Antes de darmos uma resposta cabal ao artigo
"Com quem está o Papa", do deão de Canterbury,
publicamos aqui alguns comentários parcelados sobre alguns de seus tópicos.
* * *
Começa o autor por lisonjear a opinião católica. Em
estilo dulçuroso, afirma: "A política do
Vaticano no cenário mundial é um dos pontos mais obscuros, mais fascinantes e
mais desconcertantes da guerra atual. Que faz o Papa?
Que quer o Papa desta guerra? Que partido tomou o Papa nesta luta sangrenta
pela liberdade e pela vida dos povos chamados cristãos do mundo de nossos dias?
Eis três perguntas específicas de importância mais que fundamental, mas de
resposta extremamente difícil em vista de dispormos de poucos dados para
penetrar nas lucubrações subtis e multisseculares do Papa e de sua diplomacia,
que é em um sentido muito amplo a diplomacia mais consumada, mais fina e mais
experimentada de todos os tempos". Como se vê, um campo de flores que
exalam veneno. Com o intuito de se cobrir com o prestígio da imparcialidade, o
autor reconhece aquilo que aliás é evidente: a importância fundamental que tem
na vida internacional de nossos dias qualquer atitude do Papado. Há quantos
séculos vem os protestantes proclamando o declínio da "Igreja de
Roma", sua radical incompatibilidade com as atuais condições do homem,
etc., etc. Pois em 1943, o deão de Canterbury, isto é
da mais ilustre das Igrejas protestantes inglesas, tem que reconhecer que o
prestígio da Santa Sé é tal que a análise de sua atitude é essencial para a
compreensão dos acontecimentos. O deão, de tão impressionado, chega mesmo à
hipérbole. Não é apenas essencial, mas "mais do que essencial", o
estudo da atitude do Papa. Deixamos ao deão a difícil tarefa de explicar aos
seus leitores o que possa ser, em filosofia, uma "coisa mais do que
essencial"... o estudo da atitude do Papa. Baste-nos este conhecimento do
alto grau do prestígio, de influência, de autoridade, que a força puramente
espiritual do Papado conserva nesta era de Minerva e de Mamon.
* * *
Mas o texto que transcrevemos tem suas nuvens.
Nuvens hábeis. Nuvens tênues. Mas nuvens venenosas. Há um conflito em que estão
empenhadas a vida e a liberdade dos povos "chamados cristãos". De
passagem, gostaríamos de perguntar quais são esses povos a quem o deão recusa a
honra de serem cristãos. Serão os católicos? Em todo caso, não é curioso que
não se possa dizer qual a atitude assumida em tal luta pelo Pastor Supremo de
toda a Cristandade? Por que uma tão estranha discrição? O Vaticano aprecia as
"lucubrações subtis". Sua diplomacia é a "diplomacia... mais
consumada de todos os tempos". Estranho! Estas palavras não querem dizer
necessariamente que a diplomacia do Vaticano seja maquiavélica. Mas são tais
que deixam uma impressão muito vizinha desta. Entretanto, a elas não se segue
qualquer declaração que exclua esta interpretação desairosa. Enfim,
prossigamos...
* * *
"O Papa já tem falado muitas vezes nesta
guerra, mas a obscuridade e a ambigüidade de suas declarações estão bem
traduzidas no fato de que tanto os aliados como o eixo consideram as suas
palavras favoráveis a si próprios e desfavoráveis ao inimigo", esclarece o
"Rev." Johnson. Mas como? Então, o Papa não
tem a menor lealdade? Por que o "Rev." Johnson
não cita em [seu] abono [uma] declaração "ambígua" do Pontífice? Para
uma acusação de tão alto alcance, basta ao "Rev." Johnson
um fato: os nazistas, tanto quanto os aliados, dizem que o Papa está com eles.
Não sabe o “Rev.” que os nazistas personificam o próprio espírito da mentira,
que Pio XI os chamou "a mentira encarnada", e
que, portanto, ainda que eles entendam muito bem que a Santa Igreja não pode
senão lhes desejar uma fragorosa derrota, eles
mentirão contra toda a evidência dos fatos, e proclamarão o contrário? Conhece
o "Rev." Johnson a Encíclica "Mit Brennender Sorge" de Pio XI, em que o Papa
condenou radicalmente o nazismo? E ignora que mesmo depois disto os nazistas
continuaram a se proclamar cinicamente amigos da Igreja?
Em última análise, é com base em uma afirmação dos
nazistas - dos maiores mentirosos do mundo - que
o Sr. Johnson estriba sua acusação contra o Papado.
Francamente, não se poderia argumentar pior.
