Embora sempre de atalaia contra os
múltiplos perigos que podem assaltar a Santa Igreja de Deus, não devemos
permitir que o pessimismo nos domine. E isto tanto mais quanto, no meio de
muitas razões para apreensão, se encontram incontestavelmente em nossos dias
motivos de vivo júbilo. Como já temos dito, em meio da confusão contemporânea,
a posição dos católicos deve ser de um perseverante e inalterável realismo.
Vejamos as coisas como são, nem piores, nem melhores. Só assim poderemos
desempenharmos inteiramente de nossas obrigações de apostolado.
* * *
Ora, indiscutivelmente, um dos
aspectos mais animadores da situação contemporânea está no fracasso completo da
grande ofensiva ideológica tentada contra a Igreja no século passado, e nos
três primeiros decênios deste século. O ateísmo, o materialismo, o ceticismo,
estão em franca decadência. Há ainda ateus, cépticos, materialistas. Mas são
soldados sem entusiasmo nem esperança, de uma causa que sentem morta, e da qual
começam a se despreocupar. Nos altos círculos intelectuais, faria triste figura
quem quisesse investir contra a Igreja com a maior parte dos argumentos
lançados contra ela há alguns anos atrás, se não com sucesso científico, ao
menos com o mais pleno sucesso de galerias. E, por isto, as produções
ideológicas da incredulidade já não procuram ser o contrário da Igreja. Todo o
seu esforço consiste em dar vida, dar consistência, dar irradiação, fora do
âmbito da Igreja, a fragmentos isolados de verdades que a Igreja professa.
No fundo de todas as tendências
mais modernas do pensamento contemporâneo, existe a afirmação vigorosa de uma
ou algumas verdades que há anos atrás só a Igreja defendia; a tentativa de
isolar esta verdade, transformá-la, construir sobre este fragmento da rocha
desprendido do granito católico, um edifício completo. Não se combate mais a
Igreja dizendo que ela é inteiramente errada, mas procurando arrancar-lhe e
fazer viver fora dela algumas verdades que ela defende. Neste século de sucedâneos
sintéticos de ersatz [substituição],
a grande fórmula consiste em encontrar um ersatz filosófico ou quiçá
teológico para o Catolicismo. A impiedade no século passado tinha como tese a
Igreja caverna de trevas; a igreja impostora; a igreja tirana; a igreja
semeadora de erros. A impiedade contemporânea é menos radical sem ser menos
insolente. Ela vê a Igreja com olhos desdenhosos e cúpidos com que uma
parisiense ou uma londrina destituída de jóias contemplaria lindos brilhantes
engastados sem gosto nem graça, no pendentif de uma dama provinciana. Ela procura arrancar à
Igreja alguns dos seus brilhantes, para se enfeitar com eles, achando que a
impiedade dará a algumas verdades assim roubadas muito mais brilho e prestígio
do que o Catolicismo.
Seja como for, caminhamos. É um
passo grande, que vai da injúria soez à admiração cúpida e velada. Não sei se
com isto o mundo ficou melhor. Mas, ao menos, podemos dizer que, se nossos
inimigos não estão todos convertidos, estão todos confundidos. Ora, se a
confusão revoltada é fonte de impiedade, a confusão penitente é caminho de
emenda. Demos, pois, graças a Deus que glorificou mais uma vez sua Igreja. Dia
virá em que se compreenderá que a impiedade não é para a Igreja senão uma caricatura,
e que a Igreja, longe de ser a camponesa que o gosto depravado dos neo-pagãos de hoje por vezes procura ver na Igreja, ela é a
“dama sem ruga nem mácula”, a “cidade de uma beleza perfeita, alegria do mundo
inteiro”, de que nos falam as escrituras e a Sagrada Liturgia.
* * *
Demos graças a Deus pelos dons que
recebemos. Mas não nos esqueçamos de que um dos modos indispensáveis que temos
de mostrar nossa gratidão consiste em defender contra terceiros os dons
recebidos. A negligência nessa defesa seria um desprezo destes dons, e
portanto, a mais flagrante ingratidão.
