Legionário, N.º 592, 12 de dezembro de 1943

O DISCURSO DO MARECHAL SMUTS

Graças a Deus, com a vitória das democracias, ficou assegurada à opinião católica a faculdade de dizer o que bem entenda. Só isto já vale toda a vitória. E, servindo-nos desta faculdade, devemos dizer que o discurso do marechal Smuts, governador da África do Sul, acerca do futuro do mundo, foi lamentável, lamentabilíssimo.

Primeiramente porque não lhe competia dizer o que disse. A África do Sul será tudo quanto se queira. Em todo o caso, não passa de comparsa moderna e secundária, no jogo internacional. Não cabe, pois, a seus dirigentes fazer digressões, com ares proféticos, sobre o futuro do mundo. Diz o futuro, ou quem o recebe revelado por Deus - o Sr. Smuts certamente não recebeu revelações - ou quem está na direção dos acontecimentos, tem o leme na mão, e, com a precariedade de uma certeza meramente humana, poderá prever o que se sucederá. Ora, positivamente, o leme do mundo está em muitas mãos, mas não está na mão do Marechal Smuts.

Por isso mesmo - e vem aí o segundo defeito da posição que ele assumiu - não lhe caberia dar "um bilhete azul" à França, no futuro do mundo. Deixamos de lado intencionalmente a Alemanha e a Itália, em que evidentemente o problema da post-guerra é muito mais complexo. Mas quanto à França, é óbvio, evidente, evidentíssimo que não é a um pequeno governador africano que caberia dizer que a nação cristianíssima, o maior foco da cultura ocidental, haveria de passar para o papel inglório de pequena potência, ao lado talvez da África do Sul, enquanto o Marechal Smuts não conseguisse fazer da Cidade do Cabo um foco de cultura mais fino, mais brilhante, mais florescente do que Paris.

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O problema internacional suscitado pelo Marechal Smuts, à propósito da França é imenso. Sendo a França uma pequena potência, tudo quanto ela exprime de cultura, de tradição, de civilização, passará também para o segundo plano na formação do mundo de amanhã. O marechal entrevê com deleite um mundo formado apenas pela conjunção da cultura anglo-americana com a soviética. E, já sendo potências de 2ª ordem as demais nações católicas da Europa, em que ficamos? Que papel o mundo católico, a cultura latina continuarão a representar na História?

Para a Igreja, o problema é fundamental. Como se vê, com o sossobramento da França, o mundo católico passará a ser um mundo vassalo, um mundo subsidiário. As formas latinas de pensar, de sentir, de viver, passarão a representar algo de secundário e obsoleto. Tudo quanto significa a cultura latina e católica, que é o substractum da alma do Brasil, desapareceria. Dois mil anos de civilização cristã impregnada de cultura romana, ficariam cancelados. O Marechal Smuts acha isto muito promissor e desejável. É nos lícito pensar precisamente o oposto do Marechal Smuts.

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A vitória é a vitória. Às três potências vencedoras caberá evidentemente uma parte decisiva na orientação do mundo. Mas sua ação será benéfica na medida em que salvarem os valores da civilização cristã, os valores também terrenos mas apreciáveis da cultura latina. Cabe neste sentido uma tarefa importantíssima aos Estados Unidos, e sobretudo à Inglaterra tradicionalista e admiravelmente culta, como barreiras à influência soviética. E esse dever essencial das grandes nações anglo-saxônicas será cumprido com muito maior facilidade se souberem conservar sempre influente, irradiando cultura e civilização, o grande e providencial luzeiro do mundo que é a nação francesa.

A glória de nosso futuro de brasileiros está precisamente em conservar íntegra em nosso solo a civilização cristã, com as notas latinas que herdamos, acrescida, adaptada, florescente, no cenário novo que é para ela nosso território privilegiado. Sobre o velho tronco cultural de que procedemos, podem nascer frutos e flores de todos os gostos e todos os sabores. Os que brotarão do ramo brasileiro estão chamados a ter um gosto e uma beleza incomparáveis. Não podemos, pois, ser indiferentes a que a nação francesa, foco rútilo da cultura ocidental, latina e católica, que representa valores inestimáveis da Cristandade, baixe para a segunda classe na vida internacional.