No próximo dia 27 de novembro celebrar-se-á o
primeiro centenário do nascimento de D. Vital. Em Pernambuco vai intenso o
trabalho para que essa data tenha todo o brilho que merece. Movimentam-se os
PP. Capuchinhos, de quem o grande Bispo é a justo título “laetitia, gloria et honorificentia” . A revista
“Dom Vital”, órgão da Ordem Terceira de São Francisco, vem há tempo apresentando colaboração fartíssima e de
escol, sobre o grande mártir da maçonaria. As Congregações Marianas, a revista “Tradição”, o grupo brilhante de intelectuais que colaboravam na
revista “Fronteiras” sob a direção do Pe. Fernandes e de Manuel Lubambo, todos multiplicam iniciativas e esforços para que o
acontecimento mais marcante deste ano seja o centenário de Dom Vital. É preciso
que todo o Brasil se associe a esse
movimento. Dom Vital não é apenas um grande Bispo de Recife, um ilustre filho do Estado de Pernambuco: Dom Vital é um
nome nacional, uma glória do Brasil inteiro. Seu nome é um símbolo, um
estandarte, um programa. É ao Brasil inteiro que cumpre celebrar o centenário
de Dom Vital. Jackson de Figueiredo restituiu ao
primitivo fervor a figura de Dom Vital, já um pouco esquecida quando o grande
apóstolo leigo do nordeste iniciou entre nós suas famosas campanhas. Hoje, pelo
Brasil inteiro, os admiradores de Dom Vital constituem uma legião. Foi-se o
tempo em que era permitido fazer pequeninas e veladas restrições à figura do
grande e santo herói pernambucano. Essas reticências manhosas, ditadas pelo
espírito de prudência humana, já não têm o menor direito de cidadania no mundo
intelectual católico. Não é verdade que Dom Vital “poderia ter sido mais
prudente”. Não só não poderia, como não deveria. Di-lo Pio IX na carta em que
aprovou por fim toda a sua conduta. Di-lo a verdadeira História. E é nesta
afirmação que se congrega o consenso geral de nosso Episcopado. O Exmo. Revmo. Sr. Dom Marcolino
Dantas, bispo de Natal e uma das figuras
de maior realce do Episcopado Nacional não exprimiu apenas sua opinião, mas o
pensamento dominante no Episcopado quando escreveu para a revista “Dom Vital”
as seguintes palavras:
“Bispo número 1 do Brasil!
“Inteligente, culto, piedoso e enérgico.
“Claramente iluminado pelo Espírito Santo, tais
eram suas decisões acertadas e precisas e as suas atitudes invulgares e
corajosas.
“No cumprimento do dever, a sua vida é uma linha
reta, não temia nada, enfrentava tudo.
“A festa do seu centenário de nascimento é uma
dívida de gratidão do Brasil católico.
“Quando ele for elevado às honras dos altares, com
o devido acatamento aos altos juízos da Igreja, a festa tocará, então, ao auge
do entusiasmo e sua devoção ganhará o mundo inteiro.
“Sou, sem restrições, seu constante admirador”.
Pela pena do ilustre Bispo de Natal falou a voz
oficial da História.
*
* *
De um modo geral, nosso público conhece Dom Vital.
Mas conhece-o confusamente. Sabem todos que ele foi
Bispo de rara valentia, que enfrentou consideráveis perigos para derrotar a
maçonaria. Mas a valentia, quando se trata da defesa do bem e da
verdade, não é hoje virtude muito apreciada pelas massas. Se Dom Vital fosse
apresentado em quadros e retratos acariciando criancinhas, sorrindo para as
multidões, abençoando, distribuindo esmolas, atitudes todas elas, aliás, muito
próprias de um Bispo, seria fácil
constituir em torno dele um halo de popularidade. Mas o Dom
Vital que os quadros apresentam é um Bispo ainda jovem, de traços harmoniosos e
fortes, fronte larga e audaciosa, olhar profundo, grave, cintilante de
inteligência e energia, longa barba negra e viril, porte nobre e vigoroso.
Sente-se nele a fibra do batalhador, do "miles Christi". Tem-se a impressão de que
ele fita o Visconde do Rio Branco, ou de que está sentado no banco dos réus
cravando o olhar sereno e penetrante no semblante confuso e indeciso de seus
juizes, majestoso como se estivesse em seu sólio episcopal. Se é verdade que
"christianus
alter Christus",
a fortiori
é verdade que "Episcopus alter Christus". Havia de tudo na adorável fisionomia
moral de Nosso Senhor, desde a ternura inefável com que exclamava "deixai
vir a mim os pequeninos", ou "tenho pena desta multidão", até a
terrível majestade com que prostrava por terra seus adversários, dizendo-lhes
simplesmente "sou Eu - Ego sum". Há de tudo na fisionomia moral do Bispo da
Santa Igreja, desde a ternura até a severidade pastoral. Mas Nosso Senhor
concede a cada um a graça de ilustrar a Igreja pelo brilho de uma faceta
espiritual particular. A uns, suscitou para que edificassem a Cristandade pelo
esplendor de sua ternura. Foi destes o grande S. Francisco de Salles.
