Um tema doloroso obriga-me a interromper os
comentários que tinha encetado sobre o artigo "Com quem está o Papa",
para erguer um protesto doloroso e formal contra o modo por que certa imprensa
se tem ocupado da prisão do Exmo. Revmo. Monsenhor Manoel Koener, Administrador Apostólico da Foz de Iguaçu. Façamos alguma luz sobre o assunto.
* * *
Existe por aí uma imprensa chauvinista que, de
quando em vez, tenta levantar uma campanha contra os sacerdotes estrangeiros
residentes no Brasil. Para esta imprensa, qualquer pretexto serve. Ora, é a
defesa no território nacional contra invasores. Ora, é a luta contra a chamada
"quinta coluna". Ora, finalmente, a alegação de que o clero
estrangeiro ocupa cargos, posições, situações que com maior justiça caberiam ao
clero nacional. Bem sabemos que ideologia move esta campanha de escândalos de
imprensa. Ela traz consigo todo o desprestígio e toda a impotência das
ideologias que passaram de época. A ancianidade inglória dos pressupostos
doutrinários sobre que se baseia, torna ridícula sua fraqueza, e ridícula
sobretudo a desproporção entre suas forças decadentes e o vulto do
empreendimento a que se atira. Todos os estopins se tem apagado nas mãos
trêmulas desses petroleiros. Não houve escândalo que alarmasse, nem calúnia que
vingasse, nem manobra que causasse impressão maior. Tudo se tem resolvido em um
grande alarido inicial, a que a opinião pública corresponde com a mais céptica
indiferença. O povo brasileiro bem sabe que pode confiar no clero católico,
tanto estrangeiro quanto nacional, e que se alguma irregularidade inteiramente
excepcional porventura causasse a nossas autoridades civis merecida apreensão,
elas encontrariam nas autoridades eclesiásticas todo o apoio, toda a solércia, toda a prontidão em tomar as medidas de sua
alçada para fazer cessar qualquer abuso. Assim, as intervenções escandalosas de
certa imprensa e de certos grupos só poderia redundar em barulho inútil em
torno de assunto que nenhuma dificuldade oferece. O patriotismo e o espírito de
Fé dos brasileiros só pode ver nesta campanha um grave insulto a seus brios.
* * *
Ora, recentemente, certa imprensa levantou nova
celeuma em torno da notícia de que fora preso e condenado o Exmo. Revmo. Mons.
Manoel Koener, por deter armas proibidas.
Quais foram os fatos? Nossos colegas de "A
União", órgão católico do Rio de Janeiro, publicaram a este respeito
magnífico editorial, de que transcreveremos alguns tópicos.
Monsenhor Koener, - “como
sacerdote que integra uma Congregação que tanto tem sofrido do hitlerismo – como aliás todas as Congregações
Religiosas - não é lícito admitir,
superficialmente, que trabalhasse para o êxito de uma política reconhecidamente
nefasta aos interesses da Igreja. Por outro lado, Monsenhor Koener
acha-se no Brasil há mais de vinte anos e aqui desempenhou funções de relevo,
como reitor do Ginásio Arnaldo, de Belo Horizonte, e reitor do Seminário que os PP. do
Verbo Divino mantém em Sítio,
Estado de Minas. Em 1940 foi nomeado Administrador Apostólico da Foz de Iguaçu.
É um Sacerdote com um passado digno, componente de uma Congregação benemérita,
que se arrasta pela rua da amargura, com a agravante de envolver na atmosfera
de desconfiança e descrédito todos os Religiosos estrangeiros fixados no
Brasil".
E mais adiante nosso colega prossegue:
"Monsenhor Manoel Koener chegou à Foz do Iguaçu
em 1940. Na residência dos padres, ampla e hospitaleira, hospedam-se os
principais viajantes que transitam por aquelas paragens. Ali se hospedaram, em
1938, durante meses, turistas e pesquisadores estrangeiros, chefiados por um
Arquiduque. Conduziam máquinas fotográficas, aparelhos de medição, espingardas,
revólveres, cartuxos. Um dia partiram, assegurando regresso mais tarde. Pediram
aos Religiosos que lhes guardassem duas malas. Os Religiosos concordaram em que
as malas ficassem. Veio a guerra. Veio a desconfiança contra os súditos do
Eixo. A polícia do Paraná varejou a residência da Prelazia. A mala apareceu.
Dentro da mala, armamentos! Espanto para Monsenhor Koener.
Espanto para os demais componentes da Congregação. Prisão de Monsenhor Koener que passou 5 dias num presídio comum. Posto em
liberdade, Monsenhor Koener deixou o Paraná e veio
aguardar a marcha dos acontecimentos em companhia de outros sacerdotes, em
pleno Rio de Janeiro, na paróquia de Santo Cristo, de que é vigário um padre de sua Congregação. Aqui, a
"Diretoria Geral de investigações, pela Seção de Vigilância e Capturas,
conseguiu, contudo, descobrir o seu paradeiro" ... E Monsenhor Koener, passou a ser mimoseado
com os títulos de espião, dirigente do Partido Nacional Socialista Alemão,
renegado Monsenhor, etc., etc. ..."
