Não seria justo que, entre inúmeras manifestações
de pesar suscitadas em todas as classes sociais e em todos os setores da
opinião pública pelo desaparecimento trágico e inesperado de Dom José Gaspar de
Afonseca e Silva, o “Legionário” deixasse passar, sem um comentário da redação,
o falecimento de Monsenhor Alberto Pequeno. Com efeito, o desaparecimento do ilustre Sacerdote abriu
um claro nas fileiras de nosso Clero, que podem muito bem sentir e medir os que
mais de perto tiveram ocasião de lhe admirar as relevantes qualidades e o
fecundo labor apostólico.
* * *
Pode-se dizer que
Monsenhor Pequeno compendiava em si as qualidades características de uma figura
de grande envergadura moral e intelectual. Extremamente simples e afável, seu
trato tinha, entretanto, uma distinção e mesmo um ''que'' de aristocrático que
deixava ver nele uma pessoa de fina educação, sempre cônscia da dignidade de
seu sacerdócio e da nobreza das atitudes que essa dignidade impõe. ''Causeur'' interessante e fluente, espírito culto e penetrante,
senhor de boa memória que a todo momento lhe facultava ocasião de lembrar fatos
curiosos e pouco conhecidos, a que estivera direta ou indiretamente ligado,
dava ao mesmo tempo a impressão de uma retidão de espírito que estava por assim
dizer a flor dos olhos claros, firmes, límpidos e serenos. Ao mesmo tempo,
sentia-se em todo o seu modo de ser um homem forte e prudente, afeito ao manejo
de assuntos complexos e delicados, em que ao mesmo tempo se exige a discrição,
a perseverança, a inabalável firmeza dos propósitos. E, com efeito, por pouco
que se tratasse com ele, não era difícil perceber sob a discreta uniformidade
de suas atitudes sempre corteses e sempre iguais, uma alma ardente e capaz dos
maiores entusiasmos, que poria aos serviços dos sacrossantos ideais a que se
votara toda aquela irredutível resolução de que é capaz um nordestino. Dizem que a graça não destrói a natureza, mas a eleva e santifica. Tive ocasião
de mostrar, certa vez, como Dom Duarte Leopoldo e Silva
soube pôr ao serviço de seu apostolado, engrandecidas e valorizadas ao infinito
pela graça de Deus, as qualidades típicas do verdadeiro paulista, de velha e
rija têmpera. Monsenhor Alberto Teixeira Pequeno serviu as causas a que se
dedicou com o entusiasmo, a perseverança, o ardor e o empenho com que um
ardente nordestino, feito homem de Igreja e diplomata, poderia servi-las. E os
fatos mostraram que esse serviço foi magnífico.
* * *
Entre tantas e tão assinaladas realizações em que
Monsenhor Alberto Pequeno cooperou em prol da Santa Igreja, seria necessária
destacar uma: a unificação dos seminários, levada a cabo pelo Santo Padre Pio
XI.
Para os espíritos
levianos, as obras de superfície parecem sempre as mais importantes. Grandes
estatísticas, números e mais números, construções de vulto, movimentos de massa
e mais números e mais números: eis os únicos grandes serviços prestados à
Igreja. Em suma, costuma isto ser exagerado a tal ponto, que há toda uma série
de pessoas que acham que ''sem barulho não há salvação''. É isto para elas um verdadeiro ''dogma''
professado quiçá com muito maior entusiasmo, que este outro, dogma verdadeiro e
não falso, que entretanto passam sobre silêncio constrangido e envergonhado:
''fora da Igreja não há salvação''. Monsenhor Alberto Pequeno estava muito
longe de pertencer a esta progênie de espíritos vulgares. Servindo a Santa
Igreja, entregou-se a um campo de apostolado talvez obscuro aos olhos do grande
público, certamente afanoso em extremo, mas dos mais meritórios: a formação de
várias gerações de sacerdotes, destinados a ser ''o sal da terra e a luz do
mundo''. Nesta tarefa essencial, empregou tesouros de prudência, seriedade,
operosidade, paciência, força e zelo que, talvez, se venham contar algum dia
com pormenor, mas que mesmo as pessoas que, como eu, só de oitava conheceram
muito de sua obra, bem podem aquilatar.
Hoje, que os Seminários Centrais estão funcionando
em todo o Brasil, bem se pode medir a vantagem que trouxe esta medida.
Entretanto, não era a todos os olhos que se
afigurava com clareza esta vantagem quando se deu início à grande tarefa. Foi
preciso persuadir, argumentar, pedir, contemporizar, urgir, para chegar a obter
qualquer coisa. Finalmente, os grandes seminários aí estão. E já hoje ninguém
mais duvida que esse esforço terá significação definitiva na formação dos
sacerdotes de todo o Brasil. E, de todo este esforço, foi ''magna pars'' Monsenhor Alberto Pequeno.
Foi portanto, gesto feliz do Exmo. Sr. D. José
Gaspar de Afonseca e
Silva, dar a Monsenhor Pequeno a dignidade de Vigário Geral, que prepôs à direção das Religiosas da Arquidiocese. Não há
coração católico que não respeite e não estime filialmente
as Religiosas. Elas bem mereciam que, para delas cuidar, o jovem Arcebispo
designasse uma das primeiras cabeças do clero brasileiro. Nestas funções,
exercidas sempre com o tino, a superior visão das coisas, a segurança e a
firmeza peculiares, a morte veio colher Monsenhor Pequeno. E, com isto, a
Igreja perdeu uma de suas figuras mais ilustres no Brasil.
* * *
Ilustre, Monsenhor Pequeno o foi certamente pelo
vulto de seus serviços. Havia nele, entretanto, uma certa aversão para com os
preitos públicos de reconhecimento a suas obras. Parece que a Providência
respeitou este gosto, levando para a eternidade no grande sulco em que se foi a
brilhantíssima figura de Prelado que foi Dom José. O Brasil inteiro, de norte a
sul, pranteou sobre o esquife do jovem e infortunado Arcebispo. Com isto, como
seria aliás inteiramente natural, a morte de Monsenhor Pequeno não deu lugar a
que se patenteasse todo o pesar que efetivamente causou, e que se veria ter
sido imenso, se ele houvesse falecido em outras circunstâncias. Ele só foi,
pois, modestamente servido. Mas, certamente, seus méritos receberam a devida
recompensa das mãos de Deus.