Plinio Corrêa de Oliveira
Católicos, cismáticos, comunistas - I
Legionário, N.º 620, 25 de junho de 1944 |
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Na semana passada, fez bastante barulho pela imprensa um “Padre Dmitrio Tkactchenco” intitulado ora “representante da Igreja Ortodoxa Patriarcal de Moscou”, ora, mais vistosamente, “Patriarca da Igreja Ortodoxa Russa em toda a América do Sul”. Mais particularmente, devem destacar-se, sobre o assunto, uma extensiva entrevista telegráfica publicada pelo “Estado” do dia 15 pp. Em lugar de destaque, e a reportagem organizada pelos “Diários Associados” sobre um encontro que esse “bispo”, “padre” ou “patriarca” teria tido em certo lugar no Rio com alguém. A reportagem dos “Diários Associados” foi publicada nesta Capital pelo “Diário da Noite” do dia 16 próximo passado. Antes de resumir os ditos e feitos do rumoroso personagem, convém dizer sobre ele duas palavras. Antes da grande crise religiosa que culminou com Fócio e Miguel Cerulário, todos os países da Cristandade professavam a mesma doutrina, obedecendo ao mesmo Pastor, isto é ao Papa, vivendo dos mesmos Sacramentos, e constituindo um só rebanho; era a Igreja Católica. Se em todas as coisas essenciais a união era completa, a Igreja, amiga de uma sábia variedade dentro de uma forte unidade, permitia a existência de consideráveis diferenças nas coisas acidentais. A legislação canônica, os paramentos, os trajes eclesiásticos, a liturgia dos católicos do Oriente – Balcãs, Rússia, Ásia Menor, etc., - eram diferentes em muitos pontos, da legislação canônica, dos paramentos, dos trajes eclesiásticos e da liturgia em uso no Ocidente. Essas diferenças, repetimos, versavam sobre coisas meramente acidentais. Mas, segundo elas, se dividia a Cristandade em dois grandes blocos harmônicos e irmãos; os gregos e os latinos, ambos igualmente integrados na Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. Infelizmente, a vaidade teológica e patrioteira dos Bispos do Oriente, açulada pelos pruridos regalistas dos imperadores de Bizâncio, os mantinha em estado de perpétua desconfiança para com o Vigário de Cristo na terra. Aos poucos, as relações entre os Bispos do Oriente, chefiados pelo Patriarca de Constantinopla, e a Santa Sé, se tornaram tensas. A tensão cresceu cada vez mais. E, por fim, culminou, com Fócio e Miguel Cerulário, em uma verdadeira separação. Os Bispos do Oriente, em sua grande maioria, se revoltaram contra o Papa, e arrastaram atrás de si os respectivos rebanhos.
Apareceu, então, neste cenário tormentoso, um primeiro elemento de confusão. Como a grande maioria dos Orientais se separou da Igreja, constituindo uma igreja independente, a opinião pública, que se impressiona muito mais com as aparências que com as realidades, identificou aos poucos as diferenças externas de liturgia e indumentária do Clero do Oriente, com as diferenças de doutrina. E, aos poucos, chegou a ver nas diferenças exteriores não só a expressão tangível do dissídio, mas a própria causa e substância dele. Ora, nada mais falso. Não é pela diferença dos paramentos, ritos e idioma litúrgicos, nem por algumas diferenças secundárias do Direito Canônico, que a separação se deu. Nem é por isto que ela se mantém. A separação se originou do fato de não quererem os Orientais reconhecer o primado do Romano Pontífice, sua universal e plena jurisdição sobre toda a Igreja. E daí uma conseqüência muito importante: os poucos Bispos Orientais que, com os respectivos diocesanos, ficaram fiéis a Roma, unidos a ela tanto quanto qualquer Bispo brasileiro, espanhol ou francês, se parecem muito mais, pela indumentária e liturgia, com os Bispos separados de Roma, que com os Bispos católicos do Ocidente. É fácil de compreender que, para o povo, que tende sempre a ver nas aparências a própria substância das coisas, esta situação cria um imbroglio difícil de esclarecer. Dos Bispos e Padres que não se trajam como os demais, que usam idioma e ritos litúrgicos diversos dos demais do Ocidente, alguns são católicos, outros não. Como explicar o fato? O modo mais simples consiste em apontar desde logo o nó originário da questão: uns aceitam o Papa e são portanto católicos; outros não aceitam o Papa e não são católicos... Entre estes que não aceitam à autoridade, nem doutrinária nem jurisdicional do Papa, está o “padre”, “bispo”, ou “patriarca” Tkactchenco, que pura e simplesmente não é católico. Esse “padre”, “bispo”, ou “patriarca”, não sendo católico, não estando em união e comunhão como Papa, tem na Igreja de Deus tão pouca autoridade doutrinária ou governativa, quanto o “Father Divine”, famoso medium espírita dos Estados Unidos; quanto o Dalai Lama [...].