* * *
O
"Rev." Johnson sente perfeitamente que seu
ódio contra Roma o traiu, e que suas últimas palavras o fizeram sair da
primitiva serenidade de seus conceitos. Por isto vem, para soprar a ferida
aberta, este elogio que parece um ato de Fé na divindade da Igreja: "...a
Igreja Romana, dum ponto de vista eterno, está acima das lutas das nações, das
guerras e de tudo o que seja temporal. Ela precedeu a democracia, precedeu o
nazismo, precedeu a todas as formas de governo do mundo moderno; a face
política do universo tem mudado radicalmente, por vezes, e a Igreja Romana
sempre conseguiu sobreviver, embora com uma progressiva diminuição de força. É
mais do que certo que a Igreja Romana sobreviverá sempre, seja qual for a
estrutura que o mundo assuma em qualquer tempo... ". Mas os que odeiam têm
um fôlego curto para soprar. O deão se cansa rapidamente nesses dulçorosos e alambicados elogios. E arranha logo a seguir:
"a única possibilidade em contrário seria uma vitória mundial do
comunismo. Mas neste ponto a Igreja Romana não luta sozinha''. Contradição
flagrante! Há linhas atrás, o autor afirmava que a Igreja é indestrutível, e
agora afirma que ela pode ser destruída, e insinuando até que ela está tão
fraca que suas possibilidades de vitória vêm do fato de que ''não luta
sozinha''. Entretanto, o próprio deão reconhece que ela tem tal autoridade no
mundo atual, que a análise de sua atitude é de uma importância ''mais que
fundamental''. Contradição sobre contradições. Mas o deão é bom protestante:
sente-se bem no meio das contradições.
* * *
E assim continua o artigo, contradizendo-se de grand coeur a cada passo, e empurrando sinuosamente suas
acusações, por entre ambíguos e floridos elogios. Mas cheguemos logo ao ponto
central. É com ênfase, com satisfação, com a certeza do bom efeito que
produzirá, que o deão lança esta enormidade: “a única objeção do Papado contra
o nazismo, como ele já o demonstrou várias vezes, é o paganismo do mesmo, e sua
perseguição contra a Igreja”. Se há afirmação concreta que corresponda idealmente
ao conceito de ''mentira'' é esta! Basta folhear ainda que por alto todas as
Encíclicas sociais dos Pontífices e especialmente a Mit Brennender Sorge,
para se ver que ainda quando o nazismo desse à Igreja toda liberdade, a
estrutura política e social por ele apregoada continuaria condenada pela
Igreja. Qualquer calouro em estudos sociais sabe disto. O deão de Canterbury não se peja de afirmar claramente o contrário.
Tem razão, lhe diria o velho Voltaire, “mentez, mentez, iI restera toujours
quelque chose”.
E vem agora outra mentira. Aludindo ao Pacto de Latrão, o deão afirma: “desde que o fascismo saiba dar ao Papa o
que é do Papa, ele saberá dar ao fascismo o que é do fascismo, inclusive a
liberdade de muitos milhões de indivíduos”. O deão ignora porventura que a
concepção corporativa do fascismo foi condenada pela Igreja, não porque lesasse
qualquer direito desta, mas porque, sendo contrária ao direito natural, tolhia
a justa liberdade ''de muitos milhões de indivíduos''? Ignora o deão que as
doutrinas de Gentile e Croce sobre o Estado, por
totalitárias, estão condenadas pela Igreja? Não vê ele que a Igreja defendeu
assim tudo quanto há de justo e nobre na palavra “liberdade” da qual ele, deão,
e seus sequazes, costumam fazer um tão abominável abuso? E como dizer então que
o Vaticano traficou com o direito natural, de que a Igreja é tutora? Onde está
a boa fé? Quanto a Franco, o deão o apresenta como o homem da “Igreja Romana”,
militar velhaco, cúmplice de Prelados velhacos, na obra de provocar uma guerra
religiosa que conviria à diplomacia vaticana!
Ignora o “deão” que longe de ser um instrumento nas
mãos da Igreja, Franco mantém relação tão tensas com o Vaticano que até agora
não saiu a esperada concordata entre a Espanha e a Santa Sé,
porque o “caudilho” não quer dar à Igreja sequer a liberdade que ela tem nos
países em que a Igreja é separada do Estado? Não é isto notório? Não está isto
no noticiário de todos os jornais?
* * *
E assim vão prosseguindo as inverdades.
Seria preciso escrever um livro para as refutar uma a uma. Vamos diretamente ao
fim. Onde quer chegar o deão? Afirma ele no final de seu artigo que com o
triunfo diplomático do Vaticano "não se sabe
ainda o que ganharão as forças democráticas e revolucionárias do mundo",
que encontrarão no Papado "um dos maiores obstáculos à sua expansão, como
indica praticamente o bloco anti-soviético da Europa
Central que a Igreja Romana procura constituir há mais de um ano".
Aí está a razão da ira! Não sabemos o que seja este
"bloco anti-soviétivo". Mas o certo é que, ferrenhamente anti-nazista, a
Igreja não é menos ferrenhamente anticomunista.
Certamente, ela lucrará muito com a vitória dos aliados. Os católicos devem
desejar tal vitória, e foi sempre neste sentido que se externou o “Legionário”.
Nem por isto, entretanto, deixa de ser verdade que ela continuará a ser sempre
um formidável obstáculo à expansão comunista. E é o que o deão não quer, não pode
suportar.
Eis a
razão de toda a sua ira de "meneur" comunista "camuflado" de pastor de
almas.