Infelizmente, recebi com enorme atraso a obra do Revmo. Sr. Pe. Antônio Paulo Ciriaco
Fernandes, S.J., sobre os "Missionários Jesuítas no Brasil, no
Tempo de Pombal". Publicada por ocasião do IV Centenário da
Companhia de Jesus em 1940, esse
trabalho, que já está em 2ª edição, publicado pela Livraria do Globo de Porto
Alegre, resulta da sistematização e ampliação de algumas conferências que o
autor fez para a sua já histórica Congregação Mariana
no Recife. A natureza do tema, o
nome do autor, a qualidade do público especial para o qual fora inicialmente
escrito, a ocasião festiva em que se publicou o trabalho, tudo teria concorrido
para que os leitores do LEGIONÁRIO lessem com particular interesse uma notícia
acerca dele. Todas essas circunstâncias dão entretanto ao livro do Pe. Fernandes
uma importância permanente. Estamos pois certos de que algumas palavras que
sobre ele escrevemos em nossa edição de hoje serão acolhidas por nossos
leitores com igual interesse.
* * *
O Pe. Antônio Ciriaco
Fernandes, que se apresenta em público com o livro sobre os "Missionários
Jesuítas", é muito mais conhecido entre nós paulistas como Pe. Antônio Fernandes "tout court",
ou melhor ainda, se quisermos ser mais reais e exatos, como "o Pe.
Fernandes do Recife". Foi pelo eco de suas relevantíssimas
realizações no Norte do País que chegou até nós o nome do Padre Fernandes,
indissoluvelmente ligado à reputação que sua valorosa Congregação Mariana adquiriu em todo o Brasil. "O Pe. Fernandes do
Recife" é mais que um nome, é um título. É este o título com que o
conhecemos, e esse simples título tem por si tanto valor no conceito geral que
seria suficiente, como dissemos, para atrair a atenção de nosso público sobre o
trabalho do ilustre sacerdote Jesuíta.
Com efeito, a Congregação Mariana
que o Pe. Fernandes reuniu operou na mentalidade brasileira uma profunda
transformação. Congregando em torno de si um grupo de rapazes de inteligência
de escol, e de uma exuberante capacidade de realização quer na ordem das idéias
quer na ordem da ação, o Pe. Fernandes os formou segundo os mais genuínos
princípios católicos, evitando cuidadosamente qualquer infiltração do espírito
liberal e latitudinário que, naquele tempo, infestava
o Brasil, não com as máscaras
novas com que procura reabilitar-se e reaparecer hoje, mas com sua fisionomia
aberta e declarada, de verdadeiro e genuíno liberalismo. Ora, autêntico
jesuíta, o Pe. Fernandes se apresentava à mocidade pernambucana como um genuíno
anti-liberal. Em sua linguagem, não havia lugar para
as diluições medrosas nem para as concessões mais ou menos sofísticas em que se
comprazem os liberais. Para ele, já bastava de lusco-fusco espiritual. Ele
queria que a verdade se manifestasse a jorros sobre o Brasil, e que a doutrina
católica fosse difundida pelos leigos entre nós, com aquela integridade, aquela
autenticidade, aquele desassombro com que a difundiram desde os primeiros dias
os Apóstolos. Essa posição radical agradou profundamente o pugilo de moços que
o Pe. Fernandes conseguira reunir em torno de si, graças a seu extraordinário
poder de atração pessoal. A alma pernambucana é ágil,
penetrante, combativa, e muito inclinada à comunicação. A serviço da
Igreja, fecundada pela graça, ela produziu maravilhas nos congregados do Pe. Fernandes, suscitando uma
verdadeira floração de intelectuais lúcidos, vigorosos, categóricos e
arrojados, que se fizeram desde logo publicistas, escritores, jornalistas,
conferencistas, e, em todas essas atividades lutadores exímios diante de cujo
prestígio moço e saudável cedeu a velha influência dos figurões feitos, dos
grandes homens postiços, dos princípios sonoros e inócuos que anestesiavam
antigamente o Norte do País como o Brasil inteiro.
Especialmente através da revista "Fronteiras", que se transformou sob a direção de Manuel Lubambo em um dos órgãos de
maior influência na vida intelectual do País, os "congregados do Pe.
Fernandes" iniciaram e levaram a cabo com galhardia a transformação da
mentalidade católica de Pernambuco, que também já se vinha alterando com êxito
em outros pontos do país.
Por isto, o Pe. Fernandes se tornou das figuras
clássicas do movimento católico de nossos dias, e será impossível fazer-se
algum dia o histórico do que ocorreu, do que está ocorrendo em matéria religiosa
no Brasil, no século XX, sem dar ao nome do Pe. Fernandes um realce
verdadeiramente extraordinário.
