Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Católicos, cismáticos, comunistas - II

 

 

 

Legionário, N.º 621, 2 de julho de 1944

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Elucidamos, em nosso último número, a posição dos cismáticos perante os Católicos. Seus Bispos são verdadeiros Bispos; seus padres verdadeiros padres; seus sacramentos verdadeiros sacramentos. Mas como estes bispos e padres estão revoltados contra Roma, não tem nenhuma autoridade para ensinar ou governar os fiéis. A situação destes padres ou bispos é a mesma de qualquer clérigo que apostate do catolicismo: estão de tal modo maculados pela peste que nem sequer se pode ter com eles a menor comunhão de culto. Receber seus sacramentos - excetuada situações muitos especiais, in articulo mortis - constitui pecado mortal.

Repetimos nenhuma diferença existe, pois, entre um sacerdote da igreja cismática, e outro que apostate da Igreja Católica. Uns e outros são revolucionários autênticos. E dos piores. Se nada há no mundo que mais se assemelhe a um Anjo que um Padre ou a um Bispo, nada se assemelha a Lúcifer, Anjo revoltado e decaído, do que um bispo ou um padre apostata. O movimento pelo qual os numerosos bispos e padres do Oriente se revoltaram contra Roma é um "simile" perfeito dos Anjos maus revoltando-se contra Deus, caindo de seus tronos, precipitando-se nos infernos, mas conservando a despeito de sua infâmia total, de sua abominável perversidade, de sua imundice maciça, a dignidade da natureza angélica. É assim um Bispo, um Padre que abandona a Igreja, e que conserva sempre o caráter sacerdotal. Tais foram os Bispos e Padres que se revoltaram contra Roma e formaram o "Cisma do Oriente".

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No inferno só há ódio. Na heresia, no cisma, só há divisão. Aos poucos a hierarquia cismática se foi dividindo em pequenas igrejas nacionais, todas elas dependentes do poder temporal. Entre outras igrejas cismáticas nacionais, formou-se a da Rússia. Assim, pois, não pensemos que a imensidade de Bispos e Sacerdotes de vistosa e singular indumentária, que vemos espalhada por todo o mundo eslavo, nos Balcãs, na Ásia, constituam um corpo homogêneo. Além de que muitos deles são católicos, apostólicos, romanos, em união e comunhão com a Santa Sé, os outros se fragmentaram em numerosas unidades religiosas "autocéfalas" - empreguemos o termo clássico - isto é, que se governam por sua própria cabeça. Mas, quando os homens se governam só por sua própria cabeça, desprezado o pastoreio sobrenatural e suave de Roma, de fato caem no desgoverno. O espírito humano, trincado pelo pecado original, não é mais capaz de "autocefalia". Ou o governa o Espírito Santo por meio de Roma, ou o governa o despotismo de suas paixões, ou o governam os tiranos deste mundo.

Uma e outra coisa - o governo das paixões e dos tiranos - atirou a infeliz Rússia a uma situação religiosa lamentável. O Cristianismo católico, o autêntico portanto, levou séculos inteiros, a embeber gradualmente, mais e mais, a substância humana selvagem dos bárbaros europeus. Na Rússia, esse trabalho lento da graça ficou paralisado e entravado pelo cisma. A generalidade dos russos é de cristãos. Mas a personalidade russa não se cristianizou a fundo.

Toda a economia da graça em terras de cisma é muito diferente da plenitude e abundância que ela tem na Igreja de Deus. Por outro lado, o magistério dos cismáticos é inerte, falho, ineficaz. Daí a formação de uma piedade popular, intensa sem dúvida, mas pouco esclarecida, impregnada de influências heterogêneas, exaltada e por tudo isto muito inclinada ao iluminismo, à exaltação a uma espécie de quietismo espírita, etc., etc. Dentro da própria igreja cismática russa, formaram-se numerosas sub-heresias, heresias da heresia, que constituíram outras tantas igrejolas extra-oficiais, com hierarquia e culto próprios, mais ou menos parecidas com a igreja cismática oficial. Por fim, os bispos cismáticos caíram inteiramente sob o domínio dos czares, e se transformaram em meros funcionários do trono. Weiss [famoso historiador austríaco, n.d.] conta que segundo a tradição remotamente procedente dos tempos anteriores ao cisma, a influência do Poder Espiritual era tão grande que, quando o Patriarca de Moscou montava a cavalo, o czar lhe segurava o estribo. Pelo contrário, como efeito da ruptura com Roma, os bispos cismáticos se foram tornando tão e tão fracos que por fim esse rito cessou, e algum tempo depois a própria dignidade de chefe da igreja russa foi abolida, e suas atribuições transferidas ao imperador.