Ora, devemos reconhecer que, se no
terreno da impiedade ideológica, que milita nas
academias e universidades, o ersatz cultural do Catolicismo é o grande diploma do dia,
nos meios jurídicos e políticos, o que se procura é um ersatz da civilização cristã. Em
outros termos, algo com ares cristãos, feito de fragmentos doutrinários
arrancados ao Catolicismo, sabiamente mesclados com princípios socialistas e
pagãos, um autêntico campo de joio e de trigo, que agrade aos maus pelo joio e
aos bons pelo trigo. Uma bandeira que arrasta atrás de si uma adiposa
unanimidade de pessoas [...], colcha de retalhos na qual cada um possa
reconhecer frangalhos de seu próprio estandarte, e onde a Cruz, a foice e o
martelo, a suástica e o fascio, o sol levante e a lua
crescente, o lema do livre exame protestante, ou o auto-governo
cismático coexistam, sendo um pouco de tudo isto, e não sendo no fundo nada
disto.
* * *
E a manobra rende. Os filhos das
trevas procuram calorosamente a amizade dos filhos da luz. E estes, por sua
vez, atiram-se infelizmente em plenas trevas à busca dos filhos do erro.
Assim, o gesto diabolicamente
sagaz do “camarada” Stalin recebendo em visita o “patriarca” cismático de
Moscou começa a produzir seu fruto que é nos arraiais cismáticos uma franca
subordinação de todos os títeres que, sob as vestes de patriarcas, arquimandritas, etc., o governo soviético instalou nas
igrejas russas.
A coisa é triste, jornal genuína e
radicalmente católico, o “Legionário” é o “inimigo número um” de tudo quanto
signifique dissensão da unidade romana, fora da qual se está fora da Igreja.
Entretanto, cumpre acentuar, que Roma sempre anelou com extraordinário afeto a
reversão dos cismáticos ao grêmio da unidade, sob o infalível báculo de São
Pedro. E, por isto, qualquer evolução ideológica que, aproximando-se do
comunismo, os distancie ainda mais de nós, nos faz cruelmente sofrer. Sobretudo
porque, nesta diabólica manobra, o comunismo vai tragar ardilosamente a solidariedade
dos elementos “russos brancos”, espalhados pelo mundo inteiro.
E a manobra já vai tão longe, que
até em São Paulo produz seus efeitos. O “Diário da Noite”, com o alarde que dá
a tudo quanto é mau, publicou há dias a fotografia de um cismático, o
presbítero Dmitri Taktachenko,
incitando todos os cismáticos russos do Brasil a se unirem ao títere moscovita
que é um certo “patriarca” Sérgio, incitando-os ao mesmo tempo a abandonar a
obediência de um “concílio de Karlovatz”, que acusa,
com ou sem fundamento, de nazista! Pobre igreja russa, rebelde ao báculo do
Vigário de Cristo, joguete hoje do comunismo e do nazismo!
* * *
E em São Paulo não foi só entre os
círculos cismáticos que a notícia teve repercussão. Os jornais deram a notícia,
que profundamente lamentamos, de que os retratos de Timochenko
e Stalin foram postos em leilão em certa quermesse, onde um dos retratos chegou
a alcançar preço superior a 5 mil cruzeiros! Em terra cristã, 5 mil cruzeiros
para o retrato de um comunista! E isto enquanto há tanta pobreza em torno de
nós!
Mas, dirá alguém, os comunistas
são aí considerados apenas como estadistas e técnicos militares. Não se atende
a suas doutrinas, atende-se a suas obras. O raciocínio é especioso. O que
predomina em um homem são suas idéias. Ele não vale tanto pelo que faz, (e que
não vem a propósito discutir aqui) quanto pelo ideal ao serviço do qual ele
constrói... ou destrói. Por suas idéias, Stalin e Timochenko são inimigos figadais da doutrina de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Fizessem eles maravilhas, que continuariam a ser para nós
antes de tudo os inimigos da Igreja de Cristo.
Ora, assim como nenhum de nós
daria cinco mil cruzeiros pelo retrato de um inimigo mortal de seu próprio pai,
ainda que fosse o maior homem da terra, ninguém poderia dar cinco mil cruzeiros
em terras brasileiras e cristãs pelo retrato de um Stalin ou de um Timochenko, inimigos capitais da Igreja, que é nossa mãe. O
raciocínio é simples. Mas em sã lógica católica não há outro meio de
raciocinar.