Conforme salientamos em nosso último número a
respeito da terrível situação moral em que se encontra o Santo Padre, muito
mais significativo é o que os jornais não dizem do que o que dizem.
A característica mais essencial da liberdade de um
soberano consiste na faculdade de receber livremente os representantes
estrangeiros acreditados junto a ele. É manifesto que os embaixadores das
potências neutras ou hostis ao eixo já não tem acesso junto ao Soberano
Pontífice. O mundo inteiro aguardou deles, durante muitos e longos dias de
angústia, uma palavra de tranqüilidade e de segurança. Esta palavra não veio. A
conseqüência, pois, se impõe: nem sequer os embaixadores das potências neutras
tem acesso junto ao Papa. O Papa, pois, é prisioneiro!
Quando escrevemos nosso último artigo, já parecia
ser esta a sua situação. Hoje, decorridos sete longos e angustiosos dias de
silêncio ou de confusão, a dúvida já não é possível. E em nossos corações de
católicos a indignação começa a borbulhar.
* * *
No meio de tanta angústia, procuremos auscultar um
pouco os boatos transmitidos pelas agências telegráficas. Com nossa piedade de
filhos, queremos auscultar todos os ruídos, perscrutar todas as sombras,
interpretar os menores indícios, a fim de satisfazer nossa solicitude.
Diz um ditado caboclo que ''não há fumaça sem
fogo''. É digno de nota que, enquanto na semana retrasada tudo parecia indicar
que os nazistas se contentariam em exercer sobre o Vaticano uma pressão moral,
na semana passada as informações telegráficas se tornaram mais sombrias, e
começaram a notificar a prisão de elementos da Corte Pontifícia detidos quando
ingressaram no Vaticano; a prisão até de Cardeais; e, finalmente, um incidente
muito desagradável com o embaixador do Peru junto à Santa Sé.
Este último incidente é de uma autenticidade indiscutível. As outras notícias
não passam de rumores. Mas baste que se ame o Pontífice para se compreender
que, ainda mesmo que não se dê a tais versões um exagerado valor, é impossível ouví-las sem sentir que se aperta o coração, e se tornam
mais densas nossas angústias.
* * *
Sempre foi norma do “Legionário” dizer claramente
todas as verdades. Ora, há uma verdade que nos impressiona especialmente, e que
não podemos deixar de registrar no momento. E esta verdade é a frieza
inexplicável, a displicência sonolenta de todos os governos da terra, diante de
tal situação.
Quando Roma começou a ser bombardeada, com pesar
para todos nós, algumas bombas atingiriam a histórica Basílica de São Lourenço. Os jornais consagraram, então, ao assunto, colunas
inteiras com telegramas. Todas as chancelarias se movimentaram. De todas as
partes do globo, vinham noticias de protestos indignados. Hoje, o que foi
atingido vale infinitamente - insisto no termo: infinitamente - mais do que a
Basílica de São Lourenço e do que a própria Basílica de São Pedro, mais do que
as pinturas de Rafael, as esculturas de Michelângelo,
os mármores, os bronzes, os documentos e todos os
tesouros do Vaticano: é a liberdade da Santa Igreja Católica golpeada a fundo
no que ela tem de mais essencial e precioso, a saber a liberdade do Papa. Uma
bomba atinge uma basílica de pedra, o mundo inteiro se movimenta. Os vândalos acampam
na Praça de São Pedro, isolam o Papa, profanam com espionagens e prisões o
lugar santo, isolam o Papa da Cristandade, e o silêncio continua profundo nas
chancelarias, como se nada houvesse. Do mundo inteiro sobe a consternação muda
de todos os católicos, que enche de mal-estar o ambiente. Mas onde estão os
protestos dos governos em que vivem estes católicos? Estas autoridades civis
que representam o povo - é ao menos o que dizem - o que estão fazendo para
exprimir os sentimentos de seus mandatários? Que satisfação dão ao Direito
Internacional ultrajado, a vinte séculos de civilização cristã conspurcados
pela mão sacrílega que ousa pousar sobre o Vaticano?