Para que se tenha idéia da putrefação em que liquidava lentamente a igreja cismática russa, basta citar um fato mencionado por Joseph de Maistre. Quando os bispos cismáticos tinham que assinar suas declarações de fé, nos documentos oficiais, declarações imensas que vinham antes do cisma, faziam-no sorrindo de desdém. No fundo, já não criam no que subscreviam: todos tinham uma formação protestante, uma mentalidade protestante, e tal qual os bispos anglicanos, criam no que bem entendiam, isto é, criam em pouco mais que nada.

E não espanta. Nos seminários cismáticos russos, a desordem era tão formidável, o espírito de tal maneira péssimo, que as greves dos alunos contra os reitores se faziam... de revólver em punho!

Esta a situação que irrompeu na Rússia na revolução comunista. Entre os revolucionários, estava um jovem ex-seminarista. Seu nome era Joseph Stalin.

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A generalidade dos bispos cismáticos era anticomunista, não só por tradição, como pelo profundo sentimento monárquico que a animava. Por outro lado, o comunismo se apresentava ostensivamente anti-religioso. Ele forçava à hostilidade os escombros da Igreja Cismática que vieram do regime imperial. Fechou igrejas, matou sacerdotes, bispos, massas inteiras de fiéis. Um duplo movimento se delineou então. Com os russos brancos, que emigraram para o exterior, foram vários eclesiásticos cismáticos, que se constituíram no chamado "sínodo de Carlovac" em uma "Igreja russa exilada", reunido sob sua obediência os "popes" ou sacerdotes russos-cismáticos do mundo inteiro. Outros sacerdotes continuaram a manter o culto na Rússia, mais ou menos perseguidos ou tolerados pelos "sovietes", que não tardaram a sentir que não podiam extinguir de vez a religião na URSS. A princípio, esses sacerdotes foram tenazmente perseguidos. Um ou outro apenas, trabalhava com a tolerância do governo russo. Muitos deles, se venderam ao comunismo, e faziam de permeio com suas prédicas religiosas propaganda soviética. Outros, faziam espionagem e viviam às custas dos fundos secretos soviéticos. Na aparência, fugiam da polícia. Na realidade, eram polícia, e da genuína.

Foi nessa atmosfera de suprema tensão de espírito para alguns raros cismáticos sinceramente anticomunistas, e de franca conivência dos outros com o comunismo, que se operou uma transformação imensa: Stalin cessou de certo modo a perseguição, "flirtou" descaradamente à igreja cismática, e, sob pretexto de a reorganizar, colocou nela suas mais devotadas criaturas. Eram um "ersatz" religioso. Padres de fancaria, que não tinham ordens sacras nem estudos, bispos postiços, sem caráter sacramental... nem moral, antigos agitadores, aventureiros, de permeio com alguns renegados das antigas fileiras cismáticas. É essa a composição humana da "igreja" do Sr. Stalin, nas quais os aventureiros tem ainda maior influência que os renegados. Stalin ainda não se "converteu" a esta "igreja". Mas está como Voltaire que, certa vez, passou diante de uma igreja católica descobriu-se, e disse a um amigo: “Deus e eu ainda não nos falamos, mas já nos cumprimentamos”. Stalin e os cismáticos "já se cumprimentam" e daqui a pouco estarão se falando, e daqui a pouco mais estarão se abraçando.

É este o grande "bluff" da conversão staliniana.

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As peripécias da "igreja" constituída com o Sínodo de Carlovac não foram menores. Ferozmente anticomunistas, sonhando com uma Rússia por fim regenerada e libertada, russos até o fundo da alma e incapazes de pensar em outra coisa senão na Rússia, os bispos, padres, fiéis da igreja Carlovac olhavam para as falanges nazistas com os olhos esperançosos com que os católicos franceses, sob o jugo de Robespierre, esperavam a vitória dos austríacos. Ou, como os católicos alemães devem esperar hoje a vitória dos aliados. Hitler percebeu isto. E fez o que sempre costumava fazer: intrigou, subornou, mentiu, e transformou bom número de adeptos do Sínodo de Carlovac em nazistas fanáticos.

Foi este o fim da tragédia da Igreja cismática. Enquanto Pio XI condenava ao mesmo tempo o nazismo e o comunismo, firmando a independência da Igreja Santa de Deus diante dos dois ídolos do século, a Igreja cismática ou antes os fragmentos da igreja cismática se dividiam em dois grupos: os servidores de um ídolo, os do outro ídolo. Era o fim do fim. A desolação completa, a abominação da desolação. Estava morta a igreja cismática.

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Isto dito, mostraremos em nosso próximo artigo:

a) que a aproximação de Stalin com os cismáticos evita a esperada fusão de cismáticos e católicos, porque dá nova força à "igreja cismática";

b) que ela será um meio de diluição do sentimento religioso russo, uma aplicação dos métodos da "quinta coluna" nazista, para acabar pela perfídia com uma religiosidade que a violência não exterminou;

c) que ela servirá de meio de propaganda para os partidos comunistas do mundo inteiro, precisamente como os totalitários exploraram a concordata com a Alemanha e sobretudo o aliás benemérito Tratado de Latrão.


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