A agência telegráfica oficiosa da Inglaterra, "Reuters", divulgou
o seguinte resumo de uma alocução verdadeiramente patética do Santo Padre em prol da Cidade
Eterna:
"Ameaça crescente está por certo pesando sobre
Roma e, no entanto, nós não podemos dizer isso
abertamente. Se Atenas e o Cairo foram poupados de
ataques militares, por motivos religiosos e políticos, nós não perdemos a
esperança de que os beligerantes acabem compreendendo que a Cidade Eterna tem
muito mais direitos a reivindicar igual respeito à sua integridade. Imorredoura
mancha e vergonha cairá sobre a humanidade se, por motivos militares,
considerações ou dificuldades que devem sempre e em todos os casos ser vencidas
pela boa vontade - Roma, a única e incomparável no desenvolvimento político,
cultural e espiritual, que há vinte séculos vem sendo a madre da Civilização
Cristã, se tornasse vítima da fúria destruidora desta terrível guerra, no curso
da qual tantas esplêndidas construções, na Itália e no estrangeiro -
das quais a última, mas não a menor, pelas suas caríssimas e antiquíssimas
memórias, foi a famosa abadia de Monte Cassino - têm sido
irreparavelmente danificadas ou destruídas".
Estas palavras devem ser lidas com emoção. Mas a
emoção não basta. Ela precisa de se transformar em oração e ação, se não quiser
perder toda a sua autenticidade e nobreza. Não haverá realmente o que fazer
para desafogar a situação do Soberano Pontífice?
Estamos longe da atmosfera turva e agitada dos
campos de guerra e de suas imediações. Ignoramos, portanto, muitos dos
pormenores concretos mais essenciais que existem no problema da preservação de
Roma. Sem querermos fazer o ridículo papel dos "generais de mesa",
que discorrem gravemente sobre as operações militares e, no mármore das
mesinhas de café desenham campos de operações, movimentam tropas e vencem batalhas
sem jamais terem estado em um curso militar, e sem querer dar portanto a nossas
reflexões outro valor que o de algumas conjecturas ou reflexões sugeridas pelo
simples bom senso, aqui deixamos consignada uma série de idéias que talvez
ainda possam ser utilizadas para a solução do problema. Fazemo-lo por zelo de
filho que embora sabendo que não pode ser de utilidade imediata, não cessa de
pensar na situação tormentosa do Pai.
* * *
Da mensagem do Santo Padre decorre claramente a
convicção de que alguma coisa pode ser tentada de prático, de eficaz, de
decisivo para a salvação de Roma. Ora, não sendo embora especialista em
questões militares, o Santo Padre não lançaria tal afirmativa sem se ter
informado cuidadosamente da situação. As tradições de suma prudência do Vaticano, tão caracteristicamente acentuadas no atual Pontífice,
excluem qualquer idéia em sentido contrário. Dentro de que ordem de idéias poderia
ser encontrada tal solução?
Em suas linhas gerais o problema de Roma parece
colocar-se assim:
a) os nazistas ocuparam a cidade que constitui um
centro estratégico muito favorável e o nó de toda uma rede ferroviária,
rodoviária, elétrica de que depende toda a península;
b) por outro lado, sendo a Capital da Itália, Roma
é cidade muito importante do ponto de vista moral e político, obedecendo a
massa geral do povo, como a legítimo governo, ao grupo que estiver de posse da
cidade;
c) assim, a ocupação de Roma é para os nazistas de
uma suma importância militar e política, e sua ocupação pelos Aliados implicaria
necessariamente em um desequilíbrio da balança de forças que os germânicos
procuram estabelecer na península. Logo, a posse de Roma é muito importante e
deve ser disputada de armas na mão.
Evidentemente, não perderemos tempo em afirmar e
muito menos em demonstrar o que de si é óbvio: os nazistas não têm o menor
direito de argumentar assim porque são intrusos e ilegítimos ocupantes. Isto posto e diante de uma situação que portanto
só deve ser considerada de fato e não de jure, façamos algumas reflexões.