A estes excelentes argumentos, teríamos, de nossa
parte, outro a acrescentar. O Arquiduque Felix de Habsburg é uma vítima do
nazismo. O governo Schuschnigg dera a todos os
membros da antiga família imperial austríaca o direito de regressar à Pátria, e
lhas restituíra a fortuna roubada pelos socialistas. Com o "Anschluss",
a miséria se abateu novamente sobre os Habsburgs, e o
mundo inteiro presenciou, comovido, o êxodo da Imperatriz Zita e de sua numerosa
prole, para o Canadá, através das aventuras que mais uma vez fazem da ilustre
e infortunada soberana uma verdadeira figura de tragédia clássica, e isto não
só pela grandeza de seu infortúnio, como pela nobreza da alma que na maior
adversidade tem sabido revelar. Recentemente, tentou-se uma campanha de
difamação contra o Arquiduque Felix quando de sua
segunda vinda ao Brasil. Nossas autoridades de tal maneira desprezaram a
campanha, que deixaram desembarcar o Arquiduque. O que de terrível poderiam ter
assim algumas armas de caça por ele deixadas no Paraná há anos atrás? Todas as
circunstâncias parecem aí muito favoráveis.
* * *
O que, sobretudo, é muito curioso, é que antes
mesmo de a justiça temporal ter dito uma palavra definitiva segundo a lei
civil, sobre o assunto, a questão se considera por certa imprensa inteiramente
julgada. E já serve de ponto de partida para os mais violentos ataques. Por
isto, é com toda a razão que a "União" conclui: "Acontecimentos
posteriores provarão a inocência desse Missionário sobre cuja pessoa se lança o
labéu de traidor. Mas o que importa assinalar, desde já, é que no fundo dos
comentários que se bordam à margem do assunto reponta a tendência de criar um
clima contrário à ação dos Missionários estrangeiros no Brasil. E é preciso,
ainda uma vez, pôr um ponto final nessa questão. Ninguém discute a necessidade
de um trabalho fecundo e persistente em prol da formação de um clero nacional.
Oxalá a Providência derrame bênçãos sem conta sobre os lares brasileiros para
que estes encaminhem jovens para os nossos seminários. Oxalá não venhamos a
precisar amanhã, como precisamos ontem e como precisamos hoje, do sacrifício e
da abnegação do padre estrangeiro. Mas enquanto não soar essa hora deixemos de
veleidades e nem de longe fomentemos essa divisão e alimentemos a discórdia, à
base de uma desconfiança ridícula e à força
de uma atitude sem caridade e sem amor, sem compreensão do espírito
universal da Igreja e sem considerar a verdadeira situação do país. E é
precisamente no dia das Missões que elevamos a nossa voz em defesa de uma
figura ilustre de missionário, componente de uma Congregação que tem
contribuído para a educação de jovens brasileiros, num esforço que vem de
longe,.... [erro tipográfico] argamassando na própria razão de ser do ideal
missionário. O prazer sádico que atira à lama o nome de Mons. Manoel Koener é o mesmo que salpicaria a honra de um Religioso de
qualquer Congregação, a batina secular de um dos nossos padres. E os
católicos - tão simplórios no acreditar! - não aceitem,
de plano, o primeiro artiguete que se lhes apresentar
com cores sensacionalistas, visando separar o povo
dos que têm a missão de guiá-lo: "Ide e ensinai!"
* * *
Não quereríamos encerrar estes comentários sem
fornecer sobre o Exmo. e Revmo. Monsenhor Koener
alguns dados biográficos que bem podem mostrar qual tem sido sua vida de devotamento à Igreja:
Nascido em 1885, na Silésia, Alemanha, S. Excia. conta hoje 58 anos, dos quais gastou
33 ao serviço da Igreja. Foi primeiro missionário em Moçambique, África, e era como o pai dos negros daquela colônia
portuguesa. Em 1921 veio para o Brasil depois de algum tempo de estadia na
Europa. Em nossa pátria ocupou cargos de grande responsabilidade, em Minas
Gerais e no Estado Rio,
subiu de professor a prefeito geral, deste cargo a reitor do colégio Arnaldo em
Belo Horizonte, por fim a provincial da Congregação do Verbo Divino no Brasil. A
confiança absoluta nele depositada pelos superiores é sancionada por um
prestígio enorme de que sua Ex.a, desfruta ainda hoje em todos os lugares onde
trabalhou, sobretudo em Belo Horizonte, onde foi e é o conselheiro e amigo das
melhores famílias mineiras. Em 1940 a Santa Sé veio dar uma prova brilhante de
sua confiança em S. Revma., nomeando-o Administrador Apostólico da Missão da
Foz do Iguaçu. S. Ex.a se dedicou completamente a esta tarefa, tendo conseguido
já reorganizar duas ótimas escolas para os filhos dos índios, caboclos e
colonos daquelas brenhas, dando educação e instrução a 240 filhos da selva.
Estava empenhando em reorganizar todo o trabalho da missão e desbravar a parte
norte do território, ainda completamente inexplorado, quando a tempestade da
guerra o privou do auxílio de seus confrades europeus que tiveram de abandonar
a zona fronteiriça com o Paraguai. Arcava S. Ex.a sozinho com o pastoreio da zona da
fronteira, quando a segunda borrasca o envolveu.
* * *
Estamos, pois, certos de que ele só terá a lucrar
com um exame meticuloso de todos os elementos da questão, perante a suprema
alçada judiciária do país, diante da qual se discute a questão.
E com isto mais uma vez se desmascarará certa
imprensa escandalosa!