Em artigo anterior,
havíamos acentuado as várias contradições e perfídias
do deão protestante de Canterbury contra a política
do Vaticano. Poderíamos, naquela tecla, ter ido muito mais longe. Mas o espaço
de vários artigos não seria suficiente para apontar e desemaranhar os muitos sofismas do
"deão". As amostras que demos a nossos leitores são suficientes.
Vamos, pois, encerrar o assunto, analisando propriamente o fundo do artigo do
famoso "deão".
* * *
A pergunta "com quem está o Papa",
formulada no sentido especial em que a fez o "deão", pressupõe a
idéia de que o Papa deve estar necessariamente com alguém. E, precisamente
porque considera indiscutível este pressuposto, o deão se entrega à mais
afanosa investigação do assunto, acabando por confessar que nada entendeu. E
não espanta. Para compreender a atitude do Vaticano na presente
emergência, seria necessário conhecer e admitir toda uma série de princípios
que o "deão" ou nega, ou ignora. Examinemos estes princípios.
* * *
Antes de perguntar "com quem está o
Papa", vejamos "quem é o Papa". O Papa é o Vigário de
Nosso Senhor Jesus Cristo, mestre infalível da Verdade, dispensador
de tesouros da Redenção, detentor das chaves que liga e que desligam; das
chaves, portanto, que governam o mundo.
Mestre de uma Verdade imutável; soberano de um
reino espiritual indestrutível; supremo hierarca de
todo o Universo. O Santo Padre representa tudo quanto é divino, supra-terreno, imutável, eterno. Enquanto tudo muda, ele
permanece estável. Enquanto tudo é contingente, só ele e as coisas que ele
representa são inalteráveis. A respeito da Cruz, formou-se este axioma: "stat Crux dum volvitur orbis".
O mesmo se poderia dizer do Pontífice Romano: “stat Petrus, dum volvitur
orbis - só Pedro continua invariavelmente de pé,
enquanto todo o mundo se agita e se transforma”.
Ora, se o Papa representa a Verdade essencial e
imutável; se ele representa a eternidade, a verdadeira pergunta não é:
"com quem está o Papa". Esta pergunta poderia aplicar-se para a
análise da situação política de alguma igrejola
nascida ontem, da impiedade e da luxúria de algum Henrique VIII - a Igreja do deão
de Canterbury mais precisamente.
É claro que, tripulante de nau tão recente e tão fraca, o deão pergunte que
correntes a levam, e para onde a levam as correntes. O Papa é o rochedo
imutável. Ele não pergunta que correntes seguirá.
Tratando-se do Soberano Pontífice, a pergunta só
pode ser esta: "quem está com o Papa?" Foi porque não compreendeu
esta verdade que o deão acusou de pérfida a diplomacia do Vaticano. Pérfida,
porque ela se inspira em princípios que ele não conhece; desses princípios
deduz uma sobriedade de gestos e de atitudes que ele não compreende; e
arrogante, porque continuará a agir do mesmo modo, por mais que com isto se
desagrade o deão.
E o Papa está só. Vê mais alto, mais fundo, mais
limpo. Não tem aliados nem amigos, tem só adversários mais encarniçados ou
menos. Por isto, esperando o curso dos acontecimentos tranqüilamente, declara
que não está com ninguém. Dia virá em que as insígnias nazistas, fascistas,
comunistas, estarão atirados ao mesmo pó em que jazem os outros adversários que
tem investido contra a Igreja. Neste dia, o deão compreenderia com quem está o
Papa que não está nem com Hitler nem Stalin. O Papa está com Jesus Cristo, com a
indefectibilidade, com a eternidade. E é o Papa que vai vencer.
Hei-nos, pois, chegados ao nó da questão. Quem está
com o Papa?
Do nazismo e do comunismo, nem é bom falar. Ambos
representam erros vizinhos, entre si, irredutivelmente
opostos à Igreja Católica. Vencesse só a Rússia, ou vencesse só a Alemanha, o
grande derrotado (na medida em que se derrota o indestrutível) seria o Santo
Padre. Com um mundo inteiramente obediente a Stalin, ou inteiramente obediente
a Hitler, Nosso Senhor Jesus Cristo seria de qualquer forma proscrito da
sociedade contemporânea.
O deão, comunista encoberto, não vê ou finge não
ver isto. Ele dá à questão comunismo versus nazismo um alcance e uma importância que para o Papa,
que representa Jesus Cristo, ela está longe de ter. É como a luta de Herodes versus Pilatos. Nesta luta com quem estava o Salvador?
Pergunta ridícula. O Salvador não estava com ninguém. Nem ele era um chefete político a fazer liga com Pilatos contra Herodes ou com Herodes contra Pilatos. Herodes
ou Pilatos, pouco importava ao Salvador. Ambos encarnavam um espírito oposto ao
dEle. A vitória de qualquer dos dois seria antes de tudo a derrota (....) dEle.
E tanto é que um e outro se reconciliaram contra Ele.
