocese moderna. Sentiu o novo Arcebispo vibrar em seus anelos mais profundos a meiga e humilde alma popular de nossos sertões. Bem junto ao seu peito de Pai e Mestre, pulsou o coração ardente e apostólico das novas gerações chamadas pelo Senhor para o amaino de Sua vinha. Ele lhes sentiu os problemas, as inclinações, as apostólicas aspirações. Sob a direção provecta do Arcebispo de Diamantina, deu os primeiros passos na direção espiritual diocesana, imbuindo-se, ao lado daquele Venerando Prelado das mais genuínas tradições de espírito e governo, do Episcopado Nacional. Finalmente, a Santa Sé o colocou em São Luís do Maranhão, onde em uma prolongada experiência pode consumar suas qualidades pastorais. Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota vem, pois, a São Paulo, trazendo-nos, além do tesouro que é o seu coração de Bispo, o tesouro não menor de sua sólida inteligência, enriquecida por todos os predicados que a experiência prolongada e multiforme, e só ela, pode dar aos homens de governo espiritual ou temporal. Os dois Arcebispos que São Paulo teve foram figuras absolutamente excepcionais. Nosso terceiro Arcebispo parece fundir em sua personalidade alguma coisa de cada um deles. Por sua origem aristocrática, pela nobreza de seu porte severo e imponente, lembra Dom Duarte. Vindo de Minas, como Dom José, traz consigo no coração, por certo, muito daquela doçura do meigo coração mineiro, com que Dom José tanto encantou a alma paulista. * * * O lema de Dom Duarte era "Ipse firmitas et autoritas mea" - "É Cristo, minha firmeza e minha autoridade". Firmeza para quê? Autoridade para quê? O lema de Dom José parecia um complemento ao lema de Dom Duarte: "Ut omnes unum sint" - "Para que todos sejam um". Firmeza, autoridade, que não tem outro objetivo senão conservar a unidade de todos, aquela unidade que era a suprema aspiração do Coração de Jesus. Mas unidade em torno de quê, no quê? O lema de Dom Carlos Vasconcelos parece por sua vez uma resposta, um complemento, do lema de Dom José. Devemos ser todos um, sim, todos um "In sinu Jesu" – “Junto ao peito de Jesus". Eis aí o centro adorável da unidade espiritual de todos os fiéis. Assim, pois, os lemas de nossos três Arcebispos se completam reciprocamente, continuam-se um ao outro, como um esplêndido símbolo de continuidade de governo. * * *
Santa Gertrudes de Helfta (ou Santa Gertrudes a Grande) foi uma beneditina, mística e teóloga alemã. Nasceu em 6 de Janeiro de 1256 e julga-se que terá sido na aldeia de Helft, em Eisleben, na Alta Saxônia, na (Alemanha). Faleceu em Helfta, em torno de 1302 e foi canonizada pelo Papa Clemente XII no ano de 1677. Em suas admiráveis revelações Santa Gertrudes tem palavras que explicam perfeitamente o lema do novo Arcebispo. Diz ela: "Como ela (a Santa fala de si na terceira pessoa, por humildade) visse suas outras irmãs se dirigir ao sermão, queixou-se ao Senhor nestes termos: "Vede, meu Bem-Amado, que eu gostaria de ouvir o sermão, se não estivesse retida pela moléstia". O Senhor lhe respondeu: "Queres, minha bem-amada, que Eu te pregue, Eu mesmo, o sermão?" "Desejo-o ardentemente", respondeu ela. O Senhor a atraiu então a Si, de tal maneira que seu coração repousava sobre o Coração divino. Depois de ter saboreado esse doce momento de repouso, ela sentiu bater o Coração de Jesus com dois modos admiráveis e soberanamente doces. O Senhor lhe disse: "Cada uma dessas pulsações de Coração opera a salvação dos homens de três modos: a primeira opera a salvação dos pecadores, a segunda a dos justos. Pela primeira pulsação de amor, Eu invoco incessantemente o Padre Eterno, Eu o satisfaço e inclino à misericórdia. Em seguida, falo a todos os meus Santos, e, depois de ter advogado perante eles a causa dos pecadores com o zelo e a fidelidade de um irmão, Eu os excito a rogar por essas pobres almas. Em terceiro lugar, Eu me dirijo ao próprio pecador, e o chamo misericordiosamente à penitência, esperando em seguida sua conversão, com um desejo inefável. Pela segunda pulsação de Meu Coração, convido antes de tudo o Padre Eterno a se regozijar comigo por haver tão utilmente efundido Meu Sangue pela redenção dos eleitos, pois que agora me delicio com suas almas. Em segundo lugar, excito a milícia celeste a celebrar por louvores a vida tão santa dos justos, e a Me agradecer por tantos benefícios de que os gratifiquei e ainda gratificarei. Enfim, dirijo-Me aos justos, e lhes dou provas dulcíssimas de Meu amor, excitando-os com invencível perseverança a progredir dia a dia e hora a hora. E como o bater do coração humano não é interrompido nem pela ação da vista, nem do ouvido, nem do trabalho manual, do mesmo modo o governo do Céu, da terra e do universo inteiro não poderá, até o fim do mundo, nem suspender por um instante, nem retardar, nem impedir este doce bater de Meu Divino Coração". (Sta. Gertrudes, "O Arauto do Divino Amor", tradução segundo a edição de Solesmes, Mame e Fils, editores, Paris, vol. 1, pg. 268). Assim, pois, o programa de governo do novo Prelado - "In sinu Jesu" - consiste em abrir de modo mais franco possível os mananciais de vida que brotam do Coração de Jesus, de inserir toda São Paulo, com seus palácios e suas oficinas, com seus centros de estudo e de diversão, de arte e de trabalho, no grande e adorável movimento de sístole e diástole, que inunda a Cristandade com as graças brotadas do Coração de Jesus, e que leva para o Coração de Jesus todas as almas que Ele quer salvar. Fidelíssimo devoto de São João Evangelista, o novo Arcebispo quer que a seu exemplo todos nós tenhamos os ouvidos atentos às pulsações adoráveis do Coração Divino. Elas, e só elas saberão apagar dentro de nós o tumulto das paixões desregradas, o fragor das rivalidades, das cóleras, dos rancores que dilaceram o mundo contemporâneo. Ao som divinamente suave dessas pulsações, ouviremos a Verdade, seremos inundados pela Vida, e na sístole e diástole espiritual do Coração de Jesus encontraremos o Caminho. Não poderia haver mais belo programa. Para nós, paulistas, esse programa constitui, nos lábios do novo Pastor, uma confortadora esperança, um santo estímulo a um devotamento irrestrito, a uma filial e respeitosa cooperação. |