* * *
O movimento católico em Pernambuco é tema que
lembra invencivelmente as mais gloriosas recordações de nossa história
religiosa e política. Foi um movimento católico, antes e acima de tudo, a
reação pernambucana contra o domínio holandês. Melhor do que ninguém mostrou-o
a própria Congregação do Pe. Fernandes, quando investiu desassombradamente
contra as exageradas comemorações a Maurício de Nassau, que se pretendia fazer em Pernambuco, e de cujo programa se exalava, em conjunto, um certo
pesar pelo fato de não se ter conservado no Brasil o domínio protestante dos
holandeses. Já antes disto foi também um movimento católico, o trabalho de
evangelização que integrou Pernambuco e o Norte na civilização luso-católica a que pertencemos. Em Pernambuco brilhou com
especial fulgor a nota católica dessa bela civilização luso-brasileira, e o
demonstraram também com grande brilho os Congregados do Pe. Fernandes em sua
luta contra a obra do Sr. Gilberto Freire. Tudo isto concorria para que um livro do atual paladino
do movimento católico em Pernambuco, sobre um episódio interessantíssimo de
nossa vida colonial, qual seja a expulsão dos PP. Jesuítas ao tempo de Pombal,
se recomendasse especialmente à atenção do público católico de todo o Brasil.
Ademais, esse livro vale por uma verdadeira
doutrinação em favor da intransigência, da integridade, do desassombro e por aí
se liga especialmente à obra do Pe. Fernandes. Ele foi publicado para comemorar
o IV Centenário da Companhia de Jesus. De norte a sul do país, se ouviam os
louvores da ínclita milícia inaciana. No mundo
inteiro, se celebrava em todos os quadrantes da opinião a benemerência dos
Jesuítas. Não seria demais que o Pe. Fernandes, rememorando precisamente
naquela ocasião de fausta e jubilosa unanimidade os muitos sofrimentos que a
Companhia de Jesus padeceu no cumprimento de sua missão, mostrasse a todos que
o dever cumprido com integridade é o único título de verdadeira glória, mesmo
entre os homens, e que a Companhia continuará sempre tranqüilamente em suas
tradições em impertérrita pugnacidade, tão característica dos filhos de Santo
Inácio. É no bom combate, travado com lealdade, denodo, espírito
sobrenatural, que se encontram os grandes e verdadeiros êxitos. Essa linha de
conduta pode acarretar certamente dissabores amargos, cruéis, injustos.
Lembra-os o Pe. Fernandes em seu livro, acentuando-os mais ainda pelos nomes
que intencionalmente omite, do que pelos tristíssimos fatos que
pormenorizadamente narra. Mas essas perseguições são sempre estéreis, e dia
virá em que os homens reconhecerão a santidade da sua causa. O sal não deve
recear de salgar, com medo de ser posto de lado. Não é o sal ativo e saboroso,
mas o sal insípido que é atirado fora e calcado aos pés... Essa a austera
verdade que o livro do grande batalhador que é o Pe. Fernandes veio lembrar. Os
dias gloriosos e os dias de pena se alternam na trajetória da Companhia através
de séculos. Eles ainda serão muitos, tanto os luminosos quanto os tristes,
talvez mais numerosos estes do que aqueles. Mas quando chegarmos ao grande Dia
definitivo, sem noite, sem tempo, sem sombras, esses operários que trabalham
expostos a todas as intempéries, recolherão certamente uma coroa dos louros
incorruptíveis.
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Pronunciando para seus Congregados algumas
conferências, o Pe. Fernandes as ampliou depois, e formou o volume que
atualmente comentamos. Ele traz duas notas biográficas sobre jesuítas
brasileiros que se ilustraram no apostolado entre os gentios da Índia
portuguesa, e assim exprime a comovedora homenagem desse jesuíta luso-hindu a nossos patrícios que espalharam em sua terra a
semente de Jesus Cristo. Vem, depois, a narração de todas as injustiças,
infâmias, baixezas que caracterizaram a expulsão dos
missionários jesuítas do Brasil ao tempo de Pombal. E, contrastando com a tristeza desse acontecimento que
não era senão o prelúdio do fechamento da Companhia em todo o mundo, o Pe.
Fernandes dá uma notícia completa sobre as atividades da Companhia de Jesus no
mundo inteiro em nossos dias. De um lado a investida do demônio, do outro o
atestado da plena e miserável inutilidade dessa investida.
Esta leitura é de uma extraordinária oportunidade
para os dias que correm. O anti-clericalismo, o anti-jesuitismo, iludindo a ingenuidade de uns, adormecendo
a indiferença de outros, avivando o mau espírito de muitos, começa a renascer
um pouco por toda a parte. O livro do Pe. Fernandes, chamando a atenção do
leitor sobre o verdadeiro espírito do anti-jesuitismo,
sobre a assistência providencial com que Deus protege a milícia inaciana, e reproduzindo a carta do Santo Padre ao Geral da
Companhia de Jesus, que é mais um testemunho da afetuosa e altissonante
aprovação da Igreja à obra dos jesuítas, constitui leitura interessante e
proveitosa, que a todos recomendamos.