Legionário, N.º 596, 9 de janeiro de 1944

UM DISCURSO PROVIDENCIAL

Em nossa "Página da Ação Católica" transcrevemos um discurso de S. Excia. Revma., o Sr. D. Jaime de Barros Câmara, Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro, acerca das Congregações Marianas. As diretrizes sábias, claras, firmes, do sucessor de Dom Sebastião Leme constituem um fecundo tema de meditação para os católicos, e máxime para os Congregados Marianos do Brasil inteiro.

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O novo Arcebispo do Rio de Janeiro começou sua oração aos marianos lembrando o extraordinário carinho que lhes tinha o Cardeal Dom Leme, de inesquecível memória e, especialmente, a piedade comovedora de que o pranteado Prelado deu provas exigindo, à hora da morte, sua fita azul de Congregado Mariano, para com ela comparecer ante o Tribunal de Deus.

Andou com raro acerto o Exmo. Revmo. Sr. Dom Jaime de Barros Câmara, rememorando estes fatos. Eles constituem, para os Congregados Marianos, jóias de sumo valor no escrínio de suas nobres tradições, incentivo sempre fecundo e sempre novo, para uma perfeição interior e uma fecundidade apostólica cada vez mais intensas.

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Os que têm estado ultimamente no Rio de Janeiro contam a impressão profunda que tem deixado em todas as Paróquias da Capital do país as visitas pastorais empreendidas pelo Exmo. Revmo. Sr. Dom Jaime Câmara. O pastor se mostra nelas com toda a amplitude de seu zelo vigoroso, claro, ardente. Refratário a palavrório meramente protocolar, a exterioridades vãs, Dom Jaime Câmara é um partidário resoluto da ação direta, fecunda, despretensiosa mas realmente capaz de atrair almas a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Por isto mesmo, quer ver tudo, analisar tudo, e entrar em contato direto com os paroquianos. Causou, por exemplo, geral edificação vê-lo dar pessoalmente aulas de Catecismo às criancinhas das paróquias, meio muito mais adequado para incutir o respeito e o amor ao Bispo, e ao mesmo tempo inculcar a urgência, sublimidade e nobreza do ensino catequético, do que um longo discurso de horas inteiras.

Esse anseio de resultados bem tangíveis e úteis inspirou o primeiro princípio enunciado em seu discurso: as Congregações Marianas não devem ser um movimento de elite social.

Com efeito, quem imaginasse que o apostolado católico deve penetrar em uma só das classes sociais, faria prova de uma visão singularmente desfigurada dos verdadeiros problemas de nossos dias e de todos os tempos. Nosso Senhor veio para salvar todos os homens, e não apenas alguns. Como, pois, explicar que a preferência do apostolado vá exclusivamente para alguns, e não se estenda a todos?

Neste sentido, cumpre confessar que não faltam pessoas que perdem todo senso de equilíbrio. Ou focalizam de tal maneira a necessidade de um apostolado nas altas classes sociais, que se tem a impressão de que para elas o resto do mundo não existe. Outras, pelo contrário, de tal maneira se engolfam no trabalho pela conversão do operariado, que parecem por vezes considerar desperdiçado qualquer tempo gasto em evangelizar os intelectuais. Não deve ser assim o verdadeiro apostolado, que guarda em tudo o senso das proporções. Nas fileiras católicas, o aristocrata, o burguês, o operário, têm cada qual seu lugar. A Igreja não fecha os olhos nem os braços a qualquer classe; deseja cristianizar a todas elas fazendo com que, cada qual na esfera própria, trabalhe pela glória de Deus e pelo Reino de Cristo, Nosso Senhor.

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Em íntima conexão com este sentido de universalidade do apostolado católico, se encontra outro princípio fecundíssimo, que o Exmo. Revmo. Sr. Dom Jaime Câmara anuncia em seu discurso: nas Congregações Marianas há lugar para as pessoas de todos os estados ou idades.

Entretanto, neste como em qualquer outro assunto, a Santa Igreja não deseja confusão. Há lugar para todos os estados e idades, é certo. Mas nem para todas as idades, nem para todos os estados compete o mesmo lugar. Assim, uns são os problemas, as preocupações, as lutas do adolescente, outros os do homem adulto, outros os dos meninos. Como poderá ser possível ministrar utilmente uma formação a elementos tão heterogêneos, em uma mesma reunião?

Para falar a povos de idiomas diferentes, os Apóstolos precisaram do milagre de Pentecostes. Para falar com eficácia a pessoas de idades e problemas tão diversos, não seria preciso um milagre muito menor. Com efeito, se se tratasse de uma simples reunião, a evocação dos temas capazes de trazer proveito às almas católicas de qualquer idade ou situação poderiam ser tratados utilmente diante de todos. Mas formar é coisa muito mais alta e complexa do que fazer uma ou outra reunião. Formar é unir a alma à Igreja Católica, retificando, sanando, elevando tudo quanto nela possa haver de desviado, enfermiço, baixo. Para isto, é preciso que os problemas peculiares a cada alma sejam considerados de modo concreto e minucioso. Em uma reunião de almas afins pelos problemas, deveres e preocupações que têm, esta tarefa é possível, se completada pela direção espiritual. Mas, como pretender realizá-la em um ambiente heterogêneo, em que inevitavelmente uma parte bocejará sempre que o assunto se ajustar de modo estrito, particular, direto, aos problemas peculiares à outra parte?