A outros
suscitou para que a defendessem pela pugnacidade e pela energia. Foi destes São
Gregório VII, foi destes o nosso grande Dom Vital. Em seu coração
havia tesouros de bondade e de ternura. Foi essa bondade, foi esse manancial de
ternura que o forçou a levantar-se como um gigante, expondo vida, saúde,
tranqüilidade, reputação, perdendo amizades inestimáveis e adquirindo
inimizades sem conta, tudo para defender as almas que a maçonaria tragava para
o inferno. É um ato de ternura, de autêntica e genuína ternura pastoral,
"quebrar os queixos do iníquo e tirar‑lhe a presa dentre os
dentes" (Jó, XXIX, 17). Gabava‑se Jó de o ter feito, de ter
"livrado o pobre que gritava, e o órfão que não tinha quem o
socorresse" (ib,12). Quando Dom Vital ascendeu ao sólio arquiepiscopal de Olinda e Recife, eram
muitas as vítimas inocentes que gemiam "nos queixos do iníquo", eram
sem conta os "pobres que gritavam, os órfãos que não tinham quem os
socorresse". Se Dom Vital tivesse fulminado com excomunhões os autores de
tropelias materiais contra viúvas e órfãos, teria os aplausos do Brasil
inteiro, e ninguém deixaria de celebrar a caridade que inspirava sua justa
severidade. Mas as tropelias não eram materiais e sim morais. Vivemos em uma
época de materialismo, que só considera como males os que atingem o corpo. Eram
almas, almas imortais e espirituais, remidas pelo Precioso Sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo, que se perdiam diariamente nas confrarias maçonizadas. A perda de uma só dessas almas seria mal muito
maior do que a extinção do sol, o choque da terra com a lua, ou o
desaparecimento da cidade de Recife sob as águas do oceano. Dom Vital seria mil
vezes mais cruel se cruzasse os olhos ante essa tragédia espiritual, do que se
no conforto de seu palácio cerrasse os ouvidos aos gemidos de viúvas indigentes
e de órfãos pedindo pão. Foi para o cumprimento desse grande dever da caridade
pastoral, de caridade espiritual, que Dom Vital se ergueu como um gigante no
cenário pacato e sonolento da Brasil do século XIX.
Desta caridade, não há símbolos materiais e
comovedores. Dar pão aos pobres, é ação que se pode pintar de modo encantador.
Não se pode pintar alguém no ato de "quebrar os queixos do iníquo"
(Jó, XXIX, 17), sem sangueira, ossos deslocados,
dentes esparramados pelo chão. Ora, positivamente, isto não é encantador. Para
se compreender que dar pão aos pobres é nobre, justo, louvável, cristão, basta
olhar para o quadro que representa a cena. Para se compreender a utilidade da
intervenção efetuada nos "queixos do iníquo" pelo homem bom, é
preciso pensar longamente. Ora, ninguém gosta hoje de pensar, sobretudo quando
se trata de pensar longamente. Não espanta, pois, que atos de caridade como os
de Dom Vital sejam cada vez menos compreendidos pela massa.
* * *
Nisto, precisamente nisto, está a meu ver um dos
aspectos mais providenciais da missão de Dom Vital. Seu grande exemplo mostra
que a alma vale mais que o corpo, e que é forçoso fazer, para a defender dos
adversários, mais do que se faz pelo corpo. Seu grande exemplo mostra que se
todo o coração verdadeiramente cristão deve preferir sempre a concórdia à luta,
a brandura à pugnacidade, a conciliação ao conflito, há casos em que a luta é
um dever, o conflito uma necessidade, a pugnacidade uma virtude sem a qual se
cai em pecado mortal. Seu grande exemplo mostra que o dever se deve cumprir sem
covardia, nem diminuição, nem vacilação, e que, pelo contrário, se deve
caminhar, caminhar com passo de gigante, caminhar até a última e mais áspera
culminância no cumprimento do dever. Que a alma vale tanto, que em defendê-la
toda a valentia é pouca, toda a energia bem empregada, todos os meios lícitos
de resistência louváveis. Que se deve ir aos extremos, no cumprimento do dever,
como Nosso Senhor, que não renunciou à Cruz na via da amargura, mas que a levou
santamente até o Calvário, sobre ela se deitou voluntariamente, nela se deixou
voluntariamente cravar, e nela morreu porque quis, até o fim cumprir o dever,
obedecer à vontade do Pai.
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* *
O Século XIX aplaudiu Renan, e o Cristo edulcorado que suas obras ímpias descrevem.
Sei de um católico (?!) que faz leitura espiritual em Renan,
achando que esse grande inimigo de Jesus Cristo pintou melhor o Mestre do que o
pintaram os doutores da Igreja. A resposta a esta deformação ímpia da adorável
Pessoa de Nosso Senhor, deu-a a Providência no próprio século XIX, suscitando
nos rincões dessa orla do mundo que era a América Latina, de então, um Pastor
segundo o Coração de Jesus, fiel e límpido reflexo do Bom Pastor, que sabe
discernir e expulsar o lobo voraz, que sabe dar a vida por suas ovelhas.
Dom Vital é uma réplica do
Espírito Santo a Renan. Não foi sem um grande e
profundo desígnio que essa réplica foi dada no Brasil.