Então, qual sua posição exata perante a Igreja Católica? A de algum “pastor” protestante, luterano digamos? Sim e não. Sim, no sentido de que nem um nem outro tem a menor autoridade para ensinar aos fiéis da Igreja Católica, a doutrina verdadeira. Sim, no sentido de que nem um nem outro tem o direito de impor ou proibir qualquer católico algum ato com ordem à salvação eterna. Sim, no sentido de que o católico não pode nem deve participar dos atos de culto realizados por um ou outro nas respectivas igrejas. Não - e entra aí mais um fator de confusão para as pessoas ignorantes – em outro sentido; um “pastor” luterano não tem do Padre senão a indumentária e o vão título. O “bispo” cismático pode ser verdadeiramente um Bispo; um “padre” cismático pode ser um verdadeiro Padre. Bispo rebelde, sem nenhum poder de ensinar nem governar; Padre rebelde, sem nenhum poder de ensinar nem governar. Isto não obstante, verdadeiro Bispo, verdadeiro Padre. Como? O que lhe resta de verdadeiramente “episcopal”, de verdadeiramente “sacerdotal”, se não pode nem ensinar os fiéis, nem governá-los espiritualmente, nem mesmo associá-los a si nos atos de culto? Para maior clareza do assunto, deixemos de lado este problema e consideremos outro. Na Igreja Católica, a validade de quase todos os Sacramentos só existe quando ministrados pelo Bispo ou pelo Padre. Assim, se um leigo absolver outro de seus pecados, essa absolvição será nula. Se um leigo tomar paramentos sacerdotais, e celebrar uma Missa, não haverá Consagração, não haverá Sacrifício nem haverá Comunhão; em suma, não haverá Missa. Se um Padre crismar sem delegação do Bispo, o crisma será nulo, inexistente. Se um Padre ordenar Sacerdote a outro Padre, a ordenação será nula, inexistente. Imagine-se agora um Sacerdote católico, apostólico, romano, que tire a batina, apostata, abandona o exercício de seu Ministério sagrado. Imagine-se que ele viaja de bonde, no momento em que se dá um desastre e um passageiro católico é gravemente ferido, ficando desde logo em iminente risco de vida. Se o Sacerdote apóstata lhe der a absolvição, ele morrerá com esse augusto Sacramento. Se não, morrerá sem ele, porque não há tempo de trazer um Padre em situação regular perante a Igreja. O Sacerdote apóstata pode e deve dar a absolvição ao fiel. Este a pode e deve receber sem inquietude de consciência. O Sacerdote apóstata, embora apóstata, continua Sacerdote, porque o Sacerdócio imprime caráter e continua até nos excomungados vitandos, a pior classe de excomungados. E, por isto, embora apóstata, esse Sacerdote pode dar uma absolvição válida in articulo mortis, o que o mais santo e virtuoso dos leigos não pode fazer. O mesmo se dá em relação à Sagrada Eucaristia. Se um Sacerdote apóstata celebrar Missa, comete pecado mortal de gravíssimo sacrilégio. Seu ato é, pois, profundamente ilícito. Mas é válido. O pão e o vinho que ele consagrar se transubstanciarão de fato no Corpo e no Sangue Precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo. Seu ato será pecaminoso porque injuria mortalmente a Deus Nosso Senhor quem celebra os santos mistérios estando em estado de pecado mortal. Mas nem por isto o ato deixa de ser válido. Ora, se o mais virtuoso dos leigos celebrasse Missa, o ato seria nulo. Através desses exemplos concretos, pode-se notar a diferença que existe entre o Sacerdote, mesmo apóstata, e o leigo. E se pode ver a realidade do Sacerdócio, mesmo nos Sacerdotes apóstatas. Ora do ponto de vista estritamente jurídico, todos os "Bispos" e "padres" cismáticos são verdadeiros Bispos, verdadeiros Padres, mas Bispos e Padres excomungados, apóstatas e revoltados. A situação do fiel católico perante eles é absolutamente a mesma que a de um fiel católico que esteja diante de uma Padre que tire a batina, ou de um Bispo que, com ou sem batina, se revolte em termos claros, explícitos e diretos contra a Santa Sé, escrevendo por exemplo, em alguma revista por ele editada, que "as Encíclicas de Leão XIII em matéria social precisam ser arquivadas em nossos dias" e outras coisas desde jaez. Não há nenhuma, nenhuma, absolutamente nenhuma diferença. Com isto, o "Bispo", "padre" ou "Patriarca" Tkactchenco está fichado, marcado e apresentado.
Digamos apenas algumas palavras para encerrar o assunto. Porque chamamos a esses Padres orientais separados de Roma de cismáticos, e chamamos um “pastor” protestante de herege? Cismáticos são os que estão em desobediência à autoridade Eclesiástica, mas aceitam sua doutrina. Assim, um leigo que aceite a doutrina Católica mas esteja em revolta contra seu Bispo. Herege é o que nega um ponto da doutrina católica definido em virtude da infalível autoridade da igreja. Assim, como a Igreja, fazendo uso de seu infalível magistério, declarou que Nossa Senhora foi concebida sem mancha do pecado original desde o primeiro instante de seu ser, e declarou ainda que quem discorde disso é herege, será herege quem disto discordar. Tanto o herege quanto o cismático não pertencem a Igreja. Mas por títulos diferentes. De fato, os orientais começaram pelo cisma: aceitavam toda a doutrina mas se recusavam a obedecer. Mas caíram na heresia, negando tudo quanto a Igreja definiu depois de sua separação, e que eles não aceitaram. |