Legionário, N.º 598, 23 de janeiro de 1944

Semana da Catedral

Mais uma vez, movimenta-se a Arquidiocese de São Paulo para angariar durante uma semana de labores, de esforços, de méritos os recursos necessários para o prosseguimento das obras da nova catedral. O "LEGIONÁRIO", que nutre para com aquele monumento ainda em construção, mas já venerando aos olhos da Fé e da História, o mais vivo e simpático interesse não poderia deixar de incitar nessa ocasião os seus leitores a que correspondam com seu trabalho, com suas preces e com seus óbolos generosos, ao apelo do Exmo. Revmo. Vigário Capitular.

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Um dos índices apontados como mais expressivo do progresso paulista foi o número e imponência de nossas construções. Fomos uma das cidades em que mais rapidamente se construía no globo. Quando a guerra cessar, os dois grandes fatores que detiveram nosso surto de construções desaparecerão. Importaremos livremente, e a preço acessível, todo o material necessário. E, abolido o decreto de emergência que regulamenta os preços de aluguel durante este período de crise, os capitais encontrarão novamente aplicação compensadora nos imóveis, pelo que se inverterão com a antiga abundância e arrojo na construção de novos prédios. Ora, a uma cidade que tanto se orgulha de seu progresso neste sentido, impõe-se como um dever a construção célere e magnífica de sua catedral.

Com efeito, o homem se distingue do animal porque é racional. E, por isto, será tanto mais humano, no sentido elevado da palavra, quanto mais preponderarem nele os valores espirituais. Devemos aproveitar todas as ocasiões para demonstrar que nosso progresso está longe de ser principal ou exclusivamente material. Crescem os arranha-céus? Se não quisermos ficar pequenos dentro deles, se não nos quisermos sentir pigmeus diante da obra de nossas próprias mãos, façamos crescer também, e ainda mais, as nossas almas. Impressiona-nos, comove-nos, a recordação de São Paulo colonial, tão pequeno na pobreza de seu escasso e baixo casario mas tão grande na alma dos missionários e dos bandeirantes que aqui se imortalizaram. Que diríamos se pudéssemos contemplar o contraste, e imaginar o homem-pigmeu, o homem vencido pelo materialismo de nossos dias, sentindo-se anão ao lado de suas construções? Não, positivamente não foi para asfixiar as sementes deitadas por Anchieta e Nóbrega neste solo que sobre ele se assentou a massa gigantesca de nossos arranha-céus. As almas só são grandes na medida em que se elevam, e só se elevam na medida em que se aproximam de Deus.

Uma catedral perpetuamente inacabada, pobre, inferior à cidade, seria um terrível índice negativo, que certamente São Paulo saberá evitar.

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Nesta afirmação não vai o menor otimismo. Há um certo modo paulista de conceber e de executar as coisas, que é garantia de êxito e de esplendor. Não têm faltado à catedral donativos vultosos e freqüentes. Mas, tudo bem pesado, nossa catedral parece fadada a ser, não tanto uma obra de magnatas, quanto o fruto autêntico da generosidade, riqueza, Fé e energia de todo o povo paulista. Anualmente, as coletas são correspondidas com presteza e solicitude filial pela população inteira. Todos concorrem para elas. As quantias angariadas têm sido produto da esmola dos milionários tanto quanto dos mais modestos fiéis dos bairros operários da Capital. É São Paulo inteiro que está fazendo a catedral. Fa-la-á certamente sólida e altaneira como o povo que a está levantando. Casa de Deus, expressão máxima do espírito religioso da Cidade, sede do trono arquiepiscopal que é o elo de ouro que nos une ao Vigário de Cristo, à Sé de Pedro, a catedral de São Paulo será concluída com o esplendor que de paulistas se pode esperar.

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A catedral, enquanto se constrói, já está tendo sua história. Sem folhearmos as páginas de nossos anais cívicos, lembremos apenas os principais acontecimentos religiosos que seus muros novos já presenciaram. É à sombra da catedral que há muitos anos São Paulo se vem reunindo para adorar o Ssmo. Sacramento por ocasião da magnífica procissão de Corpus Christi. Todos os anos, é do alto de sua escadaria como de um novo Tabor, que Cristo Eucarístico abençoa nossa cidade. Foi à sombra de suas paredes já altas, transpondo seu nobre e belo portal, que num dia de luto universal passou compungida e reverente a imensa procissão que levou a sua última morada os restos mortais do santo e venerando Dom Duarte. Meses depois, a grande dor parecia compensada por um júbilo sem limites. Era D. José Gaspar de Afonseca e Silva que, empossado na catedral provisória, percorrera as ruas centrais da cidade em uma procissão triunfal, talvez sem precedentes nos fastos das manifestações do júbilo paulista, e recebia do alto das escadarias históricas da nova catedral uma manifestação popular que ficará inesquecível. Passam-se dois anos, e novamente o Largo da Sé se enche. Mais uma vez, é Dom José Gaspar que preside a imensa multidão. É Nossa Senhora Aparecida que chega triunfalmente a São Paulo, primeira e mais ilustre romeira do Congresso Eucarístico Nacional. Passa-se mais algum tempo. Dobram a finados os sinos. Um luto pesado desce sobre toda a Capital, espalha-se por todo o interior do Estado, conquista o Brasil inteiro. Dom José morreu. Muito antes da hora marcada, a praça da Sé está cheia, as escadarias da catedral repletas. Abrem-se as portas da cripta onde os Bispos de São Paulo aguardam o dia da Ressurreição. Descerra-se ao lado da sepultura de D. Duarte mais um jazigo. Quem sonhara com tal pouco antes? Era Dom José que para lá era acompanhado por todo o Clero, todas as autoridades, todo o povo. São Paulo inteiro enfim, em manifestações de dor que provaram de sobejo quanto soubera ele conquistar o coração da multidão. Estava escrita mais uma página na história da catedral, mais um elo se juntara à coroa de Bispos que em torno do altar da cripta, bem perto da pedra do Sacrifício, aguardam o dia do Senhor. A Arquidiocese ficou novamente viúva. E apenas a esperança de um feliz preenchimento mitiga em todos a dor desta orfandade.

É nessa situação que transcorre a Semana da Catedral. Entre uma saudade e uma esperança. Essa saudade e essa esperança devem influir por certo na generosidade do povo paulista.

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Com efeito, São Paulo tem nesta semana um modo esplêndido para homenagear a memória de Dom Duarte e de Dom José. Que de melhor do que ofertar à Catedral óbolos generosíssimos, para que quanto antes se conclua o edifício que um inaugurou com ânimo viril, com arrojo sobrenatural tão seu, e outro fez prosseguir em sua construção com todos os recursos de seu imenso prestígio, com toda a força de contágio de seu ardente entusiasmo?

E uma esperança. São Paulo terá novamente seu Pastor. Que surpresa mais grata lhe pode reservar nossa cidade, senão concluindo com urgência as despesas mais necessárias para que no dia de gáudio em que hajamos de lhe manifestar novamente os sentimentos de respeito e afeto, estejamos com as obras muito adiantadas? Não será esse o melhor sorriso, a melhor carícia de boas vindas, a mais profunda expressão de respeito com que a grei paulistana poderá acolher seu novo Pastor?

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Compreende-se, pois, o ardor com que a Cúria Metropolitana se interessa por este assunto, e o empenho todo especial com que o LEGIONÁRIO pede, em prol da Catedral, toda a benevolência e generosidade de seus leitores.