Graças a Deus, com a vitória das democracias, ficou
assegurada à opinião católica a faculdade de dizer o que bem entenda. Só isto
já vale toda a vitória. E, servindo-nos desta faculdade, devemos dizer que o
discurso do marechal Smuts, governador da África do Sul, acerca do futuro do mundo, foi lamentável, lamentabilíssimo.
Primeiramente porque não lhe competia dizer o que
disse. A África do Sul será tudo quanto se queira. Em todo o caso, não passa de
comparsa moderna e secundária, no jogo internacional. Não cabe, pois, a seus
dirigentes fazer digressões, com ares proféticos, sobre o futuro do mundo. Diz
o futuro, ou quem o recebe revelado por Deus - o Sr. Smuts
certamente não recebeu revelações - ou quem está na direção dos acontecimentos,
tem o leme na mão, e, com a precariedade de uma certeza meramente humana,
poderá prever o que se sucederá. Ora, positivamente, o leme do mundo está em
muitas mãos, mas não está na mão do Marechal Smuts.
Por isso mesmo - e vem aí o segundo defeito da
posição que ele assumiu - não lhe caberia dar "um bilhete azul" à
França, no futuro do mundo.
Deixamos de lado intencionalmente a Alemanha e a Itália, em que evidentemente o problema da post-guerra
é muito mais complexo. Mas quanto à França, é óbvio, evidente, evidentíssimo que não é a um pequeno governador africano
que caberia dizer que a nação cristianíssima, o maior foco da cultura
ocidental, haveria de passar para o papel inglório de pequena potência, ao lado
talvez da África do Sul, enquanto o Marechal Smuts
não conseguisse fazer da Cidade do Cabo um foco de cultura
mais fino, mais brilhante, mais florescente do que Paris.
* * *
O problema internacional suscitado pelo Marechal Smuts, à propósito da França é imenso. Sendo a França uma
pequena potência, tudo quanto ela exprime de cultura, de tradição, de
civilização, passará também para o segundo plano na formação do mundo de
amanhã. O marechal entrevê com deleite um mundo formado apenas pela conjunção
da cultura anglo-americana com a soviética. E, já sendo potências de 2ª ordem
as demais nações católicas da Europa, em que ficamos? Que papel o mundo
católico, a cultura latina continuarão a representar na História?
Para a Igreja, o
problema é fundamental. Como se vê, com o sossobramento da
França, o mundo católico passará a ser um mundo vassalo, um mundo subsidiário.
As formas latinas de pensar, de sentir, de viver, passarão a representar algo
de secundário e obsoleto. Tudo quanto significa a cultura latina e católica,
que é o substractum
da alma do Brasil, desapareceria. Dois mil anos de civilização cristã
impregnada de cultura romana, ficariam cancelados. O Marechal Smuts acha isto muito promissor e desejável. É nos lícito
pensar precisamente o oposto do Marechal Smuts.
* * *
A vitória é a vitória. Às três potências vencedoras
caberá evidentemente uma parte decisiva na orientação do mundo. Mas sua ação
será benéfica na medida em que salvarem os valores da civilização cristã, os
valores também terrenos mas apreciáveis da cultura latina. Cabe neste sentido
uma tarefa importantíssima aos Estados Unidos, e sobretudo à Inglaterra tradicionalista e
admiravelmente culta, como barreiras à influência soviética. E esse dever
essencial das grandes nações anglo-saxônicas será
cumprido com muito maior facilidade se souberem conservar sempre influente,
irradiando cultura e civilização, o grande e providencial luzeiro do mundo que
é a nação francesa.
A glória de nosso futuro de brasileiros está
precisamente em conservar íntegra em nosso solo a civilização cristã, com as
notas latinas que herdamos, acrescida, adaptada, florescente, no cenário novo
que é para ela nosso território privilegiado. Sobre o velho tronco cultural de
que procedemos, podem nascer frutos e flores de todos os gostos e todos os
sabores. Os que brotarão do ramo brasileiro estão chamados a ter um gosto e uma
beleza incomparáveis. Não podemos, pois, ser indiferentes a que a nação
francesa, foco rútilo da cultura ocidental, latina e católica, que representa
valores inestimáveis da Cristandade, baixe para a segunda classe na vida
internacional.