Vemos como o deão erra, pensando que o grande
problema da Igreja em nossos dias consiste em optar contra Hitler ou contra
Stalin. Ela quer mais: pela oração das Virgens e dos Monges que consagra ao
Senhor; pelo labor dos missionários; pela evangelização de seus ministros; pelo
apostolado da Ação Católica, o que o Papa pretende é construir um mundo que
represente o contrário do que quer Hitler ou Stalin.
O Papa trairia sua missão se optasse por um ou por
outro. Sua atitude só poderia ser esta: "nem um, nem outro".
* * *
Mas nem Hitler nem Stalin estão sós. A vitória de
ambos significaria a vitória de uma série de aliados mais
"moderados". Com o comunismo, venceria o socialismo de todos os
matizes, até o burguezismo pacato e familiar. Com o
nazismo, venceria o fascismo, venceria o falangismo,
venceria o "salazarismo". Não indaguemos das intenções: o certo é que
nas mãos de muitos desses partidos há água benta... Assim, pelo menos se deve
entender que a vitória de qualquer dos dois grupos beligerantes não
representaria desde logo a vitória incontrastável, radical, completa, nem do comunismo
nem do nazismo. A verdadeira opção não seria entre dois extremos, mas entre
dois blocos dotados de extremos péssimos. Analisemos este novo aspecto do
problema.
* * *
Convenhamos, antes de tudo, em que essas correntes
intermediárias correm para os respectivos extremos como as águas correm para o
mar. Quem duvida de que o socialismo venha dar em última
análise em comunismo? Quem duvida de que o burguezismo
gera necessariamente o socialismo? Por outro lado, quem não percebe que, num
mundo dirigido pelos satélites de Hitler, este seria para os "duces" de
todas as latitudes o que Luiz XIV foi para os reis de
seu tempo: o modelo completo, total, insuperável, o padrão segundo o qual todos
os outros se deveriam configurar para ficar perfeitos?
Assim, essa vitória das correntes intermédias -
como todas as vitórias das correntes intermédias - dará necessariamente em
vitória dos extremos. E acabamos não saindo dos termos iniciais do problema:
entre quem escolher, Hitler ou Stalin?
* * *
Prossigamos. Dado que estamos entre dois extremos
péssimos, é evidente que se deve responder: "nem um, nem outro". O
problema que nos resta examinar é apenas este:
dos dois possíveis vencedores, qual o que mais facilmente se derrubará?
É a vitória deste, que se deve desejar. Mas isto não é estar "com"
este ou "com" aquele. É uma questão de se saber a quem o Papa é mais
contrário, se a este, se àquele.
* * *
Positivamente, se compararmos o comunismo ou o
nazismo, acharemos que o primeiro - diabólico sob todos os sentidos, tanto
quanto o nazismo - é entretanto menos nocivo. Ele é todo
negativo e atrai menos que um edifício doutrinário positivo. É - ou ao menos
tem procurado ser até há pouco - franco e declaradamente hostil. Sejam quais
forem suas forças, contra ele estaremos todos unidos.
Com o nazismo e seus sucedâneos, não. Combatem-nos
à socapa. Molham em água benta as mãos com que fiam as cordas em que seremos
enforcados. Procuram apodrecer por dentro nossas fileiras, desuni-las,
desorganizá-las antes de nos atacar. Com admirável habilidade, sabem encontrar
o patrioteiro ingênuo, o sonhador inexperiente, o ambicioso vulgar que para
eles abrirão "alas", correntes,
etc., dentro de nossas próprias fileiras. Só nos atacarão, quando estivermos
inteiramente anestesiados. E saberão fazer-nos crer que o anestésico que
procuram injetar em nossas veias não é um entorpecente mas um verdadeiro
remédio. Quem o pior? O menos perigoso. Velho Stalin! Velho demônio de doutrina
evidentemente repugnante, de reputação clamorosamente péssima, diante de cujo
nome os homens limpos se indignam, as pessoas piedosas se persignam, e os moços
católicos sentem comichão nas mãos [...]. Oh, velho
demônio desmascarado e horripilante, como és menos temível do que o
politiqueiro de estilo Von Papen, que mercadeja sua Fé junto aos Césares do dia, e recebe
a ingrata incumbência de nos vencer com o ósculo de Judas.
* * *
Tanto implica em afirmar que, consideradas as
coisas pelo Vaticano de um ponto de vista inteiramente alheio às contendas
nacionais, o mal menor para ele está ainda na vitória do bloco anti-totalitário. É o que o Papa de todo coração deseja.
Entretanto, o deão de nada disto entende. Ele não
quer um mal menor. Ele aplaude... em Stalin, um bem. Ele se transforma em
defensor do comunismo. Ele atola no lodaçal do comunismo os rebanhos que
Henrique VIII cindiu da
verdadeira Igreja. Ele já optou. Ele quer o bolchevismo. Ele trai miseravelmente
o cristianismo. Bate palmas, está contente, tem aliados, tem amigos, tem
poderosos auxiliares.