* * *
Para os Aliados, com quem está todo o direito
segundo é absolutamente patente, o ideal seria conquistar Roma. Mas eles
representam o partido da civilização, do direito, da moral, contra a barbárie
nazista que tiraniza a Europa. Logo, estarão no seu papel ascendendo a alguns
sacrifícios possíveis e prudentes, para salvar Roma. Devemos crer que
sinceramente o desejem fazer. O Papa lembra muito bem que foi à custa de
prudência, de espírito de tradição, de concessões razoáveis que foi possível "por
motivos religiosos e políticos", salvar o Cairo e Atenas. Logo, o mesmo se
fará em sã lógica por Roma.
Evidentemente, os Aliados não darão aos nazistas a
honra de esperar que eles reconheçam o papel vil que estão fazendo e abandonem
a Cidade. E quando o Santo Padre fala de poupar Roma, é certamente uma coisa
diferente disto que ele espera. Porque esperar cortesia e linha em nazistas é o
mesmo que fazer planos contando com a doçura e suavidade dos chacais.
É preciso, portanto, ver se há uma saída que, sem comprometer
o êxito dos Aliados, ao mesmo tempo torne possível evitar-se a horrível
hecatombe a que os nazistas querem empurrar o mundo cristão.
Em princípio, isto só se conseguirá de um modo:
permitindo que os nazistas se entrincheirem mais para trás, em posições
geográficas aceitáveis, e deixando Roma como cidade neutra e extra-beligerante, fora das mãos de qualquer facção em
luta. Estudemos mais de perto estas duas condições de qualquer solução
exeqüível.
* * *
Não cremos que a retirada dos nazistas para ponto
mais remoto do território peninsular represente para os Aliados fundo prejuízo.
Com efeito, os nazistas poderão presentemente deixar Roma a qualquer momento e
se fortificar em outro lugar. Concordando em que o façam, os Aliados não
aumentarão de um fio ou de uma linha as facilidades de movimento e de resolução
do Q.G. germânico. Por outro lado, dada a configuração peculiar do território
peninsular, muito bem exposta por Churchill em seu último
discurso, não será difícil encontrar na Itália ponto conveniente que substitua
Roma como posição militar.
Mas, dir-se-á, do ponto de vista dos Aliados tudo
isto é razoável. Do ponto de vista dos nazistas, não. O LEGIONÁRIO é o primeiro
a apontá-los como os piores inimigos da Igreja. Por que espera então que eles
façam um sacrifício em favor da Igreja? A resposta é simples. Os nazistas estão
manobrando de sorte a tentarem "limpar-se" da responsabilidade do
bombardeio, de que serão culpados. Se não querem fazer o menor sacrifício para
o evitar, arquem então com toda a responsabilidade moral, toda a vergonha de
sua miserável conduta.
* * *
E Roma? Quem garantirá sua neutralidade? Quem a
governará? A solução é simples. O governo pontifício pode administrar
provisoriamente a Cidade Eterna, sem permitir dentro dela a ingerência de
forças de qualquer potência beligerante. O Exército Suíço, especialmente transportado para Roma, e que é hoje uma
excelente força militar, asseguraria o cumprimento do pacto.
Roma se salvaria. Roma não constituiria perigo para
qualquer dos beligerantes. A pessoa do Pontífice ficaria intacta, intacta a
sepultura dos Apóstolos, intactas as inúmeras relíquias e obras de arte da
cidade. Que mais?
* * *
É possível que a esta hora isso esteja sendo
tentado pela diplomacia aliada. Quais os intermediários entre as potências de
um e outro lado para a negociação? Nada mais simples: Portugal, a Suíça, a Suécia, o próprio Vaticano. Quem sabe se de um momento para outro
seremos surpreendidos por esse esplêndido desfecho? Quem sabe também se essa
solução, dadas [as] circunstâncias concretas, seria indesejável para o próprio
Vaticano? Quem sabe se seus termos essenciais, aproveitáveis embora, deveriam
sofrer em seu modo de execução fundas alterações? Os diplomatas de jornal e os
marechais de mesa de café devem ao menos ter suficiente prudência para
desconfiarem de suas próprias soluções, reconhecendo que contam na melhor das
hipóteses como meros argumentos de probabilidade. Em favor desta tese, os
argumentos de viabilidade são indiscutivelmente muito ponderosos. Eles aqui
ficam expostos com toda a reserva de quem sabe que não vê senão os contornos
gerais dos acontecimentos que são muitíssimo complexos em seus inúmeros pormenores.