* * *
E não se diga que exageremos. Na Câmara dos Comuns,
por exemplo, o Sr. Winston Churchill fez um imenso
discurso, seguido de numerosas interpelações. Entretanto, o que se disse lá
sobre o Vaticano e sobre o Papa, quando há milhões e milhões de católicos do
Império Britânico, que morrem nas trincheiras pela causa comum, cujas famílias
na retaguarda não poupam sacrifícios, e que teriam o direito de saber que o
governo debaixo de cujas ordens morrem está tomando todas as providências para
desagravar a dignidade do mundo vexado e humilhado diante do que sofre o Chefe
da Cristandade?
Isto, para falarmos nas nações de maioria acatólica. Que diremos dos países católicos? Um telegrama
deu a entender vagamente que vários deles romperiam com o III Reich se fizesse qualquer
coisa ao Sumo Pontífice. Parece-lhes pouco o que a Santa Sé está sofrendo!
Queriam mais, para sair de sua inércia? Querem, talvez, o fato consumado?
* * *
É preciso que estas verdades se
digam. Só assim se poderá compreender bem o abismo que separa os filhos da luz
dos filhos das trevas. Só assim se poderá compreender o quanto, no mundo
hodierno, a Santa Igreja está, no fundo, inteiramente isolada.
Falando certa vez do comunismo, o Santo Padre Pio
XI fez comentários paralelos aos que acabamos de
escrever. Mostrou o Pontífice que parecia existir uma vasta mancomunação entre
todas as agências telegráficas, governos e jornais do mundo, no sentido de dar
a menor difusão ao noticiário referente às atrocidades praticadas pelos
comunistas. O caso do México foi típico.
Enquanto os telegramas se manifestavam sôfregos e meticulosos em transmitir ao
conhecimento do mundo todas as matanças dos chineses, as maiores intrigas
políticas de Istambul ou Sidney, no México corria a
torrentes o sangue cristão, sem que ninguém se incomodasse.
O mesmo se poderia dizer do Papa. Os jornais falam
de tudo, escrevem sobre tudo, tem espaço para tudo. Os governos tratam de tudo,
providenciam tudo, arranjam ou desarranjam tudo. Mas, para tratar do Papa, nem
jornais nem Governos parecem ter lazeres e energia. O Papa está só. É esta a
dura realidade.
* * *
Só, sim. Mas só com Deus. Prisioneiro, injuriado,
isolado do mundo, contemplando quiçá com amargura a indiferença geral dos
governos que nos dias felizes o cercavam de manifestações de respeitoso apreço
e solícita atenção, e que agora fazem ouvidos moucos à indignação do orbe
católico, o Papa continua a ser o autêntico Vigário de Cristo, e este título
continua a refulgir a nossos olhos de modo tão indiscutível quanto nos dias de
glória e de grandeza. Para nós, Cristo tanto é Deus atado à coluna do pretório
de Pilatos quando nas alegrias do Domingo de Ramos. O Santo Padre tanto é Papa
quando cinge a tiara e tem a seus pés o mundo, como quando reza e sofre
isolado, e humilhado, nas mãos dos piores inimigos da Igreja de Jesus Cristo. E
a assistência de Nosso Senhor, sempre real e poderosa, será nesta ocasião mais
efetiva do que nunca.
Rezemos, pois. Tem de ser esta a conclusão
indiscutível de tudo quanto se escreveu sobre o Soberano Pontífice e sua atual
situação. Como os fiéis que rezavam por São Pedro tiveram a graça de ver livre
o primeiro Papa, solvidos os grilhões por ação de um Anjo, também nós poderemos
ver afastadas tenebrosas hipóteses, e poupados ao Pontífice terríveis dias de
amargura pela oração. Rezemos muito.