É precisamente por isso que o Sr. Arcebispo do Rio de Janeiro dá a seus marianos uma palavra de ordem formal: instituir Congregações para os vários estados ou idades, ou, pelo menos, em cada Congregação fundar seções especializadas para estas diferentes categorias.

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O Exmo. Revmo. Sr. Dom Jaime de Barros Câmara também definiu em sua alocução outro princípio verdadeiramente de ouro: "um critério seguro e rígido na escolha dos elementos que aspiram a fita de Nossa Senhora".

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Em nossa última edição, tivemos ocasião de mencionar com satisfação que São Paulo começa a aproveitar da presença de um homem verdadeiramente providencial entre nós, que é o Revmo. Sr. Pe. Walter Mariaux, diretor do Secretariado Geral das Congregações Marianas em Roma. Formador emérito, que tem realizado no campo mais restrito do Colégio São Luís verdadeiras maravilhas, seu aproveitamento em escala mais larga para a formação dos congregados marianos em geral produzirá resultados que serão para São Paulo um benção de Nossa Senhora.

As palavras do ilustre Arcebispo do Rio de Janeiro constituem indiretamente um verdadeiro estímulo para que os Congregados de São Paulo se sirvam dessa ocasião única, que o Revmo. Sr. Pe. Agostinho Mendicute em muito boa hora acaba de lhes franquear. Com efeito, sempre que se fala em seleção de membros para a A.C. ou para as associações auxiliares, como por exemplo as Congregações Marianas, tem-se a impressão de que com tanta seleção nada vai por diante. Com efeito, selecionando-se, ninguém entra. Não entrando, o movimento se estiola. Estiolando-se, morre.

É óbvio que toda seleção, por rigorosa que seja, precisa ser entendida em termos de bom senso. Mas é mister que a seleção exista, e que seja autêntica, isto é, que produza uma verdadeira depuração de elementos imprestáveis.

E com isto a associação não morre: dá prova de vitalidade. Com efeito, a seleção depauperaria se a organização não soubesse formar seus membros. Mas, toda organização apostólica que queira ter títulos para vencer no apostolado deve, antes de tudo e acima de tudo, saber formar. Como poderá pretender reformar o mundo inteiro uma organização que não sabe reformar seus próprios membros? É muitíssimo desejável que os Congregados ou membros da A.C. sejam numerosos. O que não é desejável é que a organização forme tão pouco, ou tão mal, que para que sejam numerosos seus membros, ela os deva aceitar dignos ou indignos, suficientes ou insuficientes. Que se diria de um organismo em que os rins deixassem de filtrar, sob pretexto de que com isto se depaupera o sangue?

Seleção razoável, mas séria, eficaz, pressupondo formação metódica, profunda, forte, que mais pode desejar uma organização?

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Vale para os Congregados e em geral para os católicos do Brasil inteiro o apelo ardente do Arcebispo do Rio de Janeiro para que combatam os abusos das modas, dos cassinos, das praias. Ainda está vivo o eco das palavras eloqüentes do Episcopado Paulista, levantando-se especialmente contra a desordem dos cassinos. São palavras que não prescrevem, e às quais as declarações do Sr. Arcebispo do Rio de Janeiro vêm dar nova e mais palpitante atualidade. O apostolado não é um pacto do católico com o mal que há no mundo. É um repúdio de todo mal. E repúdio de viseira erguida. Na luta caridosa mas desassombrada contra estes desmandos, há para todo católico um grave dever.

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Mas o Sr. Arcebispo do Rio de Janeiro lembra muito bem que essa reforma do mundo começa por ser uma reforma de nós mesmos. É por aí que se deve começar todo apostolado. Somos antes de tudo apóstolos de nós mesmos. Sem vida interior, sem piedade sólida e profunda, sem verdadeira instrução religiosa, não há apostolado fecundo. É aí que se encontra, como bem escreveu D. Chautard, em seu livro "Alma de todo o Apostolado", a raiz verdadeira de todos os triunfos apostólicos. E foram neste sentido as palavras finais da alocução do atual Arcebispo do Rio.

Compreende-se, depois de tudo isto, que eqüivale em uma vigorosa afirmação do muito que a Autoridade Eclesiástica espera e deseja dos Congregados Marianos, que S. Excia. Revma. afirme que "é com imenso prazer que vê em suas visitas pastorais pelos subúrbios, pelas paróquias pobres da metrópole, sempre o Congregado Mariano solícito, ativo, dinâmico, realmente empenhado em ajudar em tudo ao Vigário nas cerimônias da Paróquia. S. Excia aplaude e mais que isto sugere que se fundem novas Congregações naquelas paróquias que ainda não as têm.

São esses os votos expressos pelo Sumo Pontífice Pio XII na Carta "Com Particular Complacência", dirigida ao Cardeal Dom Sebastião Leme sobre o assunto. Esses devem ser, pois, também os votos do todos os leitores do LEGIONÁRIO, que devem rezar ardentemente neste sentido.

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E uma observação final. O estilo é o homem, diz-se. Procurem nossos leitores esse discurso, que hoje publicamos; tantos princípios de ouro estão contidos em uma alocução rápida, pequena, sem um só floreio inútil de vã oratória. É bem uma imagem da alma do novo Arcebispo do Rio, desejoso antes de tudo e acima de tudo de resultados práticos, de enunciar verdades substanciosas, de dar diretrizes precisas, porque é nisso que se pode, essencialmente, conseguir em matéria de apostolado a maior glória de Deus.