Vimos em nosso último artigo que a questão mais
saliente que se punha aos olhos do novo Bispo de Olinda
era o reerguimento espiritual das irmandades,
instrumentos prediletos da ação da Igreja para a reforma do mundo, infectados
entretanto, em toda a extensão do território nacional pelo espírito de marasmo,
de relaxamento e de minimalismo mais grosseiro. As
reformas espirituais são sempre complexas, e no caso concreto se agravavam
porque no tronco vetusto das irmandades se enleara a
trepadeira venenosa da maçonaria. Não se tratava, pois, de um simples reerguimento
de nível espiritual em associações deterioradas pela tibieza. Era preciso antes
de tudo desenleiar a maçonaria das irmandades em que se infiltrara.
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As idéias que nosso público tem sobre maçonaria são
bastante imprecisas, percorrendo todas as gamas desde a certeza simplória de
que a maçonaria é uma sociedade secreta organizada para beneficência, até os
exageros blasfemos da propaganda nazista que aponta na maçonaria um instrumento
judaico ligado a outro instrumento também judaico - o Cristianismo - para a semitização do mundo Ocidental.
Desprezando as informações de fonte profana e
atendo-nos exclusivamente aos documentos pontifícios vemos que desde 1738 a
Santa Sé vinha denunciando à Europa monárquica e cristã os manejos ocultos do
"Pedreiros Livres" que tramavam nas sombras a ruína da Igreja e de
toda ordem política e social conformada por seu espírito. De então até os dias
de D. Vital os documentos
pontifícios se sucederam ininterruptos sustentando invariavelmente a tese de
que a maçonaria, instrumento do demônio, era a inimiga máxima da Igreja, a cuja
direção diabolicamente astuta obedecem todas as heresias
e cismas, todos os fautores de imoralidades e crimes que constituem no mundo o
exército de satanás. Por isso, Pio IX, que governava a Igreja universal, ordenou que aplicasse
a pena de excomunhão a todos os maçons que se recusassem a abandonar a seita
satânica.
Se, pois, de um lado D. Vital tinha todos os
motivos para expurgar das irmandades os
"Pedreiros Livres" tais motivos se transformavam em obrigação
canônica, imperiosa por força de um ato da Santa Sé.
Assim, a regeneração das irmandades
se complicava com outro problema: a declaração da guerra aberta contra a
maçonaria.
Uma questão traz outra. A luta
contra a maçonaria representava um ataque a uma instituição potentíssima
em si mesma, escudada além do mais em duas forças de primeira grandeza: as
tradições acomodatícias do País e o governo imperial.
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Percebendo o natural pendor de nosso povo para a
acomodação, a conciliação entre duas coisas inconciliáveis e a pacífica
justaposição de coisas que "hurlent de se trouver ensemble", a
maçonaria tratou de recrutar prudentemente em seus graus inferiores todas as
pessoas que pudessem convencer o povo de que seriam irreais os projetos
subversivos e descristianizadores que lhe eram
atribuídos pelos Papas. Condes, barões, generais, Padres, pertenciam em número
não pequeno às lojas maçônicas, onde tomavam parte em reuniões aparatosas e
tolas, enquanto na "arrière
loge"
se conspirava contra o Clero, o Exército e a aristocracia.
O próprio D. Pedro I pertencia à maçonaria
sem saber que se filiava assim ao maior foco de propaganda republicana de seu
país.
Todas estas aparências acreditavam a versão de que
"no Brasil a maçonaria não é má". Por outro lado, a
mentalidade religiosa do tempo se inclinava sempre mais para a idéia falsa de
que a caridade cristã se opõe à qualquer luta, ainda que com o próprio diabo.
Todas as forças de inércia se opunham a que D. Vital rompesse com a maçonaria.
Uma luta contra esta instituição deslocaria de tal maneira todas as idéias
preponderantes que implicaria numa verdadeira crise de mentalidade.
Veremos em nosso próximo artigo como esta crise
agravava a luta política que se delineava entre o Governo Imperial e